07 Mai 2025
"Hoje, Hannah Arendt voltará à atualidade: pois dentro do aterrador cenário da Capela Sistina, cada cardeal terá que decidir se ser um papa cristão ou um papa “algo diferente”. Sem debates, sem declarações, sem jantares. Em um silêncio quebrado pelo arrastar das canetas, por alguns passos, por torções nervosas sobre as cruzes peitorais enquanto uma delegação retorna a Santa Marta para buscar o voto de um cardeal doente. Depois, se contarão as cédulas. Descobrirão quem sai com muitos votos, ainda que bem distante do quórum estratosférico de dois terços", escreve Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, em artigo publicado por Corriere della Sera, de 06-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Um cristão no trono de Pedro”. Assim, Hannah Arendt esculpiu, com um de seus títulos formidáveis, o Papa João.
A alusão era de que o papa nem sempre havia sido assim: e era verdade. De fato, muitas vezes se pensou e se pensa que o papa deveria ser muito mais do que um “cristão”: um líder supremo, um ator político, um mediador nato, o cérebro da doutrina, o protetor dos seus. Hoje, Hannah Arendt voltará à atualidade: pois dentro do aterrador cenário da Capela Sistina, cada cardeal terá que decidir se ser um papa cristão ou um papa “algo diferente”. Sem debates, sem declarações, sem jantares. Em um silêncio quebrado pelo arrastar das canetas, por alguns passos, por torções nervosas sobre as cruzes peitorais enquanto uma delegação retorna a Santa Marta para buscar o voto de um cardeal doente. Depois, se contarão as cédulas. Descobrirão quem sai com muitos votos, ainda que bem distante do quórum estratosférico de dois terços. Entenderão quem sabe como calcular os consensos prometidos: porque não basta um Michelangelo qualquer para tornar sincero um cardeal a quem lhe pediu seu voto. Eles verão quantos são os pequenos “clusters” de votos que não estão dispersos, mas constituem a reserva de consensos que no dia seguinte se deslocará ou permanecerá firme: serão eles que poderão criar o “bloco” que em 1978 não cedeu a Siri os últimos cinco votos que lhe faltavam, ou desfiá-lo como aconteceu em 2005 para Ratzinger, quando Martini os convenceu a cortar as pernas de Bergoglio e Ruini.
Finalmente, chegará a noite em que não os examinará a magniloquência de uma obra-prima, mas falará a voz sussurrada do Mestre interior a quem poderão confiar a dialética que torna viva a Igreja Católica. O testamento de São Francisco de Assis descreveu isso muito bem. Para ele, havia a “forma” da santa Igreja Romana, que ele venerava sem hesitações, e a “forma do santo Evangelho”, que ele queria para si, rejeitando a outra. O Francisco papa tinha uma visão diferente, mais ingênua ou mais ousada sobre esse ponto: ele estava convencido de que o papa 'solus' poderia forçar a 'forma' da igreja romana para aquela do santo evangelho. Ele tentou fazer isso criando aquela “bagunça” que, em sua opinião, servia ao Espírito para criar a verdadeira harmonia. Usou a vara ou a misericórdia, tomou medidas inéditas e fez buracos na água (sinodal), apostou em centenas de entrevistas. Mas todas as muitas vezes que ele conseguiu comunicar aos fiéis a autenticidade do cristão, fez sentir como é a vida de quem se coloca ao seguimento do evangelho de Jesus e sobre Jesus. Aquele evangelho que faz de Pedro o que foi: forte tanto na confissão de fé quanto na negação, lento em sua corrida na terra, mas ousado naquela no mar, corifeu de uma unidade que hoje ninguém mais parece desejar. Bispo de uma Igreja de Roma que espera, como sucessor de Pedro, um papa cristão.