07 Mai 2025
"Enxergo novamente diante de meus olhos a vala comum vista pouco antes perto do Hospital Al-Shifa, onde centenas de corpos descansam sem paz."
O artigo é de Martina Marchi, responsável médica dos Médicos Sem Fronteiras em Gaza, publicada por La Stampa, 06-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
No final do dia, costumo subir ao terraço e me deitar para olhar o céu. Há andorinhas e drones e, à distância, às vezes tenho dificuldade de distingui-los com meus olhos semicerrados. O céu azul é cheio de promessas, nos faz pensar na liberdade, como se não houvesse muros ao redor. Outro dia, li uma frase: “É estranho pensar que não se pode escapar. Que não importa o quanto você corra, em algum momento vai encontrar o mar”.
Aqui em Gaza é assim, essa língua de terra fica cada vez menor, todos os dias, em frente ao prédio onde moro com os colegas dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), se acrescenta uma tenda. O espaço se reduz, as pessoas se amontoam e o mar parece estar mais próximo.
As informações sobre uma possível invasão maciça da Faixa e a intensificação desse cerco que já dura meses se revezam, as pessoas estão no limite de suas forças e pesam até as palavras para não se cansarem.
Há uma atmosfera surreal, há aqueles que preferem pensar apenas no presente e em sobreviver a mais uma noite, e há aqueles que, em vez disso, refletem sobre o futuro, dizendo que o pior ainda está por vir e que a paz é algo distante e nebuloso. Passo as últimas horas dessa noite abafada me sentindo impotente, penso na orla marítima de Gaza com seus prédios destruídos e o cheiro de esgoto e lixo. Penso nos olhos de alguns colegas palestinos que vi desvanecerem por um instante hoje. Penso em Ali, uma criança que por causa da violência de uma explosão foi jogada do telhado do prédio em frente quando o edifício foi atingido. Somente ele e sua mãe sobreviveram, ambos feridos e levados para o hospital de campanha. Quando o vi, fiquei comovido por um momento, parecia impossível que ele estivesse na minha frente e que estivesse se recuperando pouco a pouco.
Enxergo novamente diante de meus olhos a vala comum vista pouco antes perto do Hospital Al-Shifa, onde centenas de corpos descansam sem paz. Tenho medo de imaginar o que poderia ser, portanto, mesmo nesses deslizes emocionais, eu me esforço para me ancorar no presente. Eu não imaginava que existissem assim tantas flexões de violência, aniquilação, humilhação e privação. Não acreditava que a omertà e o silêncio do mundo pudessem atingir níveis tão desumanos. No entanto, chegamos a um ponto sem retorno para a humanidade, e carregaremos esse fardo horrível em nossa consciência por gerações inteiras.