07 Mai 2025
"Parece que não há mais nem mesmo o interesse em chegar a uma trégua permanente em Gaza: depois de fracassadas nas tentativas anteriores, os olhos se voltam para outro lugar. Afinal, não faltam guerras e crises humanitárias no mundo".
A opinião é de Riccardo Redaelli, professor de Geopolítica da Università Cattolica del Sacro Cuore, em Milão, e diretor do Centro de Pesquisa sobre o Sistema Sul e o Mediterrâneo Ampliado (Crissma, na sigla em italiano). O artigo foi publicado por Avvenire, 06-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Poderia haver um contraste mais trágico e doloroso do que aquele entre as últimas vontades do Papa Francisco, que queria a transformação do “papamóvel” em uma clínica de atendimento rápido para as crianças de Gaza, e a decisão do governo israelense de prolongar e ampliar a guerra, visando à ocupação da Faixa de Gaza?
Nos últimos dias, o jornal israelense Haaretz, que certamente não pode ser tachado de antissemita, escreveu que, se realmente quisermos continuar a definir o que está acontecendo em Gaza com o termo guerra, devemos especificar que se trata de uma guerra de generais contra crianças. É reconfortante saber que ainda há muitas vozes em Israel que rejeitam a deriva racista, fundamentalista e xenófoba do governo de ultradireita no poder; e que parte dessa sociedade não desiste de sentir horror diante da catástrofe humanitária da população palestina e da cínica indiferença do governo em relação ao destino dos cidadãos israelenses que ainda são reféns. Uma catástrofe, é preciso lembrar, que é o resultado da deliberada vontade do primeiro-ministro Netanyahu de continuar a guerra sine die, para permitir a reocupação a longo prazo - com alguns ministros proclamando abertamente que é “para sempre” - e de iniciar o “deslocamento” de seus habitantes, de acordo com o plano que dispensa comentários do presidente Trump de criar uma nova “Riviera Mediterrânea”.
Na Europa, presos entre a obrigatória lembrança de nossas culpas históricas em relação ao povo judeu e o medo de sermos associados às odiosas regurgitações do antissemitismo, muitas vezes somos cautelosos ao julgar as ações do governo de Tel Aviv em relação aos palestinos.
Mas diante dessas decisões, diante da vergonha de um bloqueio de ajudas humanitárias que já dura mais de dois meses e impede a entrega de água, alimentos e medicamentos às mulheres, às crianças e aos homens que tentam sobreviver na Faixa de Gaza, não podemos deixar de escrever que Netanyahu está implementando uma política abjeta, inconciliável com os ideais liberais. Até mesmo a mais recente proposta do governo israelense de permitir a distribuição de ajudas de pura sobrevivência por meio de não especificadas “agências privadas” parece não ser nada além do que uma manobra para efetivamente as impedir de fato.
E o horror em Gaza, infelizmente, é apenas uma peça de um quebra-cabeça maior que a direita nacionalista ou ultrarreligiosa leva adiante para recriar o Israel bíblico. Na Cisjordânia, estamos diante de uma ocupação que se alastra, com a criação contínua de assentamentos judeus ilegais que levam à destruição de terras agrícolas palestinas e à evacuação de vilarejos. Os abusos e as violências por parte dos colonos israelenses, com a cooperação das forças de segurança, contra a população local são uma ocorrência diária. Violências, humilhações e ameaças que não poupam a comunidade cristã e, às vezes, interferem em suas práticas religiosas.
Na Síria, a queda do regime de al-Assad criou uma situação magmática em que Israel intervém com ações direcionadas naquele país, do qual - é preciso lembrar - já ocupa as Colinas de Golã, anexadas ao Estado judeu sem o reconhecimento das Nações Unidas. A justificativa formal é a defesa dos vilarejos da minoria drusa na Síria, já que pelo menos 150.000 deles vivem em Israel e muitos servem nas forças armadas. Mas muitos agora suspeitam que o verdadeiro objetivo seja a expansão dos territórios sírios controlados. Diante de tudo isso, o silêncio inerte de grande parte da comunidade internacional parece deprimente e mostra o quanto estamos nos acostumando com a disseminação do vírus da lógica do poder, da mais cínica realpolitik, que exalta a força militar e zomba daqueles que acreditam no poder da diplomacia e da paz.
Parece que não há mais nem mesmo o interesse em chegar a uma trégua permanente em Gaza: depois de fracassadas nas tentativas anteriores, os olhos se voltam para outro lugar. Afinal, não faltam guerras e crises humanitárias no mundo.
Mas, em vez disso, é preciso reiterar com veemência que uma maneira de acabar com as armas em Gaza deve ser buscada com obstinação e encontrada. É necessário tentar fazer isso para tirar dois milhões de habitantes da Faixa de Gaza do inferno em que estão mergulhados há mais de um ano e meio. Mas isso também é necessário para Israel, que corre o risco de se perder na crença de que sua impunidade possa lhe garantir a onipotência.