05 Mai 2025
"O Papa Francisco representou para muitos, nesses doze anos, a possibilidade de intuir uma dimensão desse tipo, de compreender que os valores de sempre não são ilusões, mas a forma mais verdadeira e bela de viver. E eu penso que é disso que os homens precisam, especialmente hoje, quando a política em quase todo o mundo ignora a ética e a lógica do bem comum para ser apenas imposição implacável do mais forte. Se o próximo papa ignorar essa tensão profética, preocupando-se apenas com o governo eclesiástico, o mundo perderá um ponto de referência importante, para não dizer essencial, dada a escassez de referências de valor de nível internacional."
O artigo é de Vito Mancuso, publicado por La Stampa, 04-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
De que Papa precisamos? Essa é uma pergunta que diz respeito a todos, não apenas aos crentes, mas também aos não crentes, não apenas a nós, italianos, que temos o Vaticano em casa, mas também ao resto do mundo. Se há um fato que os doze anos do pontificado do Papa Francisco destacaram sobre a condição do mundo, é a necessidade urgente de um ponto de referência espiritual. A grande atenção, ou melhor, o afeto, que o mundo reservou a Francisco demonstra a necessidade de alguém que fale com palavras e gestos que tenham um sabor diferente da política, do direito e da economia. Essa necessidade é ainda mais urgente porque o mundo contemporâneo está cada vez mais esmagado em uma única dimensão: a horizontal.
Marcuse já havia intuído isso: O homem unidimensional. Subtítulo: Estudos da ideologia da sociedade industrial avançada. Era 1964 e, desde então, a sistemática ação de achatamento da humanidade continua inabalável, metódica e obstinada. O resultado é a atual desorientação das consciências. A consciência, de fato, para não ficar desnorteada e adquirir uma orientação, precisa se elevar acima do horizonte imediato, adquirindo visão, panoramas, aquela possibilidade de intuição do infinito descrita por Leopardi no inesquecível poema de mesmo nome.
Hoje, porém, os homens têm o olhar grudado na cerca “que de tanta parte do último horizonte o olhar exclui” e não se sentam para mirar “intermináveis espaços além dela, e sobre-humanos silêncios, e quietude profundíssima”. A cerca se tornou impenetrável, e não porque cresceu em altura, mas porque mudou de natureza e agora não é mais chamada de cerca, mas de tela, e além dessa tela o olho humano não sabe ir porque é capturado irresistivelmente por seus feitiços. Assim, os “intermináveis espaços” chegaram ao fim, o ruído contínuo sufocou o silêncio e, em vez da quietude profundíssima, assola as mentes uma ansiedade generalizada e um medo escuro os corações.
O Papa de que precisamos, nós, habitantes deste mundo horizontal, é alguém que nos faça levantar o olhar para além da cerca e da tela. Precisamos voltar a acreditar que nós, humanos, não somos apenas unidimensionais. A dimensão horizontal da economia, da política, da história e do direito é constitutiva de nós, mas não exaustiva. Além das razões da economia, há sentimentos em nós que não podem ser comprados; além do interesse pessoal, há o inter-ser que nos liga aos outros e nos leva a nos preocupar com eles (veja os neurônios-espelho); além da fria consideração da realidade, há a necessidade de esperança e de utopia. Se não fosse assim, nossa história seria completamente diferente: sem arte, sem música, sem filosofia, sem poesia, sem espiritualidade. Estas, no entanto, desde sempre nos acompanharam e aquecem nossos corações, permitindo-nos resistir ao achatamento dominante e, às vezes, fazendo-nos superar a lógica do homem unidimensional “do ut des” (“eu te dou para que tu me dês”) para inaugurar esta outra: “Do ut sis”, “eu te dou para que sejas”. Isso é ética, isso é espiritualidade. Podem ser religiosas ou não religiosas, mas ainda assim compartilham a busca do bem e da justiça.
O Papa Francisco representou para muitos, nesses doze anos, a possibilidade de intuir uma dimensão desse tipo, de compreender que os valores de sempre não são ilusões, mas a forma mais verdadeira e bela de viver. E eu penso que é disso que os homens precisam, especialmente hoje, quando a política em quase todo o mundo ignora a ética e a lógica do bem comum para ser apenas imposição implacável do mais forte. Se o próximo papa ignorar essa tensão profética, preocupando-se apenas com o governo eclesiástico, o mundo perderá um ponto de referência importante, para não dizer essencial, dada a escassez de referências de valor de nível internacional.
Também a Igreja, no entanto, perderá uma chance fundamental, provavelmente a última, de voltar a ser significativa para as consciências contemporâneas.
De fato, está diante dos olhos de todos o declínio imparável que o cristianismo está registrando no Ocidente no processo de achatamento unidimensional que nosso mundo desprovido de “infinito” leopardiano está experimentando. Encontramo-nos diante de uma situação de pobreza antropológica, de falta de valores e de esperanças, tanto no mundo laico, que só celebra a economia e o sucesso, quanto no mundo religioso, tão preocupado com seu próprio declínio que não é mais capaz de se propor como ponto de referência. A peculiaridade do Papa Francisco foi de se propor como referência para o mundo sem se preocupar com as posições de ganho da Igreja Católica. Sua ação foi gratuita e, portanto, profética. O próximo papa não deve dissipar esse seu legado, porque o bem do mundo e da Igreja depende disso.
Agora a questão, é claro, é se entre os mais de cento e trinta cardeais que estarão fechados na Capela Sistina existe uma figura espiritual capaz de desempenhar esse papel. Tenho certeza de que existe, mas é claro que será uma questão de saber se os votos fluirão para essa pessoa ou não. Tudo dependerá dos cardeais, se serão capazes de seguir a inspiração do Espírito Santo, que não deve ser entendida como algo mágico, mas como o impulso de sempre seguir a reta consciência a serviço do bem comum, e não o interesse pessoal ou da própria facção.
Gostaria de encerrar especificando que, para a Igreja, estar a serviço do mundo não significa necessariamente dar ao mundo o que ele exige, por exemplo, o sacerdócio feminino ou o matrimônio homossexual ou outras exigências semelhantes; ao contrário, significa ser capaz de fazer com que leve seu olhar para além daquela cerca e, assim, intuir os imensos silêncios e voltar a sentir o perfume do infinito. Tudo isso poderá até não ter uma tradução religiosa imediata, mas será capaz de elevar a alma de muitos em direção à transcendência, testemunhada no século XX por filósofos como Wittgenstein, Weil, Jaspers, Arendt, Jonas e, entre os italianos, Martinetti, Caracciolo, Prini.
Norberto Bobbio encarregou a esse jornal a publicação, no dia seguinte à sua morte, de uma carta com suas últimas vontades, na qual ele se despedia do mundo com estas palavras: “Não me considero nem ateu nem agnóstico, como homem de razão, não de fé, sei que estou imerso no mistério”. Pode-se chamá-lo de mistério, infinito, transcendência, Deus ou com outros nomes ainda, mas é somente essa dimensão vertical que pode realmente curar o nosso mundo unidimensional.
O Papa de que precisamos é, antes de tudo, alguém que a saiba testemunhar.