Como valorizar o trabalho invisível de cuidadores. Artigo de Clemente Ganz Lúcio

Foto: Pixabay

Mais Lidos

  • Esquizofrenia criativa: o clericalismo perigoso. Artigo de Marcos Aurélio Trindade

    LER MAIS
  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • O primeiro turno das eleições presidenciais resolveu a disputa interna da direita em favor de José Antonio Kast, que, com o apoio das facções radical e moderada (Johannes Kaiser e Evelyn Matthei), inicia com vantagem a corrida para La Moneda, onde enfrentará a candidata de esquerda, Jeannete Jara.

    Significados da curva à direita chilena. Entrevista com Tomás Leighton

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

30 Abril 2025

"O trabalho de cuidados é predominantemente realizado por mulheres que dedicam em média 21,4 horas semanais ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado. Os homens dedicam 11 horas semanais (IBGEPNAD Contínua)".

Ex-coordenador do Dieese reflete sobre o alcance da Política Nacional de Cuidados. A quem se aplica? Quais seus objetivos? Conseguirá redistribuir uma função que hoje é tão concentrada em mulheres negras – e garantir direitos a todos que o exercem?

O artigo é de Clemente Ganz Lúcio, Diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), publicado por Outras Palavras, 29-04-2025. 

Eis o artigo. 

O Brasil instituiu recentemente a “Política Nacional de Cuidados” (PNC) através da Lei 15.069/2024, que tem por objetivo garantir o direito ao cuidado e promover a corresponsabilização social entre Estado, família, setor privado e sociedade civil. Trata-se de um marco significativo na valorização e reconhecimento das atividades de cuidados no país, buscando equilibrar responsabilidades e assegurar direitos, fundados nos princípios de trabalho decente conforme define a Organização Internacional do Trabalho (OIT), tanto para cuidadores remunerados quanto para não remunerados.

Quem são as cuidadoras/es?

Cerca de 47,5 milhões de pessoas estão envolvidas em atividades de cuidados no país, remuneradas e, a maioria, não remunerada, sendo que 78% são mulheres e 70% mulheres negras, com baixa escolaridade e maior frequência de idade entre 45 e 59 anos, segundo revelou a Pesquisa Nacional sobre Trabalho Doméstico e de Cuidados Remunerados, estudo lançado em 2025 pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) e pelo Ministério da Igualdade Racial.

A informalidade atinge metade dos ocupados cujos vínculos são estabelecidos por meio de acordos verbais e trabalho autônomo, muitos sem proteção. A outra metade tem registro em carteira de trabalho, o que garante o direito à proteção trabalhista e previdenciária. A maioria das/os trabalhadoras/es recebe entre 1 e 1,5 salário mínimo por mês e as ocupações remuneradas estão concentradas em categorias como cuidadoras/es de pessoas idosas e com deficiência. Quem exerce essa função são, em sua maioria, trabalhadoras domésticas, professoras da educação infantil e profissionais da enfermagem.

O trabalho de cuidados é predominantemente realizado por mulheres que dedicam em média 21,4 horas semanais ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado. Os homens dedicam 11 horas semanais (IBGE, PNAD Contínua).

Os objetivos da PNC

A Política Nacional de Cuidados está estruturada a partir dos seguintes objetivos permanentes:

  • Reconhecer o cuidado como um direito universal, de quem cuida e de quem precisa ser cuidado.
  • Promover a corresponsabilidade entre Estado, famílias, setor privado e sociedade civil.
  • Valorizar o trabalho de cuidado, remunerado ou não, com foco na superação das desigualdades de gênero, raça, classe, etnia e geração.
  • Ampliar e qualificar a oferta de serviços de cuidado, especialmente para crianças, idosos, pessoas com deficiência e pessoas dependentes.
  • Estimular a autonomia e a inclusão social das pessoas que necessitam de cuidados.

A Política Nacional de Cuidados orienta-se pelo princípio da universalidade do cuidado, portanto, como direito de todos. A sua implementação e execução busca a articulação das políticas de educação, saúde, assistência social, trabalho, entre outras, com equidade no acesso, bem como visa garantir a proteção social aos/às cuidadores/as, especialmente mulheres, que hoje realizam majoritariamente esse trabalho de forma não remunerada.

O PNC indica que a estratégia de implementação se desenvolverá com:

  • A criação do “Sistema Nacional de Cuidados”, para articular as ações dos entes federativos (União, Estados e Municípios) e diferentes áreas governamentais.
  • A ampliação da oferta de serviços públicos de cuidado, como creches, centros de convivência de idosos e serviços de atenção domiciliar.
  • O reconhecimento e formalização do trabalho de cuidado, com direitos trabalhistas e previdenciários para quem cuida.
  • Capacitação e valorização dos profissionais do cuidado.
  • Produção de dados e indicadores sobre a organização social do cuidado, a divisão sexual do trabalho e os impactos nas desigualdades sociais.
  • A realização de campanhas educativas para conscientizar sobre a importância e a valorização do cuidado, incentivando a divisão igualitária das tarefas de cuidado entre homens e mulheres.

Essas diretrizes serão operacionalizadas por meio do PNC, o principal instrumento de planejamento e execução das ações da política, com metas, prazos e avaliação. Serão criados mecanismos de monitoramento e participação social, como conselhos e conferências.

A visão da Organização Internacional do Trabalho sobre cuidados

A OIT enfatiza a importância das políticas de cuidados como fundamentais para promover a igualdade de gênero, assegurar direitos trabalhistas e impulsionar o desenvolvimento econômico sustentável. Em seus relatórios e iniciativas, a OIT destaca a necessidade de investimentos significativos em sistemas de cuidados para enfrentar desafios globais relacionados ao trabalho e ao bem-estar social.

Destaca ainda a necessidade de os países investirem em serviços de cuidados e em licenças remuneradas, como maternidade, paternidade e parentais. Um serviço muito interessante que a OIT lançou é o “Portal Mundial de Políticas de Cuidados”, através do qual é possível analisar e comparar políticas e serviços nacionais relacionados a licenças de cuidado em mais de 180 países.

Outro serviço muito interessante, também disponibilizado gratuitamente pela OIT, é o “Simulador de Investimento em Política Pública de Assistência” instrumento que ajuda a calcular os requisitos de investimento, benefícios de emprego e impacto na igualdade de gênero de diferentes políticas de assistência. Segundo a OIT, o Simulador é a maior ferramenta de modelagem. 

OIT enfatiza a importância das políticas de cuidados como fundamentais para promover a igualdade de gênero, assegurar direitos trabalhistas e impulsionar o desenvolvimento econômico sustentável. Em seus relatórios e iniciativas, a OIT destaca a necessidade de investimentos significativos em sistemas de cuidados para enfrentar desafios globais relacionados ao trabalho e ao bem-estar social.

Destaca ainda a necessidade de os países investirem em serviços de cuidados e em licenças remuneradas, como maternidade, paternidade e parentais. Um serviço muito interessante que a OIT lançou é o “Portal Mundial de Políticas de Cuidados”, através do qual é possível analisar e comparar políticas e serviços nacionais relacionados a licenças de cuidado em mais de 180 países.

Outro serviço muito interessante, também disponibilizado gratuitamente pela OIT, é o “Simulador de Investimento em Política Pública de Assistência”, instrumento que ajuda a calcular os requisitos de investimento, benefícios de emprego e impacto na igualdade de gênero de diferentes políticas de assistência. Segundo a OIT, o Simulador é a maior ferramenta de modelagem de política de atendimento on-line disponível, reunindo dados de mais de 80 países e construído sobre mais de 180 indicadores estatísticos.

O Simulador pode ajudar a criar pacotes de investimento sob medida relacionados a quatro políticas de assistência: licença remunerada relacionada à assistência à infância (maternidade, paternidade e parental), pausas para amamentação, educação na primeira infância e cuidados a longo prazo.

O desafio

Reafirma-se com a Política Nacional de Cuidados uma agenda que destaca a necessidade de redistribuir o trabalho de cuidado, que hoje recai de forma desproporcional sobre as mulheres, sobretudo negras e pobres. Um dos desafios é o de qualificar esse trabalho, com boa remuneração e protegido com os direitos trabalhistas, previdenciários e sindicais. Outro desafio é o de estruturar políticas que promovam serviços públicos de cuidado como creches, centros de dia, serviços domiciliares, criando assim milhares de empregos de interesse social.

Abre-se um campo para a atuação sindical avançar naquilo que já vem sendo construído em termos de organização, pauta e formas de luta. A inovação sindical deverá construir respostas organizativas que agreguem essas trabalhadoras, muitas ocupadas e dispersas em unidades familiares; deverá elaborar propostas para a implementação de políticas públicas vocacionadas para a geração de empregos de interesse social e público; terá que aprimorar a pauta trabalhista para responder aos problemas e anseios específicos dessas trabalhadoras e, por fim, colocar na agenda dos sindicatos a reflexão sobre a partilha de responsabilidades e tarefas de cuidados.

Fontes

[1] Para acessar o marco conceitual do PNC, disponível aqui.

Leia mais