09 Abril 2025
O Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) lançou na terça-feira, 1º de abril, a terceira edição do Relatório de Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil. O evento aconteceu na sede do regional Norte 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Belém (PA), e reuniu pescadores e pescadoras artesanais de diversas regiões do país, além de pesquisadores, organizações parceiras e representantes da Igreja. Estiveram presentes dom José Altevir, presidente do CPP e bispo da Prelazia de Tefé (AM), e dom Paulo Andreolli, bispo auxiliar da arquidiocese de Belém.
A reportagem é de Henrique Cavalheiro, publicada por CNBB, 07-04-2025.
O documento reúne dados coletados entre 2022 e 2024 e aponta um cenário de agravamento das ameaças aos povos das águas em todo o país. Foram sistematizadas informações de cerca de 450 comunidades pesqueiras em 16 estados brasileiros, revelando que mais de 32 mil famílias enfrentam situações de violações graves aos seus direitos.
Segundo o relatório, 71,4% dos casos estão relacionados à especulação imobiliária, que tem promovido a invasão e privatização de territórios tradicionais e ancestrais de comunidades pesqueiras. A negligência do Estado na garantia de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais aparece como outro fator central para a intensificação dos conflitos. Empresas privadas, agentes privados e o próprio poder público (executivo municipal e estadual) são apontados como principais responsáveis pelo acirramento das dificuldades enfrentadas pela pesca artesanal no Brasil.
O relatório também evidencia a percepção generalizada das comunidades quanto aos efeitos das mudanças climáticas: 97,3% afirmam que a crise climática já impacta diretamente seus territórios. Os principais efeitos relatados são o aumento da temperatura (72,9%), alterações nas marés (58,3%) e nos ventos (54,2%), além de enchentes e erosões associadas à diminuição do pescado e à perda de biodiversidade.
O presidente do CPP, dom José Altevir, destacou a relevância do lançamento da 3ª edição do Caderno de Conflitos Socioambientais para fortalecer a luta das comunidades pesqueiras. Segundo ele, o documento tem grande importância por permitir que as comunidades tenham mais consciência das ameaças que enfrentam e encontrem força para seguir na luta por transformações. “O caderno de conflitos socioambientais traz pra gente a consciência de que lutar não é em vão”, afirmou. O bispo ainda relacionou a publicação com o espírito do Ano Jubilar: “Neste ano da esperança, queremos com este caderno aumentar e fortalecer a esperança da comunidade pesqueira”, concluiu.
Representando a arquidiocese de Belém (PA), dom Paolo Andreolli, bispo auxiliar, destacou a profunda conexão entre Jesus e os pescadores e pescadoras, lembrando que entre os primeiros escolhidos por Cristo estavam justamente aqueles que viviam da pesca artesanal. “Jesus, muito amigo dos pescadores, percebeu neles um esforço e pensou: com eles eu posso fazer grandes coisas. Foram escolhidos para se tornarem pescadores de homens”, afirmou. Ele também convidou os participantes a refletirem sobre a diferença entre o que é lícito e o que é justo, reforçando que “embora algo possa ser legítimo, nem sempre é certo”, e que é necessário buscar continuamente alinhar a legalidade com a vontade de Deus, especialmente diante das injustiças enfrentadas pelas comunidades tradicionais.
Para Francisco Nonato, secretário executivo do CPP, o relatório também cumpre um papel essencial de sensibilização da sociedade sobre quem são os povos das águas e qual o valor de seus modos de vida. Nonato também reforçou que os pescadores e pescadoras artesanais vêm se organizando para denunciar as violações em seus territórios, mas também para “anunciar outras perspectivas” de vida. Segundo ele, é necessário que a sociedade “com os pés firmes no chão” se aproxime de quem “tem os pés firmes nas águas”, numa troca de saberes que reconheça a pesca artesanal como patrimônio cultural e como parte da soberania alimentar nacional.
A agente de pastoral Ornela Fortes, do CPP/Regional Nordeste II e responsável pela sistematização dos dados da terceira edição do relatório, destacou que o documento é fruto direto da presença cotidiana dos agentes nas comunidades. “O relatório é uma parte do trabalho dos agentes pastorais, que estão todos os dias com as comunidades tradicionais pesqueiras, lidando com as demandas — sejam os conflitos socioambientais ou outras questões que surgem no território. Ele é fundamental para documentar, registrar, mas também para denunciar as violações vivenciadas por essas comunidades”, afirmou.
Durante o lançamento, o procurador regional da República Felício Pontes assumiu o compromisso de dar continuidade às denúncias apresentadas no relatório.
Em sua fala, destacou que o trabalho do CPP com a sistematização dos dados facilita a atuação do Ministério Público Federal. “Se essa é uma etapa que termina para o CPP com a edição do relatório, para nós é o início do trabalho. Espero que possamos fazer uma devolutiva rápida e eficaz diante de tantos conflitos sofridos pelas comunidades pesqueiras artesanais no Brasil”, afirmou Pontes.
Segundo Ornela, além de denúncia, o relatório também carrega uma dimensão de anúncio e resistência. “Existe vida, existe resistência, existem outras formas de viver os territórios tradicionais pesqueiros. O relatório traz essa potência também”, ressaltou. Ela celebrou ainda o fato de que o material já foi encaminhado ao MPF, especificamente à Sexta Câmara, por meio do procurador Felício Pontes. “É uma das perspectivas do relatório: que mais denúncias possam surgir, que o Estado tome ciência da realidade de violações e, sobretudo, que venham reparações às comunidades pesqueiras”, concluiu.
Ao final do evento, foram reafirmadas as denúncias contra propostas e empreendimentos que ameaçam diretamente os modos de vida das comunidades pesqueiras, como a PEC 03/2022 — que busca facilitar a privatização das praias —, os projetos de exploração de petróleo na Foz do Amazonas e em toda a Margem Equatorial, além da instalação de usinas eólicas no mar (offshore). Essas iniciativas, apontadas pelos participantes como formas de violação dos direitos territoriais, representam um grave ataque à soberania dos povos das águas e à sua permanência nos territórios tradicionalmente ocupados e protegidos por gerações.
Acesse aqui o relatório na íntegra.