26 Outubro 2024
Quem está disposto a ouvir em público uma teologia que, de fora, parece apenas uma marionete, movida por uma instituição sempre igual, cada vez mais velha e ignorada?
O artigo é de Stefano Fenaroli, teólogo leigo italiano e redator na Editora Queriniana, publicado por Vino Nuovo, 21-10-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Um interessante debate está ocorrendo há algumas semanas em Settimana News acerca do papel da teologia ou, melhor dizendo, dos teólogos e das teólogas na sociedade de hoje. Convidando os interessados a recuperar as diversas intervenções, tentamos aqui fazer uma síntese delas e relançar algumas perspectivas.
A pedra que agita as águas teológicas foi lançada por Severino Dianich, que denuncia uma “traição dos teólogos”. Em poucas palavras, como é que aquelas pessoas que fazem teologia podem se calar diante das injustiças e dos dramas que ocorrem no mundo de hoje, muitas vezes fomentados justamente por argumentos teológicos?
“Nunca antes as grandes tensões mundiais [...] trouxeram à mesa questões que afetam profundamente a humanidade e, por isso, não podem deixar de envolver os pensadores empenhados na reflexão na experiência de fé no Deus que se fez homem.”
Essa é a tese de fundo de Dianich, que registra consternado um “silêncio ensurdecedor”, um radical mutismo por parte de quem, mesmo assim, deveria ter algo a dizer.
Essa primeira intervenção foi seguida por diversas respostas, que aqui retomamos apenas brevemente. Primeiro, Marcello Neri assinala uma esquizofrenia de fundo da teologia como tal em relação ao chamado “mundo externo”. Não se pode, portanto, reduzir o problema à disponibilidade ou responsabilidade de cada teólogo, mas se deve interrogar sobre a complexa dinâmica que ao longo dos séculos configurou a relação entre teologia, magistério e cultura(s). Uma dinâmica que por si só acabou “criando” aquela distância do mundo que se torna, portanto, um problema interno à própria teologia e que exige repensar o modo de entender a relação entre Evangelho e cultura(s).
Uma segunda resposta veio do implacável teólogo social Andrea Grillo, que, na realidade, se limita (entre aspas) a coordenar as duas primeiras intervenções, destacando como, no fim, elas podem ser as faces de uma mesma moeda. A questão, no mínimo, é entender o “tipo” de traição que podemos viver na Igreja, especialmente aquela traição que muitas vezes se disfarça de tradição, tornando difícil a distinção entre as duas. Precisamente por isso é necessário manter ambos os focos da questão: a atenção às “questões vitais da existência comum” juntamente com as “linguagens com as quais fazemos experiência hoje dessa comunhão com Deus”.
Seguem-se, então, três intervenções que poderíamos definir como mais teológicas. Giuseppe Guglielmi recorda claramente a “historicidade” da teologia e, consequentemente, a necessidade também por parte do magistério de se repensar em chave histórica: “Reconhecer o próprio historicismo seria um ato de honestidade: significaria evitar a tentação do poder, para acolher o convite de viver o Evangelho em companhia das mulheres e dos homens de hoje.”
Giuseppe Villa, por sua vez, explora o tema do silêncio em chave bíblica, para chamar a teologia ao tema da ironia, elemento essencial muitas vezes para sair do próprio isolamento e abrir-se ao diálogo com o outro.
A tríade termina com uma longa intervenção de Piero Coda [em italiano aqui], que, de certa forma, já tentando curar a silenciosa traição, traça algumas coordenadas fundamentais sobre a contribuição que a teologia cristã pode e deve dar a esse “pensamento que se tornou cego”. O problema levantado por Dianich, de fato, é um “sonoro e salutar toque de trombeta”, mas para o pensamento tout court. A teologia, segundo Coda, deve “fazer com que o pensamento seja radicalmente interrogado pela cruz de Cristo […]. Só assim a realidade é vista da forma certa e pode ser assumida e transformada”. O coração cristológico da fé cristã é o ponto decisivo para realizar aquela conversão, aquela mudança de paradigma na compreensão do mundo que se articula em três dinâmicas: reciprocidade do amor, a partir dos últimos, em uma renovada gestão dos conflitos.
A contribuição de Francesco Cosentino tenta, em parte, afastar os teólogos da crítica de Dianich, sublinhando que deve ser posta no centro a consideração que a comunidade social hoje, mas sobretudo a comunidade cristã, tem pela teologia. Trata-se de um “contexto no mínimo desfavorável” de ambos os lados, marcados respectivamente pela indiferença (sociedade pós-moderna) e pela desvalorização (comunidade cristã), que levou a teologia a uma progressiva autorreferencialidade. É necessário, portanto, recomeçar justamente “a montante”, a partir de uma purificação do contexto eclesial de partida.
Quem fecha, por enquanto, esse longo debate é uma nova retomada de Andrea Grillo, que, em seu blog, escreve uma carta [em italiano aqui] ao primeiro Dianich e ao último Cosentino, reencontrando uma compreensão epocal diferente da teologia, pré e pós-conciliar, que interpreta diferentemente o “mutismo” da teologia diante do magistério. Em suma, existe o direito de réplica ou, melhor, um respeitoso silêncio?
São diversas as ideias e as sugestões que surgem desse debate, assim como as perguntas que permanecem em aberto. No fim das contas, surge daí um quadro cinza, mas totalmente compartilhável e talvez até estimulante. Nesse sentido, gostaria de acrescentar duas ênfases que eu considero fundamentais e que talvez já possam ser vislumbradas nas diversas contribuições.
Eu começaria pelo objeto da teologia. Como escreve Marcello Neri, pede-se à teologia um pensamento que “tenha realmente a ver com a fé que vive no tempo e na história”. O mesmo é afirmado em outros termos por Cosentino, para o qual a teologia “não é um comentário erudito da doutrina ou um simples aprofundamento intelectual da fé, mas o exercício de contínua mediação do evento cristão na cultura e na história”. Há, portanto, uma certa convergência sobre “o que” é a teologia e qual é sua finalidade, e um quadro bastante articulado que também é oferecido pela intervenção de Piero Coda.
Eu acrescento, porém, que a teologia, especialmente se quiser se apresentar na cena pública, deve ir além das questões particulares e das discussões acadêmicas, e voltar a falar ao coração, mas sobretudo a partir do seu coração, encontrando uma forma para dizer novamente hoje, para todos, o sentido da teologia, das interrogações sobre Deus.
Se, em diversos âmbitos, fica claro que a sociedade digital, tecnocrática, econômico-capitalista está nos fazendo perder a consciência do valor daquilo que “não produz” (arte, música, teatro, literatura...) a teologia não é uma exceção, aliás, tem menos possibilidade do que outros de fazer ouvir a própria voz. Pois bem, este é o seu primeiro passo: voltar ao público, às praças, não só para tomar posição sobre isto ou aquilo, mas para se legitimar, para dizer seu próprio sentido, algo que não pode ser encontrado em outros lugares.
Um segundo ponto decisivo, por fim, diz respeito ao sujeito. Quem faz teologia? E como pode fazê-la? Eu responderia com uma palavra: liberdade. A intervenção de Dianich começa pondo em paralelo, talvez com demasiada ingenuidade, os professores universitários e os teólogos, todos agrupados sob a figura única “daqueles pagos para pensar” (daí a traição no momento em que se calam). Mas temos realmente certeza de que as duas figuras são equivalentes? Que os teólogos, assim como outros pensadores, também estão investidos de uma “responsabilidade em relação à conversação pública”? A teologia, para simplificar as coisas, em nível público, é percebida como uma “coisa de Igreja”, aliás, uma “coisa de padre”, e de certa forma não se pode dizer que essa seja uma percepção completamente equivocada. De fato, a teologia (na Itália) continua sobrevivendo (muitas vezes com dificuldade) sob a capa, sob a égide de uma estrutura clerical-episcopal que, em última análise, priva-a de credibilidade e, o que é pior, de uma efetiva liberdade de pensamento.
Uma questão central que emerge do debate certamente é a relação entre teologia e magistério. Pois bem, esse é certamente um lugar onde a liberdade não habita. Pensemos, recentemente, no esforço do Prof. Martin Lintner em estimular a reflexão sobre a moral sexual; ou ainda no esforço do Prof. Andrea Grillo (e outros) pela ministerialidade das mulheres; ou ainda – mudando de setor, mas não muito – na jaula na qual o ensino da religião católica vive em cativeiro há anos, forçado pelos constrangimentos impostos pela Conferência Episcopal Italiana, que o priva da própria possibilidade de um verdadeiro diálogo com “o exterior”.
A esse respeito, é verdade (como escreve Neri) que existe um “exterior” que é apenas aparente, construído, mas isso não me parece ser gerado (pelo menos hoje) por uma má teologia, mas, sim, mais uma vez, pela própria instituição, por quem quer manter o pensamento fechado à sombra dos campanários. Por que a teologia não pode ser pública, entrar nas universidades estatais e debater em pé de igualdade com todas as outras disciplinas? Por que deve haver uma marca, um nada obsta, uma imposição de um poder de cima (“independentemente das competências teológicas de quem o exerce”, escreve ainda Neri), livre para constranger a força e a dinâmica do fazer teologia? Se existe, de fato, uma indiferença por parte da comunidade cristã em relação à teologia, não se deveria relacioná-la mais uma vez à má gestão clerical e episcopal da “matéria”, que sequestrou todo o conhecimento teológico para conformá-lo a si mesma e à própria visão do mundo – um mundo, entre outras coisas, hoje irremediavelmente destinado a desaparecer?
Concluindo, compartilho a preocupação original do Prof. Dianich, mas me pergunto: quem estará disposto a ouvir em público uma teologia que, de fora, aparece apenas como uma marionete, mais ou menos “renovada”, movida pela mesma mão de sempre, por uma instituição sempre igual, sempre velha, sempre mais ignorada?
É necessária uma teologia pública, uma teologia empenhada em dizer a si mesmo e em responder às perguntas da época em que vive, mas só pode fazer isso se for livre, autônoma, enraizada na credibilidade do próprio coração e naquilo que ela ainda tem a dizer para o humano que é comum a todos.