16 Outubro 2024
Eterno tema de debate, o celibato dos padres cristaliza os mal-entendidos. Para a teóloga Marie-Jo Thiel, que dedica um livro à questão, esta disciplina não deveria mais ser obrigatória, mas apenas opcional. Mesmo correndo o risco de perder o que é uma especificidade da Igreja Latina?
A entrevista é de Sixtine Chartier, publicada por La Vie, 09-10-2024. A tradução é do Cepat.
Num mundo secularizado, o celibato dos padres está na origem de muitas incompreensões e mal-entendidos. Ainda mais desde que os casos de violência sexual na Igreja passaram a dominar as manchetes. O mais recente, o caso Abade Pierre, trouxe-o de volta ao primeiro plano com a sua cota de atalhos. Dentro da Igreja Católica Romana, a questão também é regularmente colocada em cima da mesa, especialmente por leigos, mesmo que o Papa Francisco a tenha excluído das discussões sinodais.
Médica de formação e teóloga, Marie-Jo Thiel toma posição em um livro, La Grâce et la Pesanteur [A graça e a gravidade] (Desclée de Brouwer), no qual ela examina os fundamentos e as justificativas desta disciplina sexual aplicada pelo clero desde a Idade Média. Numa linguagem erudita mas acessível, ela defende uma evolução, que vai na contramão da tradição da Igreja.
O público em geral imagina que existe uma ligação direta entre o celibato dos padres e as violências sexuais cometidas por alguns membros do clero, como recentemente no caso do Abade Pierre. Não há um mal-entendido?
Sim, claramente. A Ciase explicou claramente que o celibato não era a causa direta dos abusos, mas que fazia parte de uma certa visão do padre que poderia favorecer um terreno fértil para os abusos. Ser casado nunca impediu que as pessoas cometessem violência. Apesar disso, o mal-entendido persiste. Mas penso que a própria Igreja contribui para essa manutenção, quando confunde celibato, continência e castidade.
Na realidade, a castidade diz respeito a todos os fiéis, qualquer que seja o seu estado de vida. O teólogo Xavier Thévenot disse isso de forma notável: castus é o contrário de incastus (incesto). O incesto é a fusão ali onde deveria haver separação. A continência é abster-se de relações sexuais. O celibato é não ser casado. Podemos, portanto, ser celibatários sem sermos castos e continentes.
Você acredita em seu livro que a Igreja deve retomar o tema da obrigação do celibato para os padres. Qual é a sua trajetória pessoal sobre o assunto?
Eu fui educada num ambiente católico com a ideia de que toda vida consagrada era uma graça extraordinária, a ponto de, por vezes, esquecer que o casamento também era uma graça. Depois descobri o escândalo de pessoas consagradas ou de padres que cometeram abusos. Isso me levou a me perguntar: o celibato tem alguma coisa a ver com isso? Aos poucos, percebi que muitos fatores contribuíram para a perpetração desses abusos, mas também para o fato de ocultá-los. Devemos ser muito claros: o celibato não está diretamente em questão nos abusos. Mas é um dos elementos que podem funcionar em sinergia com outros para contribuir para a violência contra menores ou pessoas vulneráveis.
Como o celibato se insere neste mecanismo prejudicial?
A cultura clerical que coloca o padre acima dos leigos com uma dissimetria pode ser uma ladeira escorregadia no risco de violências sexuais. Esta cultura é favorecida pela obrigação do celibato, esforço que, no entanto, os coloca num pedestal em relação aos leigos, favorece a vivência em círculos sociais restritos e, por vezes, um sentimento de superioridade que leva a uma infantilização dos fiéis. Somam-se a isso os excessos de poder, o enfraquecimento frequente, inclusive uma discriminação das mulheres, e depois a dificuldade em assumir a própria vulnerabilidade... todos esses fatores agem juntos em sinergia e contribuem para esta dimensão “sistêmica” detalhada pela Ciase.
No entanto, o celibato pode ser bem vivido por um certo número de padres.
Esta é uma graça dada por Deus! O título da obra inverte assim o título do livro de Simone Weil: a graça, no sentido de dom de Deus, precede a gravidade da carne e do mundo, Deus chama a tempo e contratempo. Mas a graça pressupõe a natureza, como diria Santo Tomás de Aquino. Isto significa que deve se tornar carne, se encarnar, para dar fruto. Ela é, portanto, inseparável da gravidade que a neutraliza, mas também a estimula. A gravidade pode ser erguida pelo dinamismo da graça. Se alguém for chamado por Deus ao celibato, agradeçamos! Mas isso depende da pessoa. O dom de Deus germina sempre de forma única em cada ser humano.
Além da questão dos abusos, você analisa os fundamentos do celibato sacerdotal. Acredita que eles não são mais inteiramente válidos hoje. Por quê?
O meu livro não trata do celibato dos padres, mas da obrigação do celibato. Esta questão não é da ordem do dogma, mas da disciplina. A exigência do celibato não é, portanto, imutável. E é legítimo examinar se ainda se justifica ou não. Contudo, examinando-o detalhadamente, cheguei à conclusão de que o celibato é uma opção possível para alguns, após discernimento, mas que não deveria ser obrigatório para ser sacerdote.
Como você relê a tradição da Igreja desde as primeiras comunidades cristãs?
Na minha opinião, nem as Escrituras nem a tradição da Igreja podem ser invocadas para obrigar os padres ao celibato. Inicialmente, Jesus se comportou de maneira extremamente aberta com os homens e as mulheres de seu tempo. Relativizou fortemente tudo o que diz respeito à sacralização religiosa: para ele o ser humano está em primeiro lugar e não o sábado. Paulo de Tarso foi um dos primeiros destinatários disso. Organizou a primeira comunidade cristã cerca de vinte anos após a morte de Jesus, baseada na igualdade do batismo.
Após a morte de Paulo, as mulheres foram novamente reduzidas à menoridade, cada vez mais excluídas, longe do altar, fontes de impureza... Por volta do ano 200, a virgindade se impôs sobre o casamento, que foi desqualificado. A florescente cultura monástica serviu de modelo para a preferência pelo celibato para os clérigos. E em meados do século III, aqueles que conseguiam manter a continência, a castidade e o celibato eram considerados superiores aos leigos. O seu domínio da sexualidade é um sinal do domínio necessário ao governo da Igreja.
Você acredita que deveríamos retornar ao modelo inicial de Paulo, para dissociar o celibato do poder eclesiástico?
Ao manter o celibato obrigatório para os padres, mantemos o bloqueio poder-sexualidade-gênero, que é a fonte do poder clerical na Igreja. Ora, Paulo construiu a sua primeira comunidade, por um lado, sobre a igualdade do batismo. E por outro, na multiplicidade de carismas. Isto reduz as relações assimétricas entre o clero e os leigos e abre à colaboração. O Concílio Vaticano II tentou formular isto na Lumen Gentium, mas não seguiu a sua intuição, porque era necessário encontrar compromissos entre progressistas e conservadores.
Este tema não está na agenda do Sínodo, cuja segunda sessão foi aberta em Roma no dia 1º de outubro, com a presença de bispos (e alguns leigos) de todo o mundo. Você deplora isso?
O estatuto dos ministérios e a questão dos carismas ainda estão no programa. Desta forma, a questão da ordenação de homens casados não está completamente excluída. Mas, na verdade, a Igreja só pode se reformar refletindo em base a uma nova leitura das Escrituras no que diz respeito aos ministérios e carismas. Deveríamos dissociar o carisma do celibato do carisma do sacerdócio.
O fato do celibato obrigatório já não ser compreendido pelos nossos contemporâneos é uma das suas portas de entrada para defender uma mudança de disciplina. Não existe nesta discrepância com o espírito do tempo uma profecia válida?
Não estou dizendo o contrário. O celibato é subversivo em relação ao consumismo em nosso mundo. É um sinal do chamado à radicalidade evangélica. Afirmo que a condição do celibato pode ser uma peça central desta perspectiva. Mas não devemos levar demasiado longe o ideal sacerdotal, exigindo-o daqueles que não estão preparados para isso.
A imagem do padre que dá toda a sua vida pelo Evangelho está intimamente ligada ao celibato. Não corremos o risco de mudá-la, dissociando o sacerdócio e o celibato?
Se você perguntar aos padres já casados na Igreja Católica Romana – porque há alguns (os orientais, os viúvos ou os ministros de outras Igrejas cristãs que se tornaram católicos)! –, percebemos que em última análise a vida familiar não é um problema. As pessoas comuns dirão que isso permite ao sacerdote compreendê-las melhor. E o sacerdócio pode coexistir com uma profissão, desde que não seja demasiado intrusivo. A vocação pode irrigar o ganha-pão.
O casamento imuniza contra a exaustão ou a solidão?
Não idealizemos mais o casamento! Como o celibato, não é um rio longo e tranquilo. Mas ambos são formas de seguir Cristo. E para um sacerdote, poder falar com o cônjuge à noite, partilhar as alegrias da família, pode ajudar a aliviar as tensões.
Você propõe como solução a ordenação de homens já casados (chamados de viri probati na Igreja), como já fazem as Igrejas Orientais. Contudo, nestas Igrejas, os padres não casados são superiores aos padres casados. O celibato é sempre um fator de hierarquia.
Ao modelo oriental prefiro o modelo dos carismas que nos permite regressar à igualdade do batismo. O celibato é uma das portas de entrada possíveis para a desclericalização da Igreja, mas não é a única. Não esqueçamos que estamos num sistema em que todos os elementos funcionam em interação. Quando você puxa um fio, toda a bola vem para trás: os ministérios, as mulheres, a pastoral e até a questão da leitura da Bíblia, que é sempre lida de acordo com a identidade do leitor.
Você é teóloga, mas também médica. O que essa competência lhe proporciona?
Minha formação médica me dá elementos de compreensão do funcionamento de um corpo e de uma psique. Ela sempre está subjacente ao meu modo de discernir, mesmo que não apareça em primeiro plano. Isto é essencial porque podemos raciocinar rapidamente de forma abstrata. Além da medicina, as ciências humanas contribuem para o funcionamento do corpo humano. Elas são essenciais para compreender a pessoa como um todo. Porque é a esta pessoa complexa que se dirigem as palavras de Cristo: “Segue-me!”