03 Mai 2024
- Já estou há alguns dias com a sensação de que, se fomos convocados aqueles que se supõe que estão com os pés na lama, não é apenas para perguntar sobre nossa opinião, mas principalmente para nos encorajar a sermos transmissores do processo sinodal.
- Somos conscientes, e em mais de uma ocasião isso tem sido manifestado, de que nós os párocos podemos nos tornar um obstáculo contra qualquer tentativa de vislumbrar novos horizontes utópicos a partir da chave do Evangelho... Quantas pessoas estão adormecidas pelo torpor de nossas palavras obsoletas!
- Cientes do peso que podemos representar, já é um bom ponto de partida para começarmos a mudar isso... E aqui eu senti realmente essa vontade de uma jornada diferente.
- Hoje, pela segunda vez, me atrevi a falar na Assembleia para dizer que deveríamos pensar em grandes processos e não em grandes conquistas, o que me permitiu dar um pouco de voz aos nossos povos.
"Apesar de ter visto que a sinodalidade é assumida como conceito e não como paradigma, sim percebi corações abertos a se deixarem impregnar por este espírito e mãos dispostas a serem contagiosas para os outros, para cada uma de nossas dioceses... Tomara que o dia a dia e as barreiras diocesanas não apaguem esse desejo em nós!", escreve Teo Nieto, sacerdote espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 02-05-2024.
Eis o artigo.
Meu querido Lucas, começo a escrever estas palavras enquanto vislumbro o fim daquilo que, na realidade, deveria ser um começo... Já faz alguns dias que sinto que, se fomos convocados nós que se supõe estarmos com os pés na lama (embora estar em contato com a realidade não signifique sermos absorvidos por ela), não é apenas para perguntar sobre nossa opinião, mas principalmente para nos incentivar a sermos veículos de transmissão do processo sinodal. É apenas uma intuição de um simples padre de uma cidade pequena...
Acredito que, no fundo, os presentes aqui (e aqueles que nos têm orientado) estão conscientes, e em mais de uma ocasião isso foi manifestado, de que nós, párocos, podemos nos tornar um obstáculo contra qualquer tentativa de vislumbrar novos horizontes utópicos a partir da chave do Evangelho. É uma pena, mas... quantas pessoas estão adormecidas pelo torpor de nossas palavras obsoletas! Por isso nos foi dito que a tarefa da reforma do Concílio Vaticano II no tema dos sacerdotes não está completa...
"Alguns párocos se consideram o papa de sua paróquia". É uma expressão irônica, mas tão real... No entanto, ser consciente disso, ser consciente do peso que podemos ser, já é um bom ponto de partida para começar a mudar isso... E aqui, sim, eu percebi esse desejo por uma caminhada diferente, uma caminhada na qual (como um irmão disse) os párocos sejam "facilitadores da graça" e não "facilitadores da norma" (como alguém, de seu púlpito, nos apontou). Ou, como quando alguém com certa autoridade nos lançou algumas provocações que apontavam para a ideia de mudar o papel ministerial das mulheres e a delicada questão do celibato, e encontrou uma resposta positiva na assembleia (com alguma resistência, que certamente era sinal de muitas mais resistências), mas foi bonito ouvir aquilo, foi maravilhoso poder falar com liberdade...
Acredito que essa liberdade, esse resgate do espírito de liberdade das assembleias de Antioquia e de Jerusalém que tu, amigo Lucas, nos mostraste com a tensão que se vivia e a liberdade com que se agia nos primeiros tempos (e que um dos especialistas nos convidou a recuperar), pode ser um bom ponto de partida para colocar sobre a mesa da reflexão e, sobretudo, do altar muitos outros temas que ainda são tabu em nossa Igreja (especialmente tudo que envolve o corpo humano e sua riqueza). Ser fronteira, oferecer respostas proféticas e criativas às necessidades de hoje, ser "hospital de campanha", tudo isso ressoou em nossa assembleia.
Ao fim e ao cabo, algo que temos claro é que a sinodalidade não é nada nova, embora seja (infelizmente) algo inovador... Já conheces o que dizia Gaudí: "a originalidade consiste em voltar à origem", e isso é algo que, na Igreja, sempre me chamou a atenção, pois cada vez que colocamos nosso coração na origem, fomos capazes de profundas reformas mantendo a essência, mas abandonando o peso do pó grudado em nossos pés no caminhar do poder e da glória. O problema é que não colocamos nosso coração na origem, mas sim nossos olhos no passado para recuperar formas e abandonar a essência...
Querido Lucas, hoje (além disso) estivemos compartilhando experiências reais de sinodalidade. Eu gostava do que ouvia, mas no meu coração sentia como um rumor que me incomodava, aquele desconforto que surge ao sentir que o que está sendo feito é mais resultado da necessidade do que da escolha. É verdade que há uma grande riqueza de experiências sinodais, mas não posso evitar a dúvida... Está se formando um espírito sinodal? Porque, como bem sabes, meu irmão, a pretensão deste sínodo é precisamente esta: gerar um estilo sinodal, um espírito, um novo paradigma eclesial que faça brotar práticas de caminhar juntos em liberdade, em contraste fraterno, em encontro.
Aqui devo confessar que vim com muito ceticismo... e vou embora com o mesmo ceticismo porque minhas dúvidas se confirmam (que contradição: dúvidas que se confirmam), no entanto, vou cheio de esperança porque, apesar de ter visto que a sinodalidade é assumida como conceito e não como paradigma, sim percebi corações abertos a se deixarem impregnar por este espírito e mãos dispostas a serem contagiosas para os outros, para cada uma de nossas dioceses... Tomara que o dia a dia e as barreiras diocesanas não apaguem esse desejo em nós!
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Facilitadores da “graça” e não facilitadores da “norma”. Artigo de Teo Nieto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU