05 Abril 2024
“Quando um governo segue políticas que a maioria do mundo considera moralmente ofensivas, o boicote é um instrumento de pressão política”.
A reportagem é de Serena Riformato, publicada por La Stampa, 04-04-2024. Tradução de Luisa Rabolini.
Carlo Rovelli, físico teórico, autor dos best-sellers de divulgação científica "Sete Breves Lições de Física" e "A Ordem do Tempo", não é do tipo que mede palavras. Nem mesmo quando as ideias correm o risco de serem impopulares. Quando jovem, participou de muitos protestos em 1977. Hoje leciona na França e no Canadá, e defende os estudantes que protestam contra a guerra na Palestina: “Brandir a arma da acusação de antissemitismo – diz ele – contra jovens generosos que estão indignados pelas 30 mil mortes e pela situação desesperadora de milhões de seres humanos não é combater o antissemitismo: é alimentá-lo”.
O que você acha dos protestos nas universidades contra o edital do ministério do exterior em colaboração com Israel?
“O instrumento do boicote deu bons frutos no passado. Pelo Apartheid na África do Sul funcionou, os estudantes de todo o mundo fizeram com que as universidades cortassem laços com o país.
As escolhas do governo de Netanyahu são condenadas quase por unanimidade, até mesmo pelos EUA, que repetidamente expressaram incômodo pelo massacre em curso de palestinos. A esperança é que a situação evolua para a razoabilidade e se retorne à plena colaboração científica”.
Então é certo interromper as relações com os institutos israelenses?
“Eu não colocaria isso em termos de ‘certo ou errado’, considero que seja oportuno. Uma ação de pressão sobre Israel poderia ser razoável”.
Não existe o risco de culpar um povo pelas escolhas do seu governo? Muitos professores israelenses podem discordar das políticas do primeiro-ministro.
“Espero realmente que discordem. Conheço vários que discordam e por isso são a favor do boicote. É um gesto simbólico, essa é a sua força. Em termos concretos, os seus efeitos são irrisórios”.
A Universidade Normale enfatiza o risco de que as pesquisas sejam de “duplo uso”, aplicáveis à área militar. Existe esse perigo?
“Sim, muita pesquisa científica tem aplicações militares. Digo isto, como cientista, com profundidade tristeza".
No entanto, não por isso deixa de fazer o seu trabalho.
“Faço de tudo para evitar que os meus estudos contribuam para as pesquisas militares. Eu não aceito financiamentos que possam ter qualquer consequência desse tipo".
Para a ministra Anna Maria Bernini, as universidades que optam por formas de boicote estão erradas porque “as universidades não entram na guerra”.
“Gostaria que fosse verdade. As universidades participam indiretamente da guerra, e bastante”.
Uma das linhas de pesquisa do edital contestado diz respeito à "óptica de precisão, eletrônica e tecnologias quânticas, para aplicações de fronteira, como os detectores de ondas gravitacionais de próxima geração". São instrumentos militares?
“Os detectores de ondas gravitacionais não têm nenhuma aplicação militar hoje concebível. Mas ‘eletrônica e tecnologias quânticas para aplicações de fronteira’ incluem uma grande parte da pesquisa militar. Hoje, a guerra é travada em grande parte graças a essas tecnologias”.
Nas últimas semanas, os manifestantes negaram a palavra ao diretor do La Repubblica Maurizio Molinari e ao jornalista David Parenzo. Contestações legítimas?
“Molinari e Parenzo são pessoas cujas vozes estão entre as mais ouvidas na Itália. Pedir para que não falem certamente não é tirar a palavra a alguém. Em vez disso, ignorar os estudantes não é escutar todas as opiniões”.
Você vê um risco de antissemitismo?
“Ler tudo, inclusive os protestos, em termos de raças ou religiões, isso é racismo, e isso alimenta o antissemitismo. O que é ruim, como massacrar seres humanos, é ruim independentemente da religião de quem toma essas decisões. Aqueles que protestam por Gaza não têm nada contra os judeus: muitos adoram Noam Chomsky e Bob Dylan”.
As universidades italianas têm relações com a China, a Rússia, o Irã. Por que a indignação em relação a essas parcerias não é igualmente forte?
“Talvez porque as opiniões sobre a política internacional daqueles que protestam nas universidades italianas sejam diferentes daquelas que você está dando aqui como certa. A condenação das recentes decisões do governo israelense é praticamente unânime, mesmo de parte dos seus aliados políticos mais próximos”.
Não é dado como certo que a China, a Rússia e o Irão não respeitam os direitos humanos?
“É, claro. Mas também os EUA e outros países como a Arábia Saudita nem sempre respeitam os direitos fundamentos. Quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra”.
Segundo os FdI, os protestos nas universidades italianas podem levar ao retorno do terrorismo vermelho. Seria possível?
“Mais ou menos tão possível como pensar que os Fratelli d’Italia no poder possa significar um retorno ao terrorismo negro e os massacres perpetrados pelos fascistas na década de 1970. Em outras palavras, é obviamente uma bobagem usar histórias triviais de outros tempos para acusar do pior qualquer um que pense diferente de nós”.
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“Estou do lado dos estudantes que protestam contra a guerra. O boicote contra Israel é razoável”. Entrevista com Carlo Rovelli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU