4ºdomingo da quaresma – Ano B – Subsídio exegético

08 Março 2024

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF: Dr. Bruno Glaab, Me. Carlos Rodrigo Dutra, Dr. Humberto Maiztegui, Me. Rita de Cácia Ló. Edição: Vanildo Luiz Zugno.

Leituras do dia

Primeira Leitura: 2Cr36,14-16.19-23
Salmo: 136,1-2.3.4-5.6
Segunda Leitura: Ef 2,4-10
Evangelho: Jo 3,14-21

Eis o texto

O Evangelho

O texto da liturgia de hoje faz parte do diálogo de Jesus com Nicodemos (Jo 3,1-21). No entanto, os versículos 11-21 já não parecem diálogo, mas apenas um monólogo do mestre, onde João apresenta uma cristologia pós-pascal sobre o papel de Jesus, aquele que desceu do céu (v.13), como o revelador máximo do amor de Deus. A perícope da presente liturgia se divide em duas partes:

a) Os vv.14-15 referem-se à crucificação (hypsóo – elevado/exaltado) de Jesus, tema já presente no diálogo com Nicodemos: nascer do alto (vv.3.5). Para tanto, o autor se vale do relato da serpente de bronze (Nm 21,4-9), talvez um antigo culto idolátrico que os rabinos reinterpretaram, dizendo que a cura não acontecia pela serpente, mas pelo fato de as pessoas se voltarem para Deus. Os mordidos eram salvos pelo Senhor e não pelo objeto contemplado (Sb 16,7). O texto de João, se vale desta memória como uma prefiguração da crucificação de Jesus. Trata-se de teologia pós-pascal, que não saiu assim da boca de Jesus. Como outrora as vítimas das cobras, agora, quem contemplar o exaltado e nele crê, tem a vida eterna.

Crer no elevado, porém, não é um ato mágico, mas antes, é assimilar a lógica da cruz (1Cor 1,17ss; 2,6-9). Crer é entrar no caminho escandaloso do que será elevado. A salvação não se dá de forma automática, embora oferecida de forma gratuita no Filho elevado. Olhar para o crucificado e crer nele é mais do que sentimento de piedade. É revestir-se da lógica da cruz de Cristo.

b) Os vv.16-21 tiram as consequências desta elevação. O que se vê no elevado (cruz) é o símbolo máximo do amor de Deus. Assim, Jesus, o que desceu do céu é a autoridade impar para demonstrar este amor do Pai e, quem nele crê, tem a vida. Crer nele, assimilar a sua lógica é entrar no projeto de Deus, que conduz à vida eterna. Não crer nele, é optar contra a vida. Logo, não é Jesus que condena, mas a opção de quem não crê e, portanto, não opta pela vida e assim, sela sua própria sorte.

O conceito de mundo em João tem mais de um sentido. Aqui, mundo é o lugar humano onde o amor de Deus chega com sua graça através do Filho. Deus busca as pessoas na situação em que elas se encontram, pois, sua graça é o antídoto para todo pecado, fato ilustrado por Paulo, quando queria se ver livre do espinho na carne e recebeu do Senhor a resposta: “basta-te a minha graça” (2Cor 12,9). Jesus é esta graça de Deus em meio ao mundo. Estes versículos mudam a compreensão que se tinha de Deus no Antigo Testamento e que ainda persiste nas mentes moralistas de todos os tempos. Deus não quer a condenação de ninguém, mas a pessoa tem de aceitar pela fé esta proposta que se manifesta naquele que desceu do céu.

Nos evangelhos sinóticos o julgamento se realiza no fim dos tempos (Mt 26,31-46). Em João isto já se realiza na história: aceitar pela fé, ou rejeitar é o julgamento (v.18).

Jesus se apresenta como luz do mundo (Jo 8,12). Assim, preferir as trevas (vv.19-20) é claramente optar contra o projeto de Deus revelado em Jesus. Não se trata, pois, de um pecado, ou ato isolado, fruto da fraqueza humana. Antes, trata-se de opção clara contra Jesus, o revelador do Pai. Isto é, opção contra Deus. O mesmo se dá com ‘praticar a verdade” (v.21). Esta verdade não é conceito cognitivo segundo a concepção grega, mas antes, aderir à luz, manifestada na exaltação de Jesus, que, em última análise, é o caminho de Deus para este mundo.

Relacionando com as outras leituras

2Cr 36,14-16.19-23: Uma ideia que perpassa as três leituras é: Deus não abandona seu povo. O Exílio foi fruto da infidelidade, isto é, do abandono do projeto de Deus e de não ouvir os profetas mensageiros (vv.14-15). O povo de Israel não foi fiel, mas Deus, apesar disto, não esqueceu sua aliança e em meio ao caos, suscita Ciro, rei da Pérsia, para dar esperança aos deportados, permitindo o retorno a Jerusalém e a reconstrução do templo. Virar as costas para Deus é cavar sua própria infelicidade. Porém, mesmo em meio à infidelidade, Deus sempre está próximo para refazer a aliança e dar a felicidade ao ser humano.

Ef 2,4-10: Tanto na primeira leitura, como em Efésios se mostra a situação de pecado do ser humano. Mas Deus, rico em misericórdia, não olhando os merecimentos do povo, em sua bondade envia a graça: a volta do exílio e a remissão quando estávamos em pecado. A iniciativa sempre é dele. Por isto, Ele enviou ao mundo o seu Filho Amado, não para condenar, mas para salvar.

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