“Nós esperávamos...”

(Foto: Pixabay)

21 Abril 2023

Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 3º Domingo da Páscoa (in albis), 23 de abril de 2023 (Lucas 24,13-35). A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O relato do encontro entre Jesus ressuscitado e os dois discípulos no caminho para Emaús foi sabiamente colocado por Lucas no último capítulo do seu Evangelho, o que quer significar uma conclusão e, ao mesmo tempo, uma abertura da narrativa que prosseguirá nos Atos dos Apóstolos.

Estamos diante de uma síntese de todo o Evangelho, porque esse texto resume não só toda a história de Jesus de Nazaré, mas também toda a história da salvação que Jesus mesmo traça ao “explicar todas as Escrituras” (cf. Lc 24,27). Justamente a segunda parte da obra lucana, os Atos, será uma interpretação, uma explicação de todas as Escrituras do Antigo Testamento que se completaram em Jesus e, ao mesmo tempo, a narrativa dos eventos ocorridos na recordação de suas palavras.

Com o reconhecimento de Jesus “verdadeiramente ressuscitado” por parte dos Onze, ou seja, daqueles que o tinham seguido – como diz Pedro – “durante todo o tempo em que o Senhor vivia no meio de nós, desde o batismo de João até o dia em que foi levado ao céu” (At 1,21-22), encerra-se a época do testemunho ocular: aqueles que foram “testemunhas oculares” (Lc 1,2) devem se tornar “servos da Palavra” (ibid.) e, portanto, “enviados”, “apóstolos” (cf. Lc 24,49) para “anunciar a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações” (cf. Lc 24,47).

Nesse último capítulo, Lucas, narrando eventos contidos em um único dia, o dia da ressurreição do Senhor, revela-nos que se trata de um dia sem fim, um dia único, o “dia um” (Gn 1,5) da nova criação, o “dia único que só o Senhor conhece” (Zc 14,7). Mas é também o dia “nosso”, o nosso tempo, o hoje no qual caminhamos pelas estradas do mundo, enquanto o Ressuscitado caminha conosco, até que o reconheceremos definitivamente à mesa do Reino eterno.

Quanto à estrutura desse capítulo, ele é, evidentemente, composto por três relatos:

1) as mulheres no sepulcro (vv. 1-12);

2) discípulos de Emaús (vv. 13-35);

3) os Onze em Jerusalém (vv. 36-53).

Acima de tudo, as mulheres que se dirigiram ao sepulcro no primeiro dia depois do sábado, no início da manhã, encontram a pedra rolada para fora da entrada do túmulo e, ao entrarem, não encontram o corpo morto de Jesus. Enquanto estão na aporia (cf. Lc 24,4), dois homens se apresentam a elas em vestes fulgurantes e dizem às mulheres assustadas e com o rosto inclinado ao chão: “Por que vocês estão procurando entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui! Ressuscitou! Lembrem-se de como ele falou, quando ainda estava na Galileia: ‘O Filho do Homem deve ser entregue nas mãos dos pecadores, ser crucificado, e ressuscitar no terceiro dia’” (Lc 24,5-7).

Eles pedem a recordação das palavras de Jesus, e as mulheres efetivamente se recordam e, portanto, creem. Logo depois, voltando do sepulcro, anunciam a boa notícia aos Onze e aos outros. Mas “aquelas palavras lhes pareceram como um devaneio”, uma alucinação, uma tolice, “e não acreditaram nelas. Pedro, porém, levantou-se e correu para o túmulo. Inclinou-se, e viu apenas os lençóis de linho. Então voltou para casa, admirado com o que havia acontecido” (Lc 24,11-12). No centro dessa primeira parte, está o anúncio da ressurreição, fundamentado nas palavras de Jesus: recordando as suas palavras, chega-se à fé pascal.

Segue o nosso relato, ao qual dedicaremos um espaço adequado. Limito-me, por enquanto, a evidenciar o traço fundamental, que o torna paralelo aos outros dois trechos, em uma sábia construção narrativa e teológica. Os dois discípulos a caminho não reconhecem Jesus ressuscitado, mas veem apenas um viandante que lhes diz que, segundo as palavras de Moisés e dos Profetas, o Cristo devia sofrer e morrer para entrar em sua glória: ele pede a fé nas palavras dos Profetas, nas escrituras (cf. Lc 24,25).

A última parte nos testemunha que Jesus em pessoa aparece no meio dos Onze reunidos na câmara alta, em Jerusalém (cf. Lc 22,12; At 1,13). O Ressuscitado está lá, no meio deles, cumprimenta-os, dando-lhes a paz, mas eles, “espantados e cheios de medo, pensavam estar vendo um espírito” (Lc 24,37). Jesus, então, faz-se reconhecer nos sinais da paixão impressos para sempre em sua carne, pede que os discípulos o olhem e o toquem, mas os Onze permanecem incrédulos, entre alegria e aturdimento.

Jesus, então, anuncia também a eles – como já fizera em seus dias terrenos – a necessidade do cumprimento em sua vida daquilo que estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. “Então Jesus abriu a mente deles para entenderem as Escrituras” (Lc 24,45), e, com essa operação terapêutica (cf. Lc 24,31-32), dá-lhes a inteligência das Escrituras, torna-os crentes, habilitando-os a serem “testemunhas” (mártyres: Lc 24,48).

Para que tudo isso se realize plenamente, Jesus declara que em breve lhes enviará “a promessa do Pai” (Lc 24,49), o Espírito Santo (cf. At 2,1-12), depois os conduz a Betânia e, abençoando-os, ascende ao céu. Agora, finalmente, os discípulos, tendo voltado para Jerusalém repletos de alegria, podem elevar a Deus um louvor sem fim.

Eis o resumo do último capítulo do Evangelho segundo Lucas, no qual é revelado a cada leitor, a cada um de nós, o caminho da fé do discípulo. É preciso escutar e compreender as Escrituras do Antigo Testamento, é preciso recordar as palavras de Jesus recolhidas no Novo Testamento, e então será possível crer em sua ressurreição.

Mas passemos para o trecho litúrgico, centro do nosso capítulo e síntese doxológica de todo o Evangelho. Quando Jesus foi capturado, os discípulos fugiram todos com medo, com desencorajamento, e alguns deles também foram tentados a abandonar a comunidade. Eis, de fato, que dois deles partem de Jerusalém, deixam os outros e vão rumo ao vilarejo de Emaús, onde quase certamente estava a casa deles.

Estão desiludidos, repletos de tristeza – sentimento que também transparece em seus rostos –, mas conversam, dialogam, trocam palavras, repassando os eventos de que foram testemunhas: captura, condenação e crucificação de Jesus. Tudo lhes parece um fracasso, e é grande a frustração de suas esperanças depositadas em Jesus: tinham-no seguido crendo nele, escutando-o, mas sua morte foi verdadeiramente o fim para ele, para sua comunidade, para a expectativa de cada discípulo. Ele era um profeta, tinha uma palavra performativa, fazia ações significativas, mas os chefes dos sacerdotes o entregaram aos romanos, e ele foi crucificado. Já se passaram três dias, e, portanto, Jesus está morto para sempre, e vida deles parece não ter mais sentido, direção, fundamento. É a condição em que muitas vezes nós também nos encontramos, e, por isso, o anonimato de um dos dois discípulos nos ajuda a nos colocarmos dentro do relato...

Mas, naquele caminho, eis que aparece outro viandante que se aproxima dos dois e lhes faz perguntas. Ele não se aproxima com uma mensagem a proclamar, mas com o desejo de escutar aquele diálogo, de compreender o que os dois têm no coração, de acompanhá-los. Acima de tudo, ele lhes pergunta: “O que são esses discursos que vocês fazem enquanto caminham, pensativos?”. Em resposta, Jesus – do qual, por enquanto, apenas o leitor conhece a identidade – escuta um relato repleto de afeto pelo seu rabi: escuta aquilo que aconteceu, escuta o que dizem sobre ele, escuta suas esperanças desiludidas, e somente no fim os interroga com muita delicadeza sobre sua fé, sobre sua confiança nas Escrituras. Por que não são capazes de crer nos profetas? Por que não são capazes de ler as Escrituras?

Então, Jesus, como tantas vezes tinha feito com seus discípulos, relê a Torá de Moisés e os profetas, e, por meio das Escrituras, faz com que os dois compreendam a necessitas de sua morte. Atenção, não é o destino, mas sim a necessitas que ilumina a morte de Jesus: em um mundo injusto, o justo é rejeitado, hostilizado e tirado do meio do caminho, porque “somente vê-lo já é insuportável” (Sb 2,14); e se o justo, o Servo do Senhor, permanece fiel a Deus e à sua vontade, rejeitando as tentações do poder, da riqueza e do sucesso, então é conduzido à morte, rejeitado por todos.

Esses eventos, que a uma leitura humana significam apenas fracasso e vazio, também podem ser compreendidos de forma diferente, se Deus o conceder, com seus dons. Mas, justamente porque esses discípulos não creem nas Escrituras, também não podem sequer reconhecer Jesus no viandante que caminha com eles.

Tendo chegada em casa, o misterioso viandante parece querer prosseguir sozinho, mas os dois, que, tendo ficado do lado de Jesus, aprenderam com ele ao menos a atenção aos outros, mostram-se hospitaleiros. Por isso, insistem: “Fica conosco, pois já é tarde, e a noite vem chegando”. E assim o viandante permanece com eles, entra na casa deles.

Quando estão à mesa, depois das palavras, ele faz gestos sobre o pão e especialmente o parte para lhes dar. Diante desse gesto, o mais eloquente realizado por Jesus na última ceia (cf. Lc 22,19), sinal de uma vida inteira oferecida e dada por amor, “os olhos dos discípulos se abriram, e eles reconheceram Jesus”: mas logo o viandante, o forasteiro, o peregrino desaparece da vista deles. Presença elusiva, mas suficiente para os dois discípulos, que reconhecem que, diante da sua palavra, o coração ardia no peito deles e que, com sua vida eterna, podia se fazer presente e partir o pão.

Nesse admirável relato, fala-se de caminhar juntos, de recordar e pensar, de responder a quem pede a conta e, portanto, de celebrar a presença viva de Jesus, o Ressuscitado para sempre. Mas isso só pode ocorrer na plenitude da comunidade cristã, na Igreja: por isso, os dois “voltaram para Jerusalém onde encontraram os Onze reunidos com os outros”, que os precedem e lhes anunciam a ressurreição.

É isso que também ocorre conosco em cada domingo, dia pascal; é o que também ocorre hoje, na comunidade reunida pelo Senhor: a Palavra contida nas Escrituras, a Eucaristia e a comunidade são os sinais privilegiados da presença do Ressuscitado, que não se cansa de se dar a nós, “tolos e lentos de coração”, mas por ele amados, perdoados, reunidos em sua comunhão.

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