Há mais de 10 anos, o Papa Francisco abriu a porta da reforma da Igreja. É hora de passar. Editorial do National Catholic Reporter

O Papa Francisco abre a Porta Santa da Basílica de São Pedro para inaugurar o Ano Jubilar da Misericórdia no Vaticano nesta foto de arquivo de 8 de dezembro de 2015 | Foto: Vatican Media

13 Março 2023

"Uma batida na porta. Girando a maçaneta. Passando por si mesmo, ou deixando alguém passar. A imagem é sugestiva. Mas o que fazer agora com um papado entrando em seu 11º ano? A porta está escancarada? Quem está de passagem?", questiona o editorial da publicação National Catholic Reporter, 13-03-2023.

Segundo o editorial, "Jesus bateu. Francisco abriu a porta. É hora de passar".

Eis o editorial.

Antes de os cardeais do mundo entrarem em conclave em março de 2013 para eleger um sucessor do Papa Bento XVI, eles tiveram uma série de reuniões no Vaticano para discutir o que a Igreja Católica de 1,3 bilhão de membros pode mais precisar de seu próximo líder.

O falecido cardeal de Havana, Jaime Ortega Alamino, diria mais tarde que o momento mais impactante da reunião ocorreu quando um certo cardeal Jorge Bergoglio disse algumas breves palavras, pedindo uma igreja "que evangelize e saia de si mesma".

Bergoglio, então com 76 anos e se preparando para se aposentar como arcebispo de Buenos Aires, usou uma imagem particularmente sugestiva.

Ortega relembrou a frase completa como: "No Apocalipse, Jesus diz que está à porta e bate. Obviamente, o texto se refere a ele batendo de fora para entrar, mas penso nas vezes em que Jesus bate de dentro para que o deixemos sair".

De várias maneiras, tudo o que se seguiria nos próximos 10 anos pode ser atribuído a essa imagem. Jesus, trancado lá dentro, querendo sair. E agora um novo papa, tentando abrir a porta.

Olhando para trás a partir de 2023, é difícil até imaginar a forma da Igreja na véspera daquele conclave em 2013.

Era uma igreja de investigações secretas de teólogos. Da repressão injustificada ao trabalho das religiosas norte-americanas. Da atrofia da visão do Concílio Vaticano II e do retorno da missa latina pré-conciliar. De bispo após bispo sendo descoberto que encobriu abuso sexual ou má conduta e sendo autorizado a permanecer no cargo.

Era uma igreja antes do chamado para criar uma "cultura do encontro". Diante da visão de uma comunidade que está “machucada, ferida e suja porque saiu às ruas”. Antes da declaração de "nenhuma concessão" àqueles que recuassem, as reformas do Vaticano II. Antes de priorizar os “compromissos ecológicos que nascem de nossas convicções”. Antes da notificação obrigatória de suspeita de abuso ou encobrimento, em todo o mundo.

Mesmo nesse breve resumo, o arco das realizações do Papa Francisco nos últimos 10 anos fica claro. Bergoglio mudou a Igreja de maneira substancial. Seu papado, como disse certa vez o ex-presidente Barack Obama, foi transformador.

Em nossa série que marca os "10 anos com o Papa Francisco", tivemos várias figuras proeminentes traçando alguns dos aspectos mais importantes deste papado.

Particularmente comovente é o relato de Juan Carlos Cruz Chellew, um sobrevivente de abuso chileno cujo encontro com Francisco em 2018 provavelmente mudou a direção dos esforços do papa em relação ao abuso sexual do clero.

Também instrutiva é a ampla visão geral do teólogo Richard Gaillardetz sobre os esforços deste papa para reformar a igreja. Como Bergoglio antes do conclave, ele também usa a metáfora de uma porta para enquadrar as conquistas de Francisco. Francisco, diz Gaillardetz, "semeou nossa imaginação eclesial" com "comovente retórica teológica", mas relutou em entrar pela porta de uma reforma mais ampla da Igreja.

Uma batida na porta. Girando a maçaneta. Passando por si mesmo, ou deixando alguém passar. A imagem é sugestiva. Mas o que fazer agora com um papado entrando em seu 11º ano? A porta está escancarada? Quem está de passagem?

O Papa Francisco abre a porta Santa da Basílica de São Pedro para inaugurar o Ano Jubilar da Misericórdia em 08-12-2015, no Vaticano. (Foto: Vatican Media)

Olhando para o futuro, fica claro que muito do tempo que resta deste papado agora está encerrado no processo em andamento para o Sínodo dos Bispos. Francisco está claramente focado na importância do próprio processo – o esforço de três anos para consultar os católicos em todos os níveis sobre o que a Igreja mais precisa agora e abrir o diálogo global. Como ele disse no sínodo de 2014 sobre a vida em família: “Que ninguém diga: 'Isso você não pode dizer.' Esse sentimento por si só é um desenvolvimento incrível da Igreja de 2013.

Mas aqui é onde chegamos ao "porém". Se depois de três anos de preparação e dois sínodos consecutivos dos bispos em Roma em 2023 e 2024, há pouco movimento em mudanças mais substanciais, não é preciso ter imaginação para pensar na decepção dos católicos americanos e de outros com uma mentalidade reformista.

Está além do tempo, em particular, para que as mulheres sejam mais concretamente incluídas na governança da Igreja. (A reforma de Francisco em 2022 da burocracia do Vaticano torna isso uma possibilidade clara, mas o papa ainda não a colocou em prática.) Também está além do tempo para concretizar estruturas para uma melhor inclusão e liderança dos católicos leigos em quase todos os níveis da vida da Igreja. Apesar das boas palavras de Francisco, a cultura do clericalismo permanece desenfreada em toda a instituição.

Jesus bateu. Francisco abriu a porta. É hora de passar.

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