4º Domingo Tempo Comum – Ano A – Quem se importa com os mais pobres?

26 Janeiro 2023

 "O Evangelho de São Mateus (Mt 5,1-12a) explicita a nova lógica para a vida dos cristãos - o Sermão da Montanha. Jesus apresenta um programa ético para os seus seguidores e seguidoras que não anuncia proibições, não exprime preceitos ou leis fundamentais. Quando Jesus anuncia “bem-aventurados”, “ditosos”, “felizes” (conforme as traduções), ele está propondo uma nova lógica para a ética cristã: a passagem de uma ética das obrigações e deveres para uma ética da felicidade e ventura. "

 

A reflexão é de Mônica Baptista Campos. Ela é professora do departamento de Teologia da PUC-Rio, setor de Cultura Religiosa, e doutoranda em Teologia Sistemático-Pastoral pela PUC-Rio.

 

 

Leituras do dia

1ª leitura: Sf 2,3;3,12-13
Salmo: Sl 145(146),7.8-9a.9bc-10 (R. Mt 5,3)
2ª leitura: 1Cor 1,26-31
Evangelho: Mt 5,1-12a

 

Eis a reflexão

 

As leituras deste datentam para o carinho e o cuidado que Deus tem para com os mais pobres e humildes e o compromisso que o povo de Deus deve ter para com estes, que são os mais fragilizados socialmente.

A primeira leitura (Sf 2,3;3,12-13), que atuou na época do rei Josias, entre os anos de 639 e 609 a.C. em Judá. Época difícil, em que o Reino de Judá estava submetido ao poder da Assíria. A sociedade estava completamente corrompida: os juízes eram corruptos, os comerciantes tiravam vantagem dos mais humildes e daqueles que viviam em situações precárias, a elite cometia inúmeras arbitrariedades, entre outras situações opressoras aos mais pobres. Sofonias pede conversão ao povo para que haja justiça nas relações sociais e políticas.

Também o salmo deste domingo (145/146) atenta para este fato: o Senhor faz justiça aos oprimidos, dá pão aos famintos, protege o estrangeiro, sustenta o órfão e a viúva. Ou seja, tudo o que o povo de Judá não estava fazendo na época de Sofonias.

Neste sentido, Sofonias pede a conversão de uma mentalidade que despreza os mais desfavorecidos economicamente gerando indiferença e desprezo aos pobres - hoje nós denominamos esta atitude/mentalidade de aporofobia (aporos (do grego, pobre) -aversão/repulsa ao pobre). Para a literatura profética, a pobreza é fruto da opressão e da injustiça, não do acaso, da sorte ou da vontade divina.

O texto da segunda leitura (1Cor 1,26-31) prepara a reflexão que o Evangelho de São Mateus traz. São Paulo nos apresenta uma outra lógica, a1Cor 1,26-31, que 1Cor 1,26-31 da forma mais inesperada às pessoas mais improváveis - pessoas insignificantes, desprezadas e classificadas como “nada” perante o mundo. São Paulo nos diz que não há um sistema filosófico, nem um código de leis que comunique a salvação; a sabedoria do Evangelho é loucura para os sábios, filósofos e escribas. Deus se revela aos pequeninos, àqueles que o mundo vê com desdém e menosprezo, não aos prestigiosos, eruditos, ricos ou poderosos. Mais uma vez, as leituras deste domingo atentam para o zelo de Deus aos mais pobres e necessitados.

O Evangelho de São Mateus (Mt 5,1-12a) explicita a nova lógica para a vida dos cristãos - o Sermão da Montanha. Jesus apresenta um programa ético para os seus seguidores e seguidoras que não anuncia proibições, não exprime preceitos ou leis fundamentais. Quando Jesus anuncia “bem-aventurados”, “ditosos”, “felizes” (conforme as traduções), ele está propondo uma nova lógica para a ética cristã: a passagem de uma ética das obrigações e deveres para uma ética da felicidade e ventura. O Reinado de Deus, preconizado por Jesus com sua ética referente ao Sermão da Montanha, tem como foco e centro a felicidade do ser humano e não o cumprimento de obrigações e leis.

Jesus inicia o sermão dizendo “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”. A expressão “pobres de espírito” – diferente do texto de São Lucas, que se refere somente ao termo “pobres” - elimina a possibilidade de uma interpretação errônea segundo a qual a carência de bens materiais, por si só, possa proporcionar a felicidade ou ser um valor perante Deus. A tradição considera “os pobres de espírito” como aqueles que, despojados do orgulho, da prepotência, da autossuficiência sustentam a sua vida na graça e na misericórdia de Deus. Humildade é a característica daqueles que reconhecem a sua miséria espiritual e sabem que são dependentes do amor, da misericórdia e da compaixão divina.

Também podemos pensar em “pobres de espírito” como pessoas que estão em situações de carência/pobreza existencial - fracasso, frustração, sensação de exclusão ou de indiferença que podem ser tão dolorosas quanto a pobreza material. O Papa Francisco faz referências às “periferias existenciais”, onde pessoas experienciam profundas feridas internas, suportando a solidão, a depressão e a tristeza.
São 8 bem-aventuranças e nelas, Jesus tira o véu dos fatos e aponta como o começo do Reino já está acontecendo na prática dos pobres como dom e graça de Deus. Não há bem-aventurança para os fariseus, nem para os escribas, nem para os ricos e poderosos. A prática dessas pessoas não revela o Reinado de Deus.

Além dos pobres no espírito, Jesus apontou mais 7 categorias de pessoas:

Os mansos (1) e aflitos (2): dizem respeito ao relacionamento com os bens materiais, terra e consolo.

Fome e sede de justiça (3) e misericordiosos (4): dizem respeito ao relacionamento com as pessoas na comunidade: justiça e solidariedade.

Coração limpo/puro (5) e promotores da paz (6): dizem respeito ao relacionamento com Deus: ver a Deus e ser chamado filho de Deus.

Os perseguidos por causa da justiça e do evangelho (7): é quase uma consequência das bem-aventuranças anteriores. Já que a lógica do mundo é indubitavelmente diferente da lógica divina, é possível e até provável que haja conflitos quando o cristão se posiciona política e publicamente. Mas, mesmo sendo perseguido, sua vida tem sentido: será sal da terra (5,13) e luz do mundo (5,14- 16).

O projeto do Reinado de Deus contido nas bem-aventuranças visa reconstruir a vida humana na totalidade das suas relações, seja com os bens materiais, seja com as pessoas e a comunidade, seja na relação com Deus. É um projeto para a comunidade, por isso as bem-aventuranças estão no plural, porque ninguém pode ser feliz sozinho. A felicidade é relativa à comunidade, ao grupo, à sociedade; não é algo privado, não é uma questão meramente individual, mas é essencialmente social e comunitária. Jesus indica que a felicidade de cada um está condicionada à felicidade dos outros com quem cada um convive. Ele não fala a indivíduos solitários, mas para pessoas com vínculos sociais, em um sistema de convivência que, para o bem ou para o mal, condiciona a todos.

O programa ético das bem-aventuranças busca refazer as relações familiares, as relações de trabalho, as relações entre o governo e o povo, de modo que possa haver justiça para os pobres, os mais frágeis socialmente, que foram e ainda são alvos da mensagem do Sermão da Montanha.

 

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