Livro de Josué: “nós serviremos ao Senhor”

Capa do Livro de Josué: “nós serviremos ao Senhor” (Foto: Divulgação)

02 Setembro 2022

 

"Nesta obra encontra-se uma quantidade considerável de informações valiosas para a leitura do livro de Josué. O estudo deste livro no todo ou nas partes/capítulos – como observam seus organizadores proporcionará aos interessados um mergulho no mundo do texto bíblico, com diferentes ferramentas", escreve Eliseu Wisniewski presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), ao comentar o livro organizado por Jaldemir Vitório, Jean Richard Lopes e Zuleica Aparecida SilvanoLivro de Josué: “nós serviremos ao Senhor” (Paulinas, 2022, 304 p.).

 

Eis o artigo. 

 

O Mês da Bíblia é uma atividade da Igreja do Brasil, iniciada em 1971, e pretende ser um tempo privilegiado para aprofundar o estudo de um livro ou de uma temática bíblica. O Mês da Bíblia já lançou raízes profundas na história recente da nossa Igreja no Brasil. Assim sendo, no contexto da comemoração dos 200 anos da “Independência do Brasil” – escolheu-se como tema o Livro de Josué e o lema: “O Senhor teu Deus está contigo por onde quer que andes” (Js 1,9).

 

Livro de Josué: “nós serviremos ao Senhor” (Foto: Divulgação)

 

Sobre o livro de Josué, sabemos que este “compõe um imenso quebra-cabeças histórico, parte do que se convencionou chamar Histografia Deuteronomista, que segue até o Segundo Livro de Reis, tendo o Livro de Deuteronômio como grande portal. Esse bloco literário corresponde a uma longa teologia narrativa, cuja finalidade primeira consistiu em oferecer aos judeus exilados na Babilônia (séc. VI a. C) uma pista para compreender o porquê daquela tragédia. A explicação apressada falava de YHWH derrotado pela divindade principal do panteão babilônico, o deus Marduk. Um teólogo deuteronomista ou uma escola teológica, tendo como ponto de partida a Teologia da Aliança, que previa a benção para quem fosse fiel a YHWH e castigo para a desobediência, deu-se ao trabalho de fazer uma minuciosa releitura da história, servindo-se das memórias que tinha à disposição, para identificar, na desobediência de Israel, o motivo verdadeiro do exílio” (p. 9).

 

Diante desta questão e dessa finalidade, o livro: Livro de Josué: “nós serviremos ao Senhor” (Paulinas, 2022, 304 p.), organizado por Jaldemir Vitório, Jean Richard Lopes e Zuleica Aparecida Silvano, apresenta chaves hermenêuticas para a leitura do Livro de Josué – proporcionando aos interessados um “mergulho no mundo do texto bíblico, com diferentes ferramentas, correspondentes aos variados métodos com os quais essa porção da teologia narrativa deuteronomista foi abordada” (p. 12).

 

O conteúdo deste livro é dividido em três partes. A primeira parte apresenta elementos introdutórios do livro de Josué (p. 13-90), a segunda parte aborda questões teológicas (p. 91-192), a terceira parte detém-se na exegese de alguns textos (p. 193-279). Mais especificamente:

 

1) Em “O problema das origens de Israel e o livro de Josué “(p. 15-39), de Airton José da Silva propõe-se a abordar resumidamente as principais teorias até hoje oferecidas para explicar as origens de Israel: a teoria da conquista, a teoria da infiltração pacífica, a teoria da revolta, a teoria da evolução pacífica e gradual indicando seus méritos e limites (p. 16-21); em seguida descreve a crise do final da Idade do Bronze e o fenômeno dos “povos do mar”, acontecimentos contemporâneos ao surgimento de Israel (p. 21-25); num terceiro momento fornece um panorama da situação sociopolítica da Palestina na época do surgimento de Israel (p. 25-27), faz observações sobre a formação dessa nova sociedade asseada na relação de parentesco (p. 27-29), para enfim, apresentar dois cenários possíveis para a redação do Livro de Josué (p. 29-38). Observa que: “a pesquisa atual sobre as origens de Israel tende a ver o surgimento desse povo como resultado de um processo interno ocorrido em Canaã a partir do final da Idade do Bronze. Recente acontecido continua a ser objeto de muita discussão e múltiplas hipóteses são propostas pelos especialistas. A arqueologia tem sido a mais eficaz ferramenta usada para enfrentar essa problemática” (p. 39).

 

2) No segundo capítulo “Narração como catequese: as histórias da Bíblia” (p. 41-74), Jaldemir Vitório partindo das leituras equivocadas das histórias bíblicas (p. 43-45), mostra como a Bíblia segue os padrões da literatura profana, servindo-se de regras usuais para a composição de qualquer narrativa (p. 45-49). No entanto, observa, o autor, suas narrativas têm características peculiares e supõem regras específicas de interpretação, por sua ligação com a fé do povo de Israel (p. 49-54). Em sua composição, o conceito de autoria assume um sentido diferente daquele de hoje, embora os que as compuseram, servindo-se das tradições históricas de Israel, possuam características de um autêntico criador de narrações (p. 55-58).

 

Vitório observa que a leitura proveitosa de uma narrativa exige competência do/a leitor/a-ouvinte, interpelado/a se relacionar, de maneira criativa e dinâmica, com o texto, cujas lacunas e reticências deverá completar (p. 58-65). Na última parte deste capítulo, apresenta-se dois flashes da narratividade do livro de Josué, de maneira a explicitar a maneira como trabalharam seu/s autor/es (p. 65-73). Vitório conclui dizendo que o “Livro de Josué constitui-se em paradigma de uma narrativa bíblica. O/a leitor/a-ouvinte deverá se convencer de estar diante de uma catequese preocupada em fazê-lo crescer na fé, de modo especial, em tempos de crise, quando a imagem de Deus parece se dissipar, em face da dureza da vida” (p. 74).

 

3) Jacir de Freitas Faria apresenta os aspectos introdutórios e chaves de leitura para a compreensão do Livro de Josué (p. 75-90). Trazendo em primeiro lugar elementos como a autoria e datação do livro (p. 76-78), informações sobre o personagem que dá nome ao livro (p. 79-80), a relação de Josué com Moisés e Jesus (p. 80-83), a estrutura do livro (p. 83-84), num segundo momento apresenta as seguintes caves de leitura para compreender este livro: a) Promessa, conquista de Canaã e o dom da terra (p. 85-86); b) fidelidade à Aliança e observância da Torá (p. 86-87);  c) idolatria não pode fazer parte da caminhada (p. 87-88); d) imagem de Deus violente e guerreiro (p. 88-89); e) a terra na perspectiva litúrgica (p. 89), salienta que o Livro de Josué, “no modo como é apresentado em sua redação final, pode dar a impressão de ter um único redator, mas não o tem.

 

Ele é fruto de várias épocas e contextos, o que resultou em histografias diversas. Antes do exílio babilônico, a questão da conquista da terra era fundamental e, com ela a visão de YHWH, um guerreiro que legitima conquistas sangrentas de povos e da própria terra que ele prometeu aos pais. Já em sua redação pós-exílica, a Torá ganhou lugar de destaque. O povo devia segui-la com fidelidade. Por isso, a idolatria não podia ser permitida em Israel. Após a conquista da terra fidelidade à Torá tornou-se fundamental. Seguir os deuses de outros povos, cometendo o pecado da idolatria, acarretaria na perda da terra. Josué foi discípulo predileto de Moisés. Com ele a Torá continuaria sendo observada pelo povo da Aliança” (p. 89-90).

 

4) Em “Deus combatia por Israel” (Js 10,14): os relatos de conquista no livro de Josué (p. 93-122), Jean Richard Lopes analisa o tema da violência no Livro de Josué e suas implicações teológicas, fazendo para isso a apresentação de alguns pressupostos hermenêuticos, norteadores da interpretação bíblica, tanto no que tange a textos específicos quanto à temáticas particulares (p. 94-101).

 

Num segundo momento, Lopes expõe a identificação das fontes literárias e teológicas que influenciaram a redação do Livro de Josué e, principalmente dos relatos de conquista (p. 101-116). Conclui trazendo uma leitura sintética dos principais motivos presentes nos relatos de conquista no Livro de Josué, base de sua ideologia (p. 116-121). O autor faz notar que “para auxiliar na decifração da mensagem dos relatos de conquista do Livro de Josué e, com isso afastar uma leitura fundamentalista, percorreu-se um caminho conceitual (pressupostos) e analítico (comparação e textos) que permitisse embasar a interpretação proposta (ideologia e teologia) (p. 121).

 

5) No quinto capítulo “A terra que o Senhor deu: Israel entre a conquista e a restauração do dom de Deus” (p. 123-150), Márcio Bezerra e Marcus Mareano apresentam o relevante tema da conquista e da posse da terra, prometida por Deus aos israelitas, e algumas de suas implicações teológicas. O tema do dom da terra é apresentado desde a promessa deuteronomista, passando pela conquista narrada por Josué, até sua releitura no Novo Testamento. Para isso, Bezerra e Mareano percorrem os textos bíblicos da histografia deuteronomista, principalmente o Deuteronômio (promessa) e Josué (cumprimento) (p. 124-133). Em seguida, os referidos autores acompanhando a narrativa dos eventos no livro de Josué, em que se propõe uma catequese narrativa para o povo valorizar a terra, dom de Deus perdida por infidelidade à Aliança (p. 133-143). Concluem mostrando como esse tema é interpretado no Novo Testamento (p. 143-147). Observam que a memória do passado, incentiva um compromisso maior com os apelos de Deus e a percepção de quais “terras” devem ser acolhidas como dom (p. 147-149).

 

6) Tribo de Israel e o Povo de Israel (p. 151-168) é o assunto trabalhado por Márcia Eloi Rodrigues no sexto capítulo. A temática é desenvolvida pela autora a partir da teologia deuteronomista e do lugar que o livro de Josué ocupa no interior dessa histografia. Num primeiro momento busca-se aprofundar a compreensão que a histografia deuteronomista e de como a identidade de Israel, enquanto povo unificado, é ali delineada (p. 152-156). Em seguida, a autora focaliza o contexto do exílio, como importante ponto de partida para a compreensão teológica da expressão “povo de Israel” no livro de Josué (p. 156-160). Num terceiro momento, sintetizam-se os elementos significativos da divisão da Terra Prometida entre as doze tribos (Js 13-21), evidenciando a perspectiva teológica presente nesses capítulos (p. 160-165). Rodrigues conclui apresentando alguns pontos relevantes acerca da identidade de Israel, inferidos da leitura do Livro de Josué, na perspectiva da teologia deuteronomista (p. 166-168).

 

7) No sétimo capítulo Jacil Rodrigues de Brito versa sobre a Teologia da Retribuição e da Aliança em Josué (p. 169-192). Reunindo os motivos mais significativos em relação à retribuição divina, desde o Livro de Gênesis até o Livro de Josué (p. 170-172), examinando o tema das Promessas divinas (p. 173-192), o autor observa que a “retribuição e a providência divinas, no Livro de Josué, têm suas raízes no fio condutor da narrativa do Pentateuco. Essa maneira didática de orientar os comportamentos humanos perpassa toda a Bíblia. Nos Evangelhos, encontra-se a retribuição divina nas formas mais variadas. Verifica-se que Deus recompensa tanto os bons comportamentos quanto os maus, levando a entender que cada pessoa colhe aquilo que cultivou, como fruto de sua responsabilidade. A providência divina, por sua vez, se desdobra em cuidados, desse modo, Deus cria, elege um povo, faz Aliança com ele e o redime. Assim, retribuição e providência divinas não podem ser desvinculadas da Aliança de Deus com seu povo, com a humanidade” (p. 192).

 

8) Rita Maria Gomes, no oitavo capítulo intitulado “Raab, a larga” (p. 195-216), objetiva responder quem é Raab. Gomes diz que a “aproximação à personagem Raab se faz, primeiramente, pela consideração de seu nome, pois na Bíblia os nomes dizem muito de seus personagens. Isso é ainda mais válido quando o personagem bíblico tem o seu nome modificado, geralmente em razão de uma missão” (p. 195). O percurso deste capítulo traz a etimologia do nome Raab, em seguida se analisa os termos que adjetivam essa mulher e que também ajudam em sua caracterização (p. 196). Na sequência, seguindo a ordem de aparição da personagem, consideram-se as ações a falas de Raab nos textos de Josué, nos quais é protagonista, nos capítulos 2 e 6 (p. 197-208).

 

Em seguida, Gomes apresenta os testemunhos da tradição judaica a respeito do personagem (p. 208-211) e, por fim, pondera-se sobre as referências a ela no Novo Testamento (p. 211-215). Esse percurso segundo a autora permite dizer que “os textos bíblicos e extrabíblicos, que testemunham a respeito de Raab guardam certa ironia. Ela é identificada como canaanita e prostituta, por analogia ‘adorava a deusa Astarte’ e poderia ser uma de suas servas na prostituição sagrada. No entanto, é retratada pelos próprios israelitas como uma fiel adoradora de YHWH. Ela acolheu, escondeu e estrategicamente ajudou os israelitas a cumprirem o projeto divino de conquista da terra, e os espiões apenas seguiram suas orientações” (p. 215).

 

9) As muralhas de Jericó: Js 5,13-6,27 (p. 217-239) é a temática do nono capítulo. Zuleica Aparecida Silvano analisa exegeticamente, Js 6,1-27, tendo presente os capítulos anteriores referentes à historicidade do Livro de Josué e á imagem paradigmática do personagem Josué. Para isso, a autora focaliza seus elementos literários e aspectos teológicos (p. 219-231). Silvano salienta que a queda das muralhas de Jericó está intrinsecamente relacionada com os relatos de Raab. Por ser uma personagem importante, (...) ater-se-á ao estudo de Js 5,13-15, indicando-se os pontos principais deste relato, para melhor compreender Js 6 (p. 232-239).

 

A autora ressalta que “a análise de Js 5,13-6-27 revela-se fruto de um longo processo redacional, dificultando a interpretação de algumas passagens. Porém, uma leitura atenta permite perceber com clareza a intenção do(s) autor(es), ao relatar o poder de Deus e sua fidelidade, e verificar a fiel executação das ordens divinas. Portanto, a narração da conquista de Jericó não se limita a ser um relato bélico, trata-se, sim, de um rito litúrgico, dado que nesse período a cidade já estava em ruínas, e Josué não era um grande guerreiro, mas sim uma figura paradigmática de israelita fiel aos mandamentos de YHWH e às orientações indicadas por Moisés” (p. 239).

 

10) Em “Amar é comprometer-se: ensaio exegético de Js 23-24” (p. 241-279), Carlos André da Cruz Leandro oferece a tradução e o contexto literário de Js 23-24 e, em seguida (p. 245-254), procedendo à analise exegética de cada capítulo, separadamente (p. 254-277). Na conclusão, o autor reúne os elementos que se sobressaem da leitura contínua dos dois capítulos (p. 277-279). Em suma, “em, Js 23-24, a ambivalente caracterização de YHWH nos discursos de Josué representa uma estratégia retórica, que pretende incutir a noção da gravidade da infidelidade à Aliança. Destarte, ao invés da declaração da intolerância de YHWH ao pecado, predomina a recordação das bênçãos divinas em favor de Israel, seja no discurso de Josué, em Js 23,2-14, seja entre Josué e o povo, Js 24,14-34” (p. 279).

 

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Esta obra é o resultado do trabalho conjunto do Grupo de Pesquisa “A Bíblia em leitura cristã”, da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), do grupo de pesquisa “Bíblia e interpretação: linguagens da Escritura”, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), em Belo Horizonte, com a colaboração de professores e pesquisadores de outros centros de pesquisa teológicas e bíblicas, como o Centro de Estudos de Ribeirão Preto-SP (CEARP), em Brodowski – SP, a Faculdade Católica do Rio Grande do Norte (FCRN), em Mossoró-RN, o Seminário Provincial Sagrado Coração de Jesus, em Diamantina – MG, o Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA), em Belo Horizonte –MG, a Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), em Recife –PE, e a Universidade Católica de Salvador (UCSAL), em Salvador-BA.

 

Nesta obra encontra-se uma quantidade considerável de informações valiosas para a leitura do livro de Josué. O estudo deste livro no todo ou nas partes/capítulos – como observam seus organizadores proporcionará aos interessados um mergulho no mundo do texto bíblico, com diferentes ferramentas, correspondentes aos variados métodos com os quais essa porção da teologia narrativa deuteronomista foi abordada.

 

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