Cardeal José Tolentino Mendonça: Viver a espiritualidade da condição precária convida a “habitar o ‘entre’” e a caminhar “de margem em margem”

Foto: Pixabay

31 Mai 2022

 

José Tolentino Mendonça, o responsável pelo Arquivo e Biblioteca Apostólica do Vaticano, fez o ‘elogio do não saber’ na 16ª Jornada da Pastoral da Cultura de Portugal.

 

A reportagem é publicada por Ecclesia, 28-05-2022.

 

O cardeal José Tolentino Mendonça disse hoje que a condição precária é uma condição necessária àquele que acredita e que viver a “espiritualidade do precário”, que não é algo menor, significa “habitar o ‘entre’”.

 

“A verdadeira espiritualidade é uma dinâmica de ponte, é habitar o fluir, é não interromper, é uma vida que caminha de margem a margem, é habitar o mistério, habitar o ‘entre’, porque é o ‘entre’ que nos faz viver, o ‘entre’ é o lugar da passagem da vida, de nós próprios, é o lugar da passagem de Deus”, afirmou o responsável pelo Arquivo e Biblioteca Apostólica do Vaticano, durante a 16ª Jornada da Pastoral da Cultura.

 

 

“Viver a espiritualidade do precário, do provisório não é viver uma espiritualidade em tom menor, não é viver uma espiritualidade diminuída, insuficiente; pelo contrário, é viver intensamente a espiritualidade, é viver o coração da vida espiritual, porque também aqui a experiência do menos é abertura ao mais”, acrescentou.

 

O cardeal e poeta convidou os participantes a viver no provisório e recordou o fundador da Comunidade ecumênica de Taizé, o irmão Roger, que convidava a ‘ir de começo em começo’.

 

Aceitar o provisório é aceitar que o que vivemos é uma parábola, é fazer brotar uma imagem, um ‘como se’, partir não de coisas garantidas, mas de uma confiança, partir do provisório como lugar de verdade para viver a espiritualidade”, sublinhou.

 

Dom José Tolentino Mendonça disse que para viver a espiritualidade da condição precária importa “estabelecer percursos de reconhecimento”.

 

“Percebemos que o não saber é um desafio a uma viagem, onde podemos reconhecer o mistério, aquilo que não se revela. Reconhecer é ouvir, cartografar, mapear, e esse é um processo dinâmico e importante na espiritualidade. Reconhecer significa também a gratidão. A espiritualidade do provisório mostra o dom, algo interior, e que o não saber não é uma ausência, mas algo que fala”, indicou.

 

 

O cardeal Tolentino Mendonça indicou ainda que a espiritualidade do provisório é uma espiritualidade pascal.

 

“A experiência espiritual é uma experiência de abertura, transfronteiriça, onde aprendemos a não temer o vazio, a indeterminação. A atitude espiritual mais importante é a atenção, como disponibilidade para se deixar tocar e surpreender, pelo que é a epifania do ser, pela capacidade da realidade se tornar significativa”, indicou.

 

Num mundo “saturado de imagens” e gerador de uma “incapacidade de escuta”, importa “aprender a desaprender, como dizia Pessoa, aprender o esvaziamento”.

 

“Só um olhar sem defesas consegue apreender a verdadeira presença”, sublinhou.

 

Para o cardeal português, o mundo pede aos “homens e mulheres crentes” que “iluminem a fronteira” com a vida, a cultura.

 

“Tempos de passar da pertença, da presa, a uma abertura, ao não possuir, ao não ter, ao habitar o transitório e o precário, que é o que nos permite habitar a espantosa realidade das coisas; não viver de conceitos e ideias, não construir prisões e armadilhas, mas viver no trânsito e viver a viagem como o lugar da experiência”, indicou.

 

 

Para valorizar uma espiritualidade da condição precária, dom José Tolentino Mendonça disse que devemos “valorizar o não saber, valorizar a negociação, a aprendizagem, os passos, a abertura necessária, a construção de um saber que não se fixa em fórmulas,”, mas é antes uma “disposição a deixar-se tocar, conduzir, perante o que se revela nesse momento”.

 

“Não vivemos de respostas, mas de perguntas. Vivemos no enigma, na fronteira, e numa espiritualidade do precário percebemos que o enigma não é um limite, o mistério não é um obstáculo, mas uma possibilidade”, reconheceu.

 

O cardeal Tolentino quis fazer um “elogio do não saber”, do “viver no desnudamento” e da “importância das mãos vazias”.

 

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