Plena consciência e ativa participação litúrgica: o desejo do Vaticano II que ainda precisa se realizar

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24 Mai 2022



"Infelizmente, a Igreja padece de membros que não compreendem o que se celebra a cada missa, embora este tenha sido um dos desejos do Concílio Vaticano II: que todos os fiéis sejam levados à plena consciência e ativa participação das celebrações litúrgicas".

 

O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.

 

Não é incomum ouvir cristãos reclamarem da celebração da missa: ou é muito tediosa ou animada demais, ou a homilia do padre é longa ou é breve demais, ou trata de tudo, menos da Palavra, ou só trata da Palavra, mas não das coisas do mundo "que têm relação com a vida". Sem falar naqueles que estão atentos à disposição de todas as coisas no altar e a todos os atos realizados pelos sacerdotes e ministros - que são examinados e depois serão comentados -, que nem têm tempo de contemplar Cristo na cruz que está ao centro, a Eucaristia e a Palavra do dia.

 

Infelizmente, a Igreja padece de membros que não compreendem o que se celebra a cada missa. Recentemente, ouvi uma pessoa dizer que a Igreja deveria se "renovar", "fazer coisas diferentes na missa" e "oferecer outras atividades", como "estudos bíblicos" ao invés de "gastar tanto tempo com grupos de oração para rezar Ave Maria". Ela concluiu seu discurso com duas perguntas que nada têm de retóricas: "Para que rezar o terço repetindo Ave Maria após Ave Maria? E para que ir à missa, fazer como a minha mãe, que vai e sai de lá falando de todo mundo?" A declaração, de um lado, corrobora a constatação, mas, de outro, revela o desejo - ainda que inconsciente - de muitos cristãos por entendimento, por uma fé esclarecida, que vá além daquela crença imediatista que compreende Deus como alguém para quem se reza para resolver nossos problemas - quando eles surgem - e satisfazer, de algum modo, a nossa própria vontade. Este foi um dos desejos do Concílio Vaticano II: que todos os fiéis sejam levados à plena consciência e ativa participação das celebrações litúrgicas.

 

 

Mas, como explica Frei Alberto Beckhäuser, da Ordem dos Frades Menores - dos Franciscanos -, embora na ação litúrgica esteja a "totalidade do mistério da Igreja", ela "não esgota toda a vida e ação da Igreja" porque dois processos estão inter-relacionados à ação litúrgica: um é anterior e outro é posterior. Trata-se, como entendido pelo Vaticano II, de um momento anterior, de conversão - para que seja possível, para o fiel, celebrar o que é celebrado - e outro, posterior, de ação - para que seja possível igualmente assumir um compromisso com o que é celebrado.

 

Sobre a Liturgia católica, o Sacrosanctum Concilium - uma das quatro constituições apostólicas emanadas do Concílio Vaticano II - diz: "Antes que os homens possam achegar-se da Liturgia, faz-se mister que sejam chamados à fé e à conversão: 'Como invocarão Aquele em quem não creram? E como crerão sem terem ouvido falar dele? E como ouvirão se ninguém lhes prega? E como se pregará se ninguém for enviado? Por isso a Igreja anuncia aos não-crentes a mensagem da salvação, para que todos os homens conheçam o único e verdadeiro Deus e Aquele que enviou, Jesus Cristo, e se convertam".

 

 

Sobre essa questão, duas observações são importantes. Primeiro, a missa não é um show que tem a função de animar os mais desanimados ou propriamente o lugar onde alguém vai para aprender algo no sentido de ter aulas expositivas e explicativas sobre o que se está a celebrar - há outras dimensões da Igreja que são responsáveis por isso -, embora, nas homilias, os sacerdotes comentem a Palavra. Segundo, os fiéis não se reúnem para realizar uma série de ritos míticos para entidades, para o universo, para um Deus abstrato, ou para receberem um atendimento particular do sacerdote para resolverem suas aflições diárias. Trata-se precisamente de uma reunião, de um assembleia para celebrar e atualizar os mistérios de Cristo, em particular o mistério da morte e ressurreição, o sacrifício de Cristo que se atualiza diariamente para a nossa salvação.

 

Conforme esclarece Beckhäuser, "a Liturgia cristã não somente recorda os acontecimentos que nos salvaram, como também os atualiza, torna-os presente. O mistério pascal de Cristo é celebrado, não é repetido; o que se repete são as celebrações; em cada uma delas sobrevém a efusão do Espírito Santo que atualiza o único mistério". Trata-se igualmente de um culto prestado ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo. O louvor é dado ao Pai, por Cristo, que é centro da Liturgia, na presença e ação do Espírito Santo.

 

 

Alguns poderiam imaginar que uma vez convertida, a pessoa tomaria plena consciência do que celebra na missa e teria outra disposição para a própria participação e, posteriormente, assumiria os compromissos subsequentes, mas tudo isso é muito mais complexo na vida particular de cada um do que o raciocínio lógico pode nos levar a supor. Apesar disso, sem um desejo sincero pelo primeiro passo, o da conversão - a conversão do coração da qual nos fala o Papa Francisco, do encontro diário com Cristo na oração -, e a busca pela compreensão mínima do que significa converter-se a Cristo, não é possível nem bem celebrar a missa, nem entendê-la, nem assumir, de fato, os compromissos sacramentais, embora seja possível ter uma disposição para inúmeras atividades paralelas, como rezar para os santos intercessores quando convém, ou exercitar a caridade, virtude que já foi há tempos substituída pela solidariedade. Mas unir-se a Cristo sacramentalmente e espiritualmente, de todo o coração, e oferecer-se ao Pai como oblação, por Cristo, na unidade do Espírito Santo, é outra coisa.

 

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