Quaresma: tempo de ir ao deserto e dar a Deus o lugar central da nossa vida

Ilustração do gravurista francês Gustave Doré | Foto: Reprodução

05 Março 2022

 

"Estar com Jesus no deserto e dar a Deus o lugar central da nossa vida são as duas experiências que expressam o sentido destes 40 dias em que a Igreja nos exorta ao jejum, à esmola e à oração, conforme resumiu o jesuíta Adroaldo Palaoro. Ou seja, mortificar o corpo para sujeitá-lo à alma e esta, a Deus".

 

O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.

 

O tempo quaresmal é um convite de Deus para estarmos junto com Jesus no deserto e, através dessa experiência, nos lançarmos em outra: aprendermos a "dar a Deus o lugar central da nossa vida", assim como Cristo o fez. Essas duas experiências expressam o sentido destes 40 dias em que a Igreja nos exorta ao jejum, à esmola e à oração, conforme resumiu o jesuíta Adroaldo Palaoro. Ou seja, mortificar o corpo para sujeitá-lo à alma e esta, a Deus.

 

Em seu comentário sobre evangelho do 1º Domingo do Tempo de Quaresma, ciclo C do Ano Litúrgico, que corresponde ao texto de Lucas 4,1-13, publicado na página eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Palaoro explicou em que consiste a primeira experiência: "A experiência de deserto passa a ser 'tempo e lugar' de decisão, de orientação decisiva da vida, de enraizamento de nossos valores, de consciência maior da nossa identidade pessoal e da nossa missão..." Por isso, continuou, "o mestre do deserto é o silêncio; o deserto tem valor porque revela o silêncio, e o silêncio tem valor porque nos revela Deus e a nós mesmos". Para Jesus, assim como para nós, esclareceu, "o tempo do deserto foi" e é "um tempo de discernimento". Foi no deserto que Jesus decidiu pela segunda experiência: "dar a Deus o lugar central", sacrificando-se a si mesmo na cruz.

 

Ao refletir sobre o aniquilamento de Jesus em a Subida do Monte Carmelo, São João da Cruz nos ensina o que significa "dar a Deus o lugar central": imitar a Cristo para unir-se com o Pai.

 

"Trata-se de uma só coisa necessária: saber negar-se deveras no interior e no exterior, abraçando por Cristo o padecer e o mais completo aniquilamento. Aqui está o exercício por excelência, no qual se encerram eminentemente todos os outros. E como este exercício é a raiz e o resumo das virtudes, se nele há falta, tudo o mais é perda de tempo sem proveito, tomando-se o acessório pelo principal, ainda que a alma tenha tão altas comunicações e considerações como os anjos. Porque o proveito está unicamente em imitar a Cristo, que é o caminho, a verdade e a vida, e ninguém vem ao Pai senão por ele, conforme o Senhor declara no Evangelho de São João".

 

Portanto, o deserto, como salientou Palaoro, também é o "lugar da Aliança, escola da intimidade com o Senhor; expressão que, mais do que um determinado lugar, indica uma experiência forte de Deus".

 

Sobre esta Aliança, que foi selada na cruz, e nos conduz à segunda experiência, o Doctor Mysticus nos orienta:

 

"Saiba que quanto mais se aniquilar por Deus segundo as duas partes, sensitiva e espiritual, tanto mais se unirá a ele e maior obra fará. E quando chegar-se a reduzir-se a nada, isto é, à suma humildade, se consumará a união da alma com Deus, que é o mais alto estado que se pode alcançar nesta vida. Não consiste, pois, em recreações, nem gozos, nem sentimentos espirituais, e sim numa viva morte de cruz para o sentido e para o espírito, no interior e no exterior".

 

A tarefa é árdua e, portanto, o "decisivo nessa vivência", disse Palaoro, "é 'deixar-nos conduzir' pelo Espírito. Aqui não há engano".

 

 

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