“Devemos nos livrar da ideia de que devemos evangelizar”. Entrevista com Jean-Paul Vesco, novo arcebispo de Argel

Foto: Guilherme Cavalli | Cimi

23 Fevereiro 2022

 

No dia 12 de fevereiro de 2022, dom Jean-Paul Vesco assumiu como novo arcebispo de Argel. Alguns dias depois, ele nos falou da situação dos católicos na Argélia, que são chamados antes a dar um sinal do que ser um número. E compartilha sua visão da fraternidade.

A entrevista é de Laurence D'Hondt, publicada por Cath.ch, 21-02-2022. A tradução é de André Langer.



Nascido em 10 de março de 1962 em Lyon, dom Jean-Paul Vesco começou a exercer a advocacia empresarial em Paris entre 1989 e 1995. Depois, ingressou nos dominicanos. Após uma licença canônica em teologia pela Faculdade Católica de Lyon, foi ordenado sacerdote no dia 24 de junho de 2001.



Ele então se mudou para a Argélia, mais especificamente para Tlemcen (diocese de Orã), para reconstruir a presença dominicana, seis anos após o assassinato de dom Pierre Claverie. Em 2005, foi nomeado vigário geral da diocese. Em dezembro de 2010, eleito prior provincial dos dominicanos da França, retornou a Paris. Em 1º de dezembro de 2012, Bento XVI o nomeou bispo de Orã. Em 27 de dezembro de 2021, o Papa Francisco o nomeou arcebispo de Argel.



Jean-Paul Vesco recebeu a consagração episcopal em janeiro de 2013, tornando-o o novo bispo de Orã. Desde então, o homem às vezes se sente isolado em um país onde o proselitismo é proibido e o número de fiéis reduzido. De acordo com a ONG Portes Ouvertes, existem apenas 6.000 católicos em um país que é 98,2% muçulmano. Os católicos na Argélia são principalmente estudantes ou migrantes africanos e alguns expatriados. À pergunta tantas vezes feita, “o que você faz aqui?”, ele dá uma resposta inspirada no Papa Francisco.

 

Eis a entrevista.

 

Neste mês de fevereiro, você se torna arcebispo de Argel. Qual é o significado que você quer dar à sua nova função?



Serei arcebispo de Argel como fui bispo de Orã. A Igreja na Argélia vive em uma fratura entre dois mundos e isso contribui para a dificuldade de estar aí. Durante a viagem do Papa Francisco ao Iraque, onde se encontrou com o aiatolá Ali al-Sistani, a mais alta autoridade muçulmana xiita do país, o papa disse estas palavras: “Muitas vezes, é preciso correr riscos para dar o passo da fraternidade. Há críticas, diz-se que o Papa não conhece a realidade, que dá passos que vão contra a doutrina católica…”.

Estas palavras do Papa Francisco expressam exatamente o que vivo e sinto: somos, antes de tudo, irmãos humanos. Ele ousou correr o risco de afirmar uma fraternidade humana que vai além das pertenças religiosas. Mostra assim que a evangelização se faz na fraternidade e não na conversão. Isso é revolucionário! Ele afirma de alguma maneira que o batismo não é condição para a salvação.

 

Essa é a resposta que você dá ao seu papel em um país muçulmano onde a conversão não é mais o objetivo...



Por sua localização em terras muçulmanas, nossa Igreja é constantemente questionada sobre as razões da sua presença. Por que a Igreja está presente aqui, em um país quase sem cristãos? No dia 31 de março de 2019, sentado na catedral de Rabat, o Papa Francisco recordou que nossa missão como batizados não foi determinada pelo espaço que ocupamos, mas pela capacidade que temos de fazer mudanças e pela compaixão, pela forma como vivemos como discípulos de Jesus. Como nos lembrou o Papa João Paulo II, “não pedimos um sinal para fazer número”. Em outras palavras, o número não é o indicador da fecundidade de uma presença. Ou, dito de outra forma, o problema não é ser poucos; o problema seria tornar-se ‘insignificante’.

 

Você faz a distinção entre uma Igreja confessante e uma Igreja proselitista. Você pode nos explicar essa diferença?



Estamos aí, seguindo a Cristo. Somos confessantes porque não escondemos quem somos: confessamos a existência da nossa presença, dedicada em grande parte ao serviço dos outros. Mas, quero enfatizar essa diferença: não somos uma ONG e não temos atuação política militante. Nosso serviço aos outros é feito em nome de Deus.

 

Em sua carta “Construir uma fraternidade”, que acompanha sua posse, o senhor enfatiza que a fraternidade não é em si um baluarte contra a violência. Pode até ser seu crisol, como nos lembra o assassinato de Abel por Caim...



A fraternidade é um valor humano visceral. Em terras muçulmanas, a palavra irmão tem um significado preciso: designa a pertença à mesma comunidade cultural e religiosa. É um termo que tem uma dimensão muito comunitária. Aqueles dentre nós que escolhem a Argélia há décadas sabem bem que a força e a dificuldade de seu testemunho neste país reside no fato de, ao mesmo tempo, fazer parte dele e não fazer parte dele.



Da mesma forma, os cristãos nativos da Argélia, se não vivenciam o mesmo abismo cultural, também passam pela dolorosa experiência da distância, às vezes inclusive com os mais próximos. Com discrição, humildade e compreensão, devem redobrar a fraternidade e resistir à tentação de se diferenciar. Se a fraternidade humana precisa de limites, de um “nós”, para existir, parece-me que também deve procurar ultrapassá-los, a menos que se condene ao fechamento.



O desafio para nós é ser ao mesmo tempo irmão de seu irmão e irmão de todos os homens. Toda a questão da fraternidade me parece ir além dos limites que a fraternidade ao mesmo tempo tem necessidade. É a passagem necessária de uma fraternidade recebida a uma fraternidade escolhida. Isso vale também para o cristão: um bom cristão que nunca saiu de sua comunidade não é um cristão pleno.

 

A Igreja Protestante da Argélia está se expandindo. Ela está sediada em Cabília e se encontra em uma dinâmica diferente da sua. Qual é a sua relação com esta Igreja?



Elas são boas. As Igrejas evangélicas respondem mais a um padrão de pensamento encontrado na religião muçulmana. Lá onde afirmamos a existência de uma fraternidade universal, as Igrejas Evangélicas enfatizam a entrada em uma comunidade pelo batismo. Além disso, as Igrejas Protestantes não são consideradas estrangeiras, pois são compostas principalmente por argelinos convertidos. Nós somos de alguma forma mais “aculturados”. Mas todas as histórias de encontro com Cristo são de partir o coração. As Igrejas Protestantes não são nossas concorrentes. Elas também têm sua parcela de verdade que talvez nos escape.

 

Concretamente, como está organizada a vida cristã na Argélia?



Nosso tamanho é modesto e nenhum dos sacerdotes dedica todo o seu tempo a serviço da comunidade cristã. É uma oportunidade que assim nos é dada para podermos viver mais uma fraternidade e uma corresponsabilidade que não faça muita distinção entre clérigos e leigos e permita que um estudante da África se entretenha durante muito tempo com um bispo.



A chegada, nos últimos vinte anos, de estudantes e pessoas migrantes suscitou temores de uma reorientação pastoral na comunidade cristã em detrimento da relação com o mundo argelino. Não só não tem sido assim, como nossos irmãos e irmãs estudantes ou migrantes são atores privilegiados na construção da fraternidade, fraternidade que vivenciamos essencialmente com os habitantes deste país.

 

Suas atividades são essencialmente orientadas para o mundo muçulmano ao seu redor. O senhor cuida, ajuda, assiste seus vizinhos muçulmanos... Como isso acontece?



Encontramos pessoas diariamente que nos dizem que conhecem nossa religião e por que ela não é um verdadeiro caminho para Deus. É difícil ouvir esses discursos com o Alcorão como argumento irrefutável. Em contrapartida, devemos desconfiar de nós mesmos sempre que formos tentados a olhar negativamente para o Islã. Devemos conseguir nos livrar da ideia de que devemos evangelizar, fazer com que os outros acessem nossa verdade e simultaneamente aceitar que talvez haja também, no Islã, uma parte da verdade que nos escapa.

 

Especialmente porque a maioria de seus parceiros são muçulmanos…



Não podemos dar nosso testemunho sem nossos parceiros muçulmanos argelinos. São as pessoas que carregam conosco a responsabilidade da animação de nossos centros, de nossas atividades e até de nossa vida eclesial. São todos os formadores e formadoras, as mulheres que participam nas atividades das oficinas de artesanato, os estudantes que trabalham nas nossas bibliotecas, os pais das crianças que nos são confiadas, os responsáveis das associações com as quais trabalhamos.

Talvez tenham que enfrentar olhares de reprovação quando cruzam as portas de nossos centros, quando nos confiam seus filhos para atividades. E para isso, eles também precisam, como nós, dar um grande salto de confiança e arriscar a fraternidade em ação.

 

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