02 Abril 2022
"Se é problemático fazer dialogar hoje arte e religião, parece certamente discutível a atitude de quem avalia negativamente uma obra se vê nela uma evidente inspiração religiosa", escreve Elio Cappuccio, docente no Istituto Superiore di Scienze Religiose "San Metodio", Itália, em artigo publicado por Domani, de 20-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Resulta no mínimo singular que um júri, chamado a avaliar obras de tema religiosos, como relata James Elkins em Lo strano posto della religione nell’arte contemporanea (O estranho ligar da religião na arte contemporânea, em tradução livre, Johan & Levi), venha a excluir uma obra, já selecionada, depois de saber que a artista, uma freira, quis representar o paraíso. Se por um lado é compreensível o quão difícil seja realizar um equilíbrio theo-ethical em âmbito político, como Jürgen Habermas argumentou no início do novo milênio, conciliando os valores dos crentes com os princípios constitucionais leigos, pelo outro lado, é mais difícil aceitar que, no mundo da arte, seja negado o direito de cidadania a uma obra ligada a motivações religiosas.
Lo strano posto della religione
nell'arte contemporanea
O historiador de arte e crítico estadunidense James Elkins, que leciona na School of the Art Institut de Chicago, aborda em seu livro um tema fundamental e, ao mesmo tempo, colocado às margens da reflexão estética quando se fala concretamente da arte que encontramos nas exposições ou nos museus de arte contemporânea.
O que nós chamamos de arte religiosa é, na realidade, definida como arte de sujeito religioso, no âmbito do cristianismo oriental. Na "Teologia da beleza" dos ortodoxos, o iconógrafo concebe sua pintura como uma oração e acredita ter cumprido plenamente sua tarefa quando o ícone aparece como uma teofania, "não feita pela mão do homem".
Em nossa tradição, o culto da criatividade do gênio coloca a subjetividade do artista em primeiro plano, tornando problemática a relação com a fé religiosa. A secularização, que na modernidade marcou também a prática artística, foi progressivamente expulsando, ainda que não totalmente, as figuras bíblicas e evangélicas do espaço figurativo.
Isso não se deve a uma intenção deliberada, mas é fruto de um processo histórico, cujas implicações podem ser reconhecidas em todo campo. Hoje, porém, ninguém compartilharia da opinião positivista segundo a qual a afirmação da visão científica do mundo teria tornado inúteis as crenças religiosas. Estamos, de fato, assistindo nos países industrializados a uma proliferação de várias formas de espiritismo e, noutras realidades sociais, à afirmação de ameaçadores fundamentalismos. É necessário, portanto, criar as condições para iniciar um diálogo, superando preconceitos e absolutizações.
A singularidade da abordagem de Elkins à questão está na escolha de partir da experiência concreta de sua atividade como docente, o que o leva a descrever os diferentes posicionamentos sobre o tema, com a intenção de definir um léxico que possa ajudar os jovens artistas e seus professores quando se encontram falando de arte e religião. Ele identifica assim algumas palavras-chave, como, por exemplo, o termo "Numinoso", adotado por Rudolf Otto em seu famoso ensaio, O sagrado, de 1917, em que o estudioso alemão descreve, na teofania, a manifestação imediata do divino, que a linguagem não consegue expressar.
A incomunicabilidade do sagrado está intimamente ligada à teologia negativa de Dionísio Areopagita (século V/VI), para quem, sobre Deus, só podemos dizer o que não é. De fato, escapa a qualquer possibilidade humana de conceptualização.
É evidente que a sugestão das páginas de Dionísio pode nos levar a apreender alguns aspetos essenciais da cultura contemporânea, não apenas figurativa, da página branca de Mallarmé ao Silêncio 4'33 de Cage, para chegar a Ludwig Wittgenstein. Diversas expressões da arte visual carregam consigo a mensagem da teologia negativa, quando se pensa, por exemplo, no minimalismo. Para além de obras como a Capela de Santa Maria do Rosário de Matisse, em Vence, no modernismo, a religiosidade não é geralmente identificada na arte contemporânea com uma confissão. A tensão em direção à transcendência é expressa pela recusa, geralmente, da simbologia que no passado caracterizou a arte religiosa.
O pensamento não pode deixar de ir à capela aconfessional de Mark Rothko em Houston. Os monocromos e, portanto, a total ausência de figuração, representam o equivalente visual do silêncio sobre Deus que encontramos na teologia apofática de Dionísio e dos místicos, tanto no Ocidente como no Oriente. Também as 14 estações da Via Crucis de Barnett Newman, explicitam, de forma abstrata, a narração evangélica, como se o artista pretendesse expressar a sacralidade de sua mensagem, para além das imagens imediatamente reconhecíveis, codificadas tanto pela devoção quanto pela história da arte.
O cenário não muda na época pós-moderna, como demonstram, por exemplo, as intervenções em igrejas dos artistas italianos contemporâneos. Stefano Arienti decorou, entre outras, a catedral de Vigevano, a igreja de San Giovanni XXIII em Bergamo e a igreja de San Giorgio, em Martinengo.
Na escolha de se colocar no limiar entre a abstração e a figuração, emerge o desejo de ir além das fronteiras confessionais.
Na igreja de Santa Maria degli Angeli, em Ticino, a colaboração de Enzo Cucchi com Mario Botta abre um espaço de contemplação que privilegia a forma abstrata. A figuração da Via Crucis de Mimmo Paladino, concebida para a igreja de San Paolo, em Foligno, projetada por Massimiliano e Doriana Fuksas, não tem uma intenção narrativa, mas sim alusiva e simbólica.
Nas crucificações ou figurações que remetem a narrativas evangélicas de Nicola Samorì, o elemento conceitual sempre irrompe na trama figurativa de forma problemática. O artista atribui um valor religioso às suas obras, mas não as considera um convite à oração, nem um obstáculo à oração.
Uma situação muito diferente é a do artista armênio Rafael Megall, que traz consigo o patrimônio iconográfico do Oriente cristão. Os elementos que servem de fundo às imagens se mostram, ao mesmo tempo, como grades e como decorações que lembram símbolos da tradição cristã. Megall, no entanto, não concebe suas obras como religiosas. A partir desses exemplos entende-se como o caráter indizível do divino corresponde a dificuldades de encontrar imagens que possam representá-lo.
A experiência do sagrado, mais do que na beleza, revela-se no sublime, derrubando os limites da forma. É por isso que mesmo na figuração de um sujeito religioso o aspecto alusivo prevalece sobre a narrativa sem jamais anulá-lo.
A exigência de projetar locais de culto inter-confessionais, nos quais a expressão artística do divino contorna referências a tradições religiosas específicas, está ligada às condições específicas da cultura estadunidense. A ideia do ensaio de Elkins nasce justamente do tempo e do lugar em que foi concebido.
Se ele não estivesse hoje na América do Norte, em Chicago, escreve ele, o livro não teria sido escrito.
Na mistura de crenças presentes naquela realidade, continua, apenas um grupo se diferencia dos demais, e são os estudantes cristãos e, em particular, os católicos.
Segundo Elkins, a falta de diálogo sobre a relação entre arte e religião priva os artistas de instrumentos críticos. Torna-se necessário preencher o abismo que separa aqueles que consideram que a religião está constitutivamente ligada à criatividade daqueles que argumentam que o modernismo se identifica com uma forma de radical laicidade. Isso apesar de haver exceções, basta pensar no âmbito abstrato em artistas do início do século XX como Rotkho ou Kandinsky e contemporâneos como Sean Scully, Ross Bleckner, Anish Kapoor ou Peter Halley, só para citar alguns.
O autor acredita que todas as tentativas de encontrar um terreno de confronto nos diálogos com seus alunos desembocam na conclusão de que é "quase impossível colocar juntas arte e religião". Se é problemático fazer dialogar hoje arte e religião, parece certamente discutível a atitude de quem avalia negativamente uma obra se vê nela uma evidente inspiração religiosa.
Elkins conclui sua discussão retomando um ensaio de Maurice Blanchot, de quem ele parafraseia uma passagem, escrevendo que "Deus não pertence à linguagem da arte, da qual este nome contudo é parte, mas ao mesmo tempo, de uma forma que é difícil determinar, Deus ainda faz parte da linguagem da arte, mesmo que este nome tenha sido posto de lado”. Estamos diante de um tema tão fundamental quanto radicalmente aporético, portanto quase insolúvel, que exige ser enfrentado com um espírito dialógico, capaz de explicitar o equilíbrio theo-ethical, de que falava Habermas, num equilíbrio theo-aesthetic.
Em uma condição de pós-secularismo, em que a superação da contraposição radical entre laicidade e fé abriu um amplo espaço de confronto, as tensões religiosas e as paixões civis se entrelaçam sem que seja possível traçar uma fronteira clara entre elas. Nesse clima, o pluralismo exclui o monopólio da verdade. Uma laicidade madura, que não queira repropor esquemas ideológicos rígidos, não pode então condenar ao ostracismo as contribuições que uma espiritualidade difundida que, fora de todo espírito de cruzada, poderá oferecer às democracias, tanto no plano da criatividade e da experiência estética, como no plano ético-político.
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O estranho lugar da religião na arte contemporânea - Instituto Humanitas Unisinos - IHU