Breves do Facebook

Foto: Pixabay

04 Janeiro 2022

 

André Anlub

 

Via Cesar Benjamin

 

 

José Luis Fevereiro

 

Previsões de um ano atrás feitas pelos "economistas" do mercado financeiro. São uns pandegos. E ainda tem gente que os leva a sério.

 

 

 

Cesar Benjamin

 

Tenho recebido diferentes mensagens sobre o artigo que publiquei hoje na Folha de S. Paulo, chamado "A nação de vontade fraca". Várias dessas mensagens mostram que as pessoas não apreenderam o argumento central. Destaco, por isso, alguns trechos:

* * *

"Na moderna economia mundial, os países que enriqueceram acima da média são aqueles que dominaram atividades que operam com rendimentos crescentes, induzem maior divisão do trabalho, são mais propensas a absorver mudanças tecnológicas, se inserem em mercados imperfeitos, com grandes barreiras à entrada de competidores, e constituem fortes sinergias com atividades afins.

Nunca a edificação de uma economia desse tipo foi comandada por cegos impulsos mercantis. Ela sempre resultou de projetos que associavam a busca de riqueza e poder. [...]

A outra ponta do espectro foi historicamente ocupada pelos países pobres, cujas economias, girando em torno da agricultura e da mineração, reproduziram as características opostas, permanecendo, por isso, estacionadas em graus menores de produtividade e de complexidade.

É impossível transitar espontaneamente de uma configuração estrutural a outra, pois ambas se repõem e se reafirmam. [...]

Não nos iludamos: nosso lugar natural no sistema-mundo é muito periférico. O mundo quer de nós soja e outros alimentos, minério de ferro e outros minérios e, talvez, petróleo bruto, não muito mais do que isso. Tentamos alterar esse lugar no século 20, realizando um razoável esforço endógeno, mas nas últimas décadas perdemos a capacidade de fazer esse esforço. Tornamo-nos uma nação de vontade fraca, que aceita o lugar periférico que o sistema-mundo designou para nós. Esse é o pano de fundo da nossa infindável crise política e dos nossos estéreis debates em macroeconomia."

* * *

Ou seja, a crise brasileira é muito mais profunda do que normalmente se pensa. E a luta política atual, tal como vem sendo travada, não contém a possibilidade de sua superação.

Abraços,

Cesar Benjamin

 

Cesar Benjamin

 

O Facebook me traz um post de janeiro de 2018. Não mudo uma linha, mas faço uma ressalva: atualmente, Ciro Gomes tem feito um respeitável esforço para ultrapassar a limitação que aponto. Tornou-se uma exceção na política brasileira.

 

Rodrigo Petronio

 

Edward Osborne Wilson foi um desses humanistas com um amplo espctro de interesses e de atuações. Um naturalista do século XIX anacronicamente persistido no século XXI da tecnocracia e do corporativismo. Uma avis rara nos departamentos de ciências naturais e um pensador cada vez mais escassos nos meios acadêmicos. Como um dos proeminentes etólogos (estudioso de comprotamento anima) e entomologistas (especialista em formigas), Wilson deu contribuições científicas importantes nessas áreas. Mas a criação da sociobiologia e seus trabalhos sobre a diversidade da vida o alçaram a uma estatura imensa. Resumindo, dentro da teorias a evolução, há um confronto entre os defensores da seleção de grupo e a seleção de parentesco. Para a primeira, a coesão social determina a sobrevivência das espécies. Para a segunda, a seleção ocorre por mutações que levam milhões de anos e portanto a coesão social não é capaz de determinar essa sobrevivência ou a extinção. Durante décadas, nos dois polos do ringue, estiveram Wilson e o zoólogo Richard Dawkins como pugilistas. Para Dawkins, a seleção de grupo traria oculta uma ideia religiosa ou uma criptoteologia. Ou seja: a união dos seres em grupos coesos conduzia à sobrevivência-salvação. Não era isso que Wilson propunha com a sociobiologia, mas algo mais potente e ao mesmo tempo mais prosaico: a solidariedade. Destacou o conceito de solidariedade para a diversificação da vida e para a sobrevivência da espécie. Curiosamente, enquanto o “gene egotista” de Dawkins se torna obsoleto, o nome de Wilson não para de crescer. Adquire ressonâncias nas teorias da complexidade, nas teorias emergentistas e as novas biomorfologias. O seu conceito de consiliência também nos ajuda a superar alguns limites da teoria de Darwin, demonstrando não uma evolução isolada, mas uma coevolução, tanto das espécies em relação aos seus meios quanto das espécies entre si, conectadas em redes. A morte de Wilson deixa uma lacuna imensa. E, ao mesmo tempo, um movimento grande de valorização e de expansão de seu legado, por diversos pensadores contemporâneos. Em outras palavras, uma esperança digna de sua obra.

 

 

 

Dom Vicente Ferreira

 

 

 

Rudá Guedes Ricci

 

Centrão perde filiados, PSL encolhe e PT cresce.

 

 

 

Ademir Wiederkehr

 

JUREMIR É DEMITIDO DO CORREIO DO POVO

Toda a minha solidariedade ao amigo, professor da PUCRS, jornalista e escritor Juremir Machado da Silva, que acaba de comunicar que foi desligado na tarde desta segunda-feira do Correio do Povo, jornal que pertence ao Grupo Record do bispo Edir Macedo.

"Entrei no Correio do Povo em 1º de setembro de 2002. Hoje, fui demitido. O projeto de extrema direita bolsonarista não quer saber de pluralismo", postou Juremir no Facebook.

Certamente muitos leitores deixarão de ser assinantes. A coluna diária de Juremir vinha sendo uma das mais lidas na imprensa gaúcha. Aliás, muitos já estavam indignados quando ele foi demitido em agosto de 2020 da Rádio Guaíba, também da Record, onde apresentava o programa Esfera Pública com a jornalista Taline Oppitz.

A linha bolsonarista que comanda a Record não admite o debate, o pluralismo e o exercício do Jornalismo.

Perdem os leitores, perde o Jornalismo, perde a Democracia.

Leia aqui.

 

 

Juremir Machado da Silva

 

Minha queda na Guaíba começou quando me impediram de entrevistar Lula. Dez minutos antes de entrar no ar mandaram derrubar. Fiquei por temer que todo mundo fosse defenestrado.

 

Celso Augusto Schröder

 

Leio agora que Juremir Machado foi demitido do jornal Correio do Povo, tinha já sido demitido da Rádio Guaíba. Não vou elogiar de novo o meu colega nem fazer a defesa da sua permanência na imprensa diária gaúcha. Quero apenas denunciar esta empresa de pseudo jornalismo que na verdade exercita o fundamentalismo religioso e o fascismo no lugar da política. Não é possível que este tipo de organização político-financeira desfrutem do status de veículos de comunicação.

 

Moisés Mendes

 

Falei agora com Juremir Machado da Silva, demitido hoje do Correio do Povo, onde o avanço da extrema direita não para.

Conversamos sobre cinco ou seis assuntos de interesse da humanidade, incluindo a possibilidade de inventarmos algo juntos, que não é bolo sem glúten, nem cerveja sem álcool, nem roteiro para filme da Netflix.

Também não é uma excursão para Marte. O que será? Nem sabemos direito ainda. Mas algo iremos inventar.

 

Luis Felipe Miguel

 

As justificativas para a aliança Lula-Alckmin são várias.

Deixo de lado a risível reabilitação de Alckmin como "democrata" e mesmo "amigo dos pobres". E também o autoritário "cale-se, que Lula sabe o que faz", que nem é risível, é deplorável.
Há quem ataque os críticos, com um uso maroto dos escritos de Lênin sobre o "esquerdismo", que simplesmente ignora seja a brutal diferença entre os dois contextos, seja o sentido do que dizia o revolucionário russo.

Há a ingenuidade deliberada de afirmar que não importam nomes, mas sim o "programa", fingindo que não se sabe como é feita a política real.

Ou então é apresentada uma saudação à "volta da política", como se fazer política fosse sinônimo de uma geleia geral em que só importam as conveniências de momento - e, de quebra, como se o bolsonarismo não fosse, ele próprio, também uma forma de fazer política.

Há muitas formas de fazer política. Em algumas delas, princípios firmes não se confundem com intransigência. Diálogo não se confunde com capitulação. E, sobretudo, o reconhecimento das urgências do momento não leva, necessariamente, a abrir mão das perspectivas de futuro.

Na verdade, o que "volta" é uma compreensão do fazer político que o lulismo nunca abandonou - apenas deixou por um tempo em segundo plano, devido às circunstâncias. É a verdadeira "volta dos que não foram".

Trata-se de recusar qualquer enfrentamento, ceder sempre, aceitar todas as imposições da classe dominante, congelar a correlação de forças no pior ponto possível.

Tudo em favor de uma máxima - "mais vale um pássaro na mão do que dois voando" - que a história provou, agora mesmo em 2016, que é enganosa.

Alckmin é necessário para a vitória eleitoral de Lula? A resposta, certamente, é negativa.

Alckmin não tem partido, não tem bancada, não tem carisma.

Alckmin é necessário para a "governabilidade" do terceiro mandato de Lula? Sim, desde que se entenda "governabilidade" como a rendição às exigências da burguesia.

Não há um único apoio parlamentar que Alckmin faculte e que Lula não pudesse obter sem Alckmin. O que Alckmin na chapa indica é a disposição de Lula para não avançar - ou avançar muito pouco.

É a marca de que o novo governo irá, sim, agir para melhorar a situação dos miseráveis, mas com o máximo cuidado para que a estrutura de privilégios que impede a transformação do Brasil seja preservada a curto, médio e longo prazos.

Pensemos em quatro eixos fundamentais para o futuro do Brasil: a reconstitucionalização do país, a recomposição dos direitos da classe trabalhadora, a preservação do meio ambiente e a promoção dos direitos das mulheres, da comunidade LGBT, dos povos indígenas, da população negra.

Em cada um deles, o registro de Alckmin é negativo.

Foi um apoiador do golpe e da Lava Jato, defensor de todas as arbitrariedades cometidas contra o próprio Lula, propagador de tese canalha dos "dois extremos" em 2018, que há dois meses ainda negociava um acerto com o bolsonarismo para as eleições paulistas. Esteve a favor de todas as medidas de precarização do trabalho tomadas a partir do golpe de 2016. É o responsável pela existência de Ricardo Salles como figura pública, primeiro como seu secretário particular, depois como secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Está alinhado às correntes mais atrasadas do conservadorismo católico.

Estamos dispostos a deixar o freio de mão puxado em relação a todas estas pautas?

Sim, Lula será o candidato das forças progressistas e todos nós votaremos nele. E ele ganhou uma autoridade tal sobre seu próprio partido que, desejando enfiar um chuchu goela abaixo de todo mundo, enfiará.

Mas se ele é um líder político atilado, como de fato é, certamente será sensível ao desconforto que sua escolha gera entre seus liderados. Ou, ao menos, entre a parcela deles que ainda se julga com o direito de pensar com a própria cabeça.

Na verdade, creio eu, entre todos, mesmo os que professam fé cega em suas decisões. Tenho uma evidência anedótica, mas que me parece significativa.

Desde que comecei a escrever nesse Facebook, há cinco ou seis anos, há uma regra: cada vez que faço uma crítica ao Lula, perco dois ou três "amigos".

Qualquer coisa. Digo que não gostei da cor da gravata que ele estava usando, pimba! Duas ou três pessoas desfazem a "amizade".

Há semanas estou dizendo que a combinação com Alckmin é um tremendo erro e, até agora, ninguém cortou o laço.

Muitos comentam discordando, o que é próprio do debate; muitíssimos não curtem, muito menos compartilham. Mas a ruptura, que marcava a compreensão da crítica como absolutamente inaceitável, não houve mais.

(E, com isso, encerra-se o curto período sabático em que este perfil resistiu a qualquer comentário sobre a chapa com Alckmin.)

 

David Deccache

 

Consertar estragos na economia, para banqueiros e empresários, significa a manutenção do regime macroeconômico instalado no Brasil pós-2015 e constitucionalizado/ consolidado após o golpe. Significa a manutenção dos ataques trabalhistas, previdenciários e da austeridade fiscal.

 

 

 

David Deccache

 

Eu não estou dizendo que esse necessariamente será o rumo de um futuro governo Lula. Apenas constatando que os empresários e banqueiros citados tentam levar o futuro governo por esse caminho, inclusive disputando internamente os rumos do programa e o tipo de governabilidade.

 

Samuel Braun



Parece que está chegando ao fim minha missão dos últimos 18 meses, qual seja, repetir que não há chance alguma da distribuição de preferências políticas dos brasileiros garantir espaço para uma "terceira via". Foram meses ouvindo/lendo besteiras de torcedores dos políticos A ou B, teses estapafúrdias de que, independente da estrutura diagnosticada, iria sim surgir um terceiro pólo na eleição. A ciência tende sempre a vencer, mas tem um custo: fios de cabelo brancos e algumas pessoas bloqueadas.

Agora vamos à segunda e mais difícil missão: apontar pra mesma horda de gente ignorante - pretensamente de esquerda, cheia de convicções siamesas daquela de que haveria uma 3ª via, que não se esforça por estudar a ciência política e acredita em qualquer corrente de zap sobre frente ampla - que pelos menos motivos pelos quais não há terceira via ao centro, não há ganho algum na candidatura da esquerda rumar nessa direção, quanto mais fazer aliança com a direita.

Recomendo inicialmente a leitura de Luis Felipe Miguel sobre os desatinos de uma inútil chapa Lula-Alckmin e reproduzo o comentário de David Deccache sobre o interesse dos banqueiros em Lula:

"Consertar estragos na economia, para banqueiros e empresários, significa a manutenção do regime macroeconômico instalado no Brasil pós-2015 e constitucionalizado/consolidado após o golpe. Significa a manutenção dos ataques trabalhistas, previdenciários e da austeridade fiscal."

Deveria ser óbvio que quando até a Faria Lima desiste de seu nome e passa a clamar por uma aliança com o candidato do pólo esquerdo, a última coisa que a esquerda precisa ou deve fazer é realizar essa aliança. Ora, se nas eleições pulverizadas e apertadas o conselho dos centristas é ir até eles, como pode no oposto, numa eleição polarizada e francamente favorável a um pólo, o remédio ser o mesmo? São obviedades que independem de estudo sistemático da ciência política, cobram só bom senso e tirar a venda ideológica liberal.

  

Rodrigo Petronio

 

Quando o assunto é Duna, há anos vivo tensionado entre o desastre cômico da versão de David Lynch e a expectativa de uma possível obra-prima que possa sair dos lendários storyboards de Jodorowsky. Nesse contexto, achei o Duna de Villeneuve brilhante. Os efeitos visuais e a construção do universo de Frank Herbert são um caso à parte. Uma beleza ímpar. Os impasses de um mundo que vive entre o deserto e a expansão intergalática, entre a escassez e o imperialismo são projeções futuras de um presente iminente. Não por acaso, uma das singularidades de Herbert no contexto da ficção científica é seu grande projeto terraformar uma ecologia futura. Algumas coisas me incomodam ne universo. E me incomodaram no filme. As lutas de tropas infinitas à maneira medieval, com espadas e armaduras, em um dos tempos mais distantes dos tempos futuros da sci-fi nunca me convenceu. E acaba sendo um residual que atrapalha o filme. Contudo, todo resto brilha: a clara e bem construída jornada de amadurecime herói, a ascensão dos poderes matrilineares, o mundo paralelo dos habitantes de Arrakis, os signos de revelação do salvador, os elemntoa da natureza ressignificados, a conexão entre o arcaico profundo e o profundo futuro. Acima de tudo, duas coisas: a relação entre acaso e manipulação, eleição e destino. Isso confere uma ambiguidade quase trágica ao protagonista. E a própria concepção ecossistêmico dos mundos futuros criada por Herbert. A ascensão das forças não-humanas é um dos temas centrais da sci-fi e da ficção especulativa.

Seja como o Cthulhu de Lovecraft. Seja como HAL. Seja como o Solaris de Lem. Embora os vermes adquiram destaque merecido, a cosmologia ecossistêmica de Herbert não se funda apenas em uma entidade, seja ela orgânica ou artificial. Funda-se sobre a ideia animista de que todos os elementos da natureza possuem agência. E Villeneuve conseguiu captar essa pedra fundadora do universo. Nesses termos, Duna não é apenas uma das mais atuais narrativas de sci-fi. É também uma das mais perenes.

 

 

 

Eduardo Valença

 

 

 

Etty Hillesum, un nuovo senso delle cose

 

"Ci sono dei momenti in cui mi sento come un uccellino nascosto in una grande mano protettiva"

 

  

Denise Fonseca

 

Com Luís Corrêa Lima.

 

“Fujam dos padres rígidos! Eles mordem!” (Papa Francisco, 2015).

E eu completaria, humildemente: “Busquem os padres misericordiosos! Eles libertam e salvam!”

Teologia e os LGBT+, do Padre Jesuíta Luís Corrêa Lima nos leva, com coragem, para as fronteiras humanas mais dolorosas e ali nos reinicia na fé Cristã e Católica.

Com este livro, que dispensa adjetivos, Pe. Luís com sabedoria e conhecimento, abre portas a sapatadas, talvez tão duras quanto as que ele mesmo certamente já experimentou em círculos Católicos mais conservadores.

Deveria ser leitura obrigatória de muitas militâncias de resistência social - de gênero, sociais, raciais e afins - porque ensina que história é processo - improvável equilíbrio entre permanência e rupturas - e que doutrinas, por mais vigorosas e estabelecidas que sejam/estejam, são construções humanas datadas e contextualizadas! Um dia elas mudam ou perdem a sua validade!

Fujamos dos anacronismos, eduquemos a nossa fé, libertemos o sopro divino do Espírito das garras destruidoras do obscurantismo!

 

  

Faustino Teixeira

 

Arnaldo Antunes e Vitor Araújo ecoam a Covid em disco contra a era TikTok

'Lágrimas no Mar' reflete sobre o confinamento com profundidade ao falar de solidão e fins de relacionamentos

3.jan.2022 às 15h00
FSP

Lucas Nobile

Na era da ultrainformação, em que tudo parece exigir a efêmera duração de um story, de um meme ou de uma dancinha no TikTok, a arte que mais caiu nessa dinâmica pós-moderna foi a música.
Com a dominância dos singles, dos feats e dos EPs, produzir e lançar um disco hoje já é quase um ato contracorrente. É preciso ter assunto, em letra e música, para ir além da página dois. E isso Arnaldo Antunes e Vitor Araújo, que acabam de lançar um álbum juntos, têm de sobra.

"Lágrimas no Mar" é um disco que reflete seu tempo. Dentre algumas razões, por não ser um álbum festivo. E há beleza e introspecção nisso, não necessariamente tristeza. Afinal, num cenário de pandemia, quem não passou por instabilidades emocionais? Antunes e Araújo conseguem tratar disso com profundidade, mas sem deixar que o disco soe pesado.

Temas tão reais quanto familiares a todo ouvinte —isolamentos, distanciamentos, solidão, fins de relacionamentos, ruídos de comunicação— perpassam o álbum nas composições inéditas de Arnaldo Antunes —só ou com diferentes parceiros— e nas regravações de canções de autoria dele mesmo ou de outros autores.

Entre as criações dos outros compositores essa temática fica evidente. Tanto no clássico "Como Dois e Dois", de Caetano Veloso ("tudo em volta está deserto, tudo certo/ tudo certo como dois e dois são cinco"), quanto no haikai poético-sonoro "Fim de Festa", pintado por Itamar Assumpção em apenas quatro versos –"meu amor por você chegou ao fim/ é tudo que tenho a dizer/ também não precisa sair assim/ espere o dia amanhecer".

Nas inéditas, a mesma marca que faz de Antunes um grande poeta – genial por ser acessível. Acessível por ser genial. E faz isso ora descrevendo uma cena trivial em "Enquanto Passa Outro Verão" ("ou se olha tanta tela que não mira mais janela/ quando passo enquanto passa outro verão"), ora versando sobre o ciclo vital dos mamíferos —e existencial dos humanos— em "Umbigo" ("mamíferos têm um redemoinho/ lembrança do cordão umbilical/ é como o ninho de um passarinho/ trançado por seus pais em espiral"). Ambas foram feitas em parceria com Cézar Mendes.

O disco ganha leveza com a participação de Marcia Xavier, que divide o canto com Antunes em "Como Dois e Dois" e em "Umbigo", e de Pedro Baby, que toca violão de náilon e guitarra em "Lágrimas no Mar".

Ainda que mais da metade do álbum não seja composta por canções inéditas, no encontro entre o poeta paulistano e o pianista pernambucano tudo soa novo de novo. E aqui não se pode deixar de falar sobre a atuação de Vitor Araújo.

Mais do que um acompanhador, Araújo é capaz de apresentar um piano com a exuberância de um virtuoso, um piano com a economia de um arranjador, um piano com a técnica limpa de um concertista, um piano de experimentador que explora recursos e sonoridades do instrumento que vão muito além das convencionais.

Tudo isso no mesmo disco; às vezes, numa mesma música. Mais do que se limitar a levadas e conduções tradicionais, Araújo vai deslindando faixa a faixa mudanças de dinâmica e brincadeiras inventivas com as divisões. Constrói climas e atmosferas sonoras que parecem pequenas trilhas sonoras cinematográficas. Tem o entendimento para entregar nada a mais, nada a menos do que aquilo que a composição pede.

Maturidade e excelência que contribuem para dar novos sentidos a canções consagradas de Antunes. Isso está, por exemplo, no lirismo da introdução arpejada de "Longe" (de Arnaldo Antunes, Betão Aguiar e Marcelo Jeneci); na densidade dramática de "Manhãs de Love" —cujos caminhos melódicos e encadeamentos harmônicos têm a impressão digital inconfundível de Erasmo Carlos; nos ares eletrônicos de um Kraftwerk em São Paulo para acompanhar o frenesi mental atormentado do personagem protagonista de "Fora de Si", outro clássico do cancioneiro do artista.

Em faixas como esta última, ao ouvir as linhas de baixo e intervenções percussivas, temos a impressão de que há mais instrumentistas tocando na gravação. Mas, não, é apenas um piano.
Num encontro que resulta em algo diferente do que eles mesmos já haviam feito anteriormente em suas trajetórias, Arnaldo Antunes e Vitor Araújo jogam em "Lágrimas no Mar" no mesmo time do poeta Manoel de Barros. Não gostam nem de palavra nem de som acostumado.

 

  

Rafael Arosa de Mattos

 

Via Cesar Benjamin

A geopolítica e o mercado do lítio

 

 

Há milhões de anos, erupções vulcânicas trouxeram minerais do interior da Terra e os depositaram na superfície. Um desses minerais que tem recebido especial atenção e cobiça é o lítio.

O Lítio deriva da palavra grega pedra (lithos), pois, quando foi descoberto no século XIX, acreditava-se que o só ocorria nas pedras conhecidas como pegmatitas – uma rocha magmática intrusiva, ou seja, formada pelo resfriamento de magma após erupções vulcânicas, porém, ainda dentro da crosta terrestre.

Esse mineral é utilizado há décadas nas ligas metálicas de alumínio, em graxas lubrificantes, em bombas e foguetes, na medicina (medicamentos para depressão e transtorno bipolar) e, principalmente, na indústria elétrica e eletrônica (produção de pilhas e baterias elétricas, como celulares, notebooks e carros híbridos/elétricos).

O lítio é um metal leve e o mais eletropositivo dos elementos metálicos, por isso seu potencial para armazenar energia em baterias elétricas.

Nos anos 1970, John Goodenough, pesquisador de materiais na Universidade do Texas, conseguiu construir uma bateria elétrica usando lítio e cobalto. Ainda não era eficiente o suficiente para ser comercializada, mas era uma tecnologia promissora.

Nos anos 1990, empresas como Sony e Motorola usaram as ideias de Goodenough para desenvolver as primeiras baterias comerciais de lítio, revolucionando o setor de itens eletrônicos. As baterias de lítio foram fundamentais para o desenvolvimento de aparelhos celulares leves e pequenos. Em pouco tempo, o Lítio passou a ser utilizado em larga escala na fabricação dessas baterias elétricas na telefonia móvel e na informática.

Atualmente, o lítio tem sido explorado na indústria automobilística. Por muitos anos, o desafio era desenvolver uma bateria que tivesse peso e tamanho compatível com um automóvel e ao mesmo tempo mantivesse uma autonomia energética ideal. Nos últimos anos essa tecnologia se tornou realidade e carros elétricos, apesar de ainda caros, já são vistos nas principais metrópoles mundiais.

Com a disseminação dos carros elétricos, o Lítio poderá suceder o petróleo como o principal combustível mundial.

Além dos carros elétricos, a expansão de energias renováveis a partir da matriz eólica e solar também dependerá cada vez mais de uma capacidade de armazenamento descentralizado de energia em módulos com baterias de lítio.

Até os anos 1980, quase todo o lítio explorado se encontrava nos EUA, na Europa (principalmente Alemanha) e na Austrália (hoje a maior produtora mundial). Há uma pequena exploração de lítio também no Brasil, em Minas Gerais, realizada pela Companhia Brasileira de Lítio. China, Canadá, Rússia, Afeganistão e Zimbábue são outros países com exploração de lítio. Em todas essas regiões o lítio é encontrado como um componente da rocha pegmatita.

No Afeganistão, as reservas conhecidas já são relevantes apesar de ainda não exploradas. No entanto, a insegurança do território afastou até aqui investigações mais profundas sobre o real tamanho das reservas de lítio. Analistas acreditam que a recente aproximação do governo Taleban com a China pode abrir caminho para uma exploração mineral em solo afegão.

Se o Taleban oferecer condições de segurança, é possível que a China seja capaz de cruzar a fronteira - com maquinário, pessoal treinado e infraestrutura - para iniciar uma produção de minérios com potencial ainda desconhecido, mas certamente relevante. O Afeganistão poderia ajudar a China a obter maior segurança de abastecimento do lítio a uma distância muito mais próxima, dentro de sua zona de influência geopolítica e reduzindo a importação de produtores da América Latina e da Austrália.

No entanto, quando pensamos nas reservas mundiais de lítio, temos que destacar uma região da América do Sul conhecida como “Triângulo do Lítio”: Argentina, Bolívia e Chile possuem em torno de 70% das reservas conhecidas de lítio no mundo. Nesta região, o lítio é encontrado dissolvido em soluções impregnadas de sal. Os salares andinos são terras que há milhões de anos eram cobertas por oceanos e, com a formação geológica dos continentes, acabaram secando e formando grandes desertos de sal. O lítio se encontra dissolvido abaixo da grossa crosta de sal.

Ainda nos anos 1980, as duas principais empresas americanas do setor transferiram a produção de lítio para o deserto do Atacama (Chile) e para o Salar del Hombre Muerto (Argentina).

O Chile tem sua economia dependente da exploração mineral no Atacama há mais de um século. No início era o salitre que era exportado pela sua capacidade de fertilizar as terras agricultáveis da Europa. Depois o Cobre se tornou e ainda é o principal produto de exportação do país. Hoje o Chile já foca na produção do lítio e já é o segundo maior produtor mundial, atrás apenas da Austrália. Inclusive, uma das maiores empresas de exploração de lítio no mundo é a chilena SQM - Sociedad Química e Minera de Chile S.A – de origem estatal e privatizada nos anos 1980. As outras empresas que dominam o mercado de lítio são dos EUA, Alemanha, China e Austrália.

Chile e Argentina estão entre os maiores produtores mundiais de lítio, no entanto, tudo indica que a maior reserva andina de lítio esteja nas planícies de sal do sudoeste da Bolívia, principalmente no Salar de Uyun: Um deserto de sal com mais de 10 mil Km2 que pôde ser visto da Lua por Neil Armostrong.

Há décadas o Salar de Uyun recebe turistas aventureiros em busca da paisagem incrível que parece um mar congelado. O Lítio da região foi descoberto nos anos 1980 e os próprios camponeses da região pediram para que o mineral fosse explorado. Contudo, a exploração não decolou até agora. Nos anos 1990 um contrato foi feito com uma mineradora dos EUA mas ocorreu rapidamente um impasse: A sociedade boliviana manifestou enorme descontentamento com o valor pago pela mineradora pelo direito de exploração, enquanto a empresa alegava que os custos de exploração eram altos demais devido a ausência de infraestrutura na região, a necessidade de retirar impurezas encontradas no salar e as dificuldades de exploração mineral a quase 3700 metros de altitude. Assim, a mineradora Lithium Corporation of America transferiu sua operação para a Argentina.

Nos anos 2000, dentro de um contexto de nacionalização dos recursos naturais, o presidente Evo Morales iniciou um projeto-piloto estatal de exploração no Salar de Uyuni. A promessa do governante era que a Bolívia não seria apenas uma exportadora de matéria-prima, mas iria ter sua própria produção de baterias e até carros elétricos. O sonho de Morales ainda está bem longe de ser realidade. A Bolívia não possui capacidade técnica para explorar o salar de forma rentável, muito menos produzir baterias e carros elétricos.

Morales determinou que qualquer empresa multinacional que desejasse explorar o lítio boliviano deveria fazer em conjunto com a empresa mineradora nacional da Bolívia, a Comibol, e com a Yacimentos de Litio Bolivianos (YLB), sua empresa nacional de lítio, transferindo conhecimento e repartindo lucros. Diversas empresas não conseguiram chegar a um acordo com o governo boliviano, inclusive a Tesla, do bilionário Elon Musk, entusiasta dos automóveis elétricos - em caso que ganhou repercussão internacional pela ingerência do americano na política conturbada da Bolívia.

Nos últimos anos houve uma aproximação do governo boliviano e a China – com exceção de um curto período entre a deposição de Morales em 2019 e a posterior volta de seu partido ao poder em 2020. Os chineses já são investidores na mineração de lítio no Chile e na Argentina e são apontados como favoritos para explorar o mineral na Bolívia.

O leste asiático é o destino da maior parte do lítio mundial. China, Japão e Coreia do Sul produzem em torno de 90% das baterias de lítio do mundo. A China vem anunciando regularmente a sua intenção de se tornar líder mundial na fabricação de carros elétricos, tornando-se o grande consumidor no mercado de lítio.

A história mundial e, mais especificamente do capitalismo globalizado, nos fornece exemplos e reflexões sobre os interesses de potências nos recursos naturais estratégicos e os riscos da exploração predatória em países periféricos, criando dependências, vulnerabilidade, desigualdades e impactos socioambientais que atingem sobretudo povos com modos de vida tradicionais. É fundamental analisar e compreender o mercado e a geopolítica do lítio tendo estas reflexões no horizonte.