21 Dezembro 2021
O cardeal George Pell disse que ele não desejava nenhum mal para o homem que o acusou de assédio sexual e que acabou lhe enviando a 13 meses de prisão, mas ele ainda que saber por que o Vaticano enviou mais de 2 milhões de dólares para a Austrália no período do seu julgamento.
A reportagem é de Christine Rousselle, publicada por Catholic News Agency, 17-12-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Pell, arcebispo emérito de Sydney e prefeito emérito da Secretaria para a Economia do Vaticano, foi solto da prisão em 07 de abril de 2020, depois que a Suprema Corte Australiana declarou, de forma unânime, que o júri que o julgou em 11 de dezembro de 2018, concluiu que não era culpado para além de uma dúvida razoável.
Pell foi inicialmente declarado culpado de assediar sexualmente dois garotos de coral em 1996, o que ele sempre negou. Ele esteve cumpriu 13 meses de uma sentença de 6 anos.
Desde que foi liberto, Pell publicou seus diários da prisão em uma série de volumes. Seu último, “Prison Journal, Volume 3: The High Court Frees na Innocent Mann”, foi publicado pela Ignatius Press em 02 de novembro de 2021.
O livro contém reflexões de Pell sobre seu tempo na prisão, o qual ele passou no maior tempo em confinamento solitário. Ele agora divide seu tempo entre Roma e Sydney. Ele falou à CNA no início de dezembro quando promovia seu livro nos EUA.
“Nós tem uma questão básica não respondida”, disse Pell à CNA em entrevista por telefone. “Nós sabemos – isso já foi confirmado pelo cardeal Angelo Becciu – que 2,3 milhões de dólares australianos foram enviados da Secretaria de Estado do Vaticano à Austrália”.
Dom Alberto Perlasca, que trabalhava na Secretaria de Estado do Vaticano, disse que os recursos foram enviados para a Conferência Episcopal Australiana para os gastos de Pell durante seu julgamento e prisão.
A Conferência dos Bispos Australianos, no entanto, questiona essa alegação e diz que não receberam o dinheiro.
“A Conferência dos Bispos diz que ‘nenhum dinheiro chegou. Certamente, nós não o recebemos’”, disse Pell. “Então as questões não respondidas são: se o dinheiro não foi gasto para o meu caso, então por que foi enviado?”.
Pell disse que se “uma boa razão pode ser dada” do porquê os fundos terem sido enviados à Austrália, “então podemos continuar com nossa vida e investigar outras direções”.
“Mas essa é a maior questão sem resposta. E então eu disse, cardeal Becciu confirma: aquele dinheiro foi gasto, e ele acredita que não é da minha conta o porquê foi gasto”.
O cardeal estava inapto a explicar porque Becciu caracterizaria o dinheiro enviado para a suas despesas como “não é da sua conta”.
Pell disse que seria “muito bom resolver” o assunto dos recursos serem transferidos para a Austrália, e está procurando toda resposta para isso.
“Eles podem apenas dizer, ‘bem, isso foi enviado por isso, aquilo e aquela outra coisa’, nós saberíamos ‘muito bem’ e seguiríamos nossas vidas”, disse.
A primeira apelação de Pell para a Suprema Corte foi negada por 2-1. Desalentado, ele não quis seguir com mais apelações.
Nunca foi o plano escrever sobre isso na prisão, disse à CNA. Ele não pensava que alguma situação assim começaria.
“Eu percebia que isso era um pouco incomum para cardeais preso nas democracias ocidentais, então, você sabe, as pessoas poderiam estar um pouco interessadas sobre como isso funcionava”, disse Pell, sobre a decisão de publicar seus diários.
“Eu nunca sonhei que seria declarado culpado”, falou à CNA. “Eu sabia que nada havia acontecido e não havia nenhuma testemunha para apoiar a acusação”.
Um dos meninos dos quais Pell foi acusado de ter abusado morreu em 2014, de overdose de heroína, aos 30 anos. Ele nunca relatou que foi abusado.
O acusador sobrevivente “mudou sua história 24 vezes” durante o curso do julgamento, disse Pell.
Apesar disso, Pell falou à CNA que ele “nunca sentiu qualquer grande antagonismo contra o acusador”.
“Eu nunca o encontrei, nem mesmo quando ele era do coral”, disse. Pell descreveu seu acusador, que ele viu por vídeo, como uma “pessoa ferida, preocupada”.
Em uma entrevista ao National Catholic Register, Pell disse que havia perdoado seu acusador e que havia tomado a decisão consciente de perdoá-lo.
“Percebi que tudo o que mais era verdade sobre ele, ele sofreu durante a vida”, disse Pell ao Register. “Quando ele deu depoimento, pensei que ele não estava particularmente junto”.
Olhando para o futuro, Pell disse à CNA que, embora ele gostaria de ver algum tipo de inquérito sobre seu caso e como o erro judiciário foi permitido por tanto tempo, ele não vê isso acontecendo.
“Eu gostaria de receber tal inquérito”, disse ele. “Mas, embora o atual governo permaneça no poder no estado de Victoria, não consigo ver isso acontecendo”.
Pell reconheceu que, no passado, “as autoridades estavam muito relutantes em acreditar que os reclamantes falavam a verdade” sobre o abuso sexual clerical. “E isso estava muito errado”.
“E agora, eu acho, o pêndulo oscilou muito na direção oposta. E algumas pessoas tendem a acreditar que a pessoa deve ser culpada se tal pessoa for acusada [de algum tipo de crime]”.
Isso resultou no que Pell chamou de “uma quantidade considerável de injustiça”, como “não há justiça para uma das partes se não houver justiça para todos”.
Ele disse que há necessidade de “um mecanismo para que as pessoas que foram abusadas possam reclamar e tenham suas reclamações tratadas com justiça e sensibilidade, e tenham acesso a compensação e aconselhamento”.
“Mas também, parte disso, e isso, pode ser muito difícil”, disse ele. “Deve haver justiça também para aqueles que são acusados – e no mundo de língua inglesa, a tradição de ‘inocente até que seja provado ser culpado’ e a necessidade do devido processo é, penso eu, muito, muito importante”.
Essas políticas são “uma garantia de civilização, para que não sejamos governados por turbas de linchamento”, disse Pell.
Todas as outras acusações contra Pell foram rejeitadas devido à falta de provas.
Pell observou que tanto a prisão quanto sua experiência como seminarista antes do Vaticano II o prepararam bem para os confinamentos de combate à propagação do coronavírus.
“Estou bem e verdadeiramente preparado para a liberdade, não foi preciso muito ajuste e ajudou o fato de que vim para um mundo sob as regulações da covid”, disse ele.
“Tenho dito que minha vida no seminário pré-Vaticano II me preparou bem para o isolamento da prisão, e o isolamento da prisão me preparou para o mundo da covid-19”.
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Cardeal George Pell para Becciu: para o que era aquele pagamento de 2 milhões de dólares? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU