“O trabalhador da logística e do transporte simboliza o trabalhador moderno”. Entrevista com David Gaborieau

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14 Dezembro 2021

 

Sociólogo na Universidade de Paris e no laboratório Cerlis, David Gaborieau interessa-se há uma década pelos trabalhadores da logística e do transporte. Ele explica como, nas “fábricas de encomendas”, este novo mundo dos trabalhadores passa por condições de trabalho degradadas e um status pouco valorizado, e como a sociedade começa a se dar conta disso.



A entrevista é de Matthieu Jublin, publicada por Alternatives Économiques, 10-12-2021. A tradução é de André Langer.

 

Eis a entrevista.

 

Quantos são os trabalhadores da economia da entrega?

Existem dois tipos principais de trabalhadores nesta economia: os da logística e os do transporte. Logística compreende o manuseio das embalagens, sua triagem, etiquetagem e despacho, em armazéns de tamanhos variados. Isso representa mais de 800.000 trabalhadores. Os trabalhadores do transporte, por outro lado, também são um ofício de trabalhador, mas não um ofício de fábrica. Eles costumam trabalhar sozinhos, mas com controle rigoroso, principalmente por GPS. Entre eles, estão os transportadores clássicos (os caminhoneiros) e, nos últimos anos, os entregadores, que trabalham com veículos motorizados ou de bicicleta. Se combinarmos a logística e o transporte, isso representa 1,5 milhão de trabalhadores, ou seja, um quarto do mundo do trabalho na França, e seu número vem aumentando desde os anos 1980.

 

 

Em comparação com os trabalhadores “tradicionais”, quais são as condições de trabalho e a situação desses trabalhadores da logística e do transporte?

Esta situação é bastante degradada em termos de condições de trabalho, salários, proteção social e sindicalização. Em primeiro lugar, o setor é relativamente novo, portanto sua estruturação está incompleta. A convenção coletiva da logística remonta apenas a 2004 e não é aplicada sistematicamente nos armazéns. Algumas empresas aplicam a convenção do comércio, ou do transporte, que consideram mais vantajosa para elas.

A outra fonte de instabilidade, em comparação com o mundo clássico dos trabalhadores, é que a força de trabalho é muito mais fragmentada: a maior parte do emprego em logística está concentrada em armazéns de pequeno ou médio porte, com vários níveis de subcontratação. Como os trabalhadores ganham menos e as condições de trabalho são mais duras, a rotatividade é maior e as dificuldades para se engajar na luta sindical são maiores.

No geral, não há vontade de defender uma profissão que seria vista como motivo de orgulho. A taxa de sindicalização na logística é de apenas 4%, ante uma média de 10% dos trabalhadores em geral.



Entre o transporte de cargas pesadas, a caminhada ou o barulho, há, no entanto, motivos para protestar?

Sim, historicamente, esses são ofícios físicos, com o transporte de cargas repetitivo. Além disso, ao contrário da fabricação de produtos manufaturados, há pouca tecnologia na logística e menos ofícios técnicos.

Apesar de tudo, o setor vive ondas de modernização nos últimos vinte anos. Anteriormente, os armazéns eram locais de trabalho bastante degradados. Os softwares de gerenciamento profissional, usados para rastrear pacotes e automatizar o gerenciamento dos estoques, vieram primeiro. Em meados da década de 2000, surgiram as tecnologias que conectam esse software aos trabalhadores: comandos de voz, fones de ouvido com voz digital que dá as instruções, telas sensíveis ao toque que indicam os locais ou cronômetros que indicam o tempo alocado para a busca de um produto.

Essas tecnologias levam a mais repetitividade nas tarefas que requerem menos conhecimento e autonomia. Eles também irão acelerar e intensificar o trabalho. Por exemplo, o comando de voz aumenta a produtividade nos armazéns em 10% a 15%.

Por fim, o trabalho passa a ser individualizado – não há mais necessidade de intercâmbio com os colegas – e um controle do trabalhador é estabelecido, pois essas tecnologias permitem um monitoramento preciso da atividade.



Como os trabalhadores vivenciam essa crescente robotização dos armazéns?

Costumamos falar de robotização ou de automação, mas seria melhor falar de digitalização, porque é mais um verniz digital. E também podemos falar de mecanização com o advento das esteiras rolantes. No entanto, não observamos o desaparecimento geral das tarefas penosas, mas, pelo contrário, uma deterioração de certas formas de trabalho.

A taxa de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais explodiu a partir do início dos anos 2000, aproximando-se dos índices dos trabalhadores da construção civil, a maior. Dados do Instituto Nacional de Pesquisa e Segurança mostram que, depois de quatro a cinco anos de trabalho, os trabalhadores começam a apresentar uma série de patologias. Eles não sofrem de uma doença em particular, como a silicose no caso dos mineiros, mas dores lombares, desgastes nas articulações... Dos 35-40 anos, alguns trabalhadores têm dificuldade em abrir um pote de geleia ou não conseguem mais carregar seu filho. Não são as empresas que arcam com este custo social extremamente importante, mas a sociedade.

 

 

Podemos falar de um mundo dos trabalhadores sem consciência de classe trabalhadora?

Por um lado, a França experimentou uma diminuição da parte dos trabalhadores ligados à fábrica manufatureira clássica. Mas, por outro lado, tem assistido ao desenvolvimento deste novo mundo dos trabalhadores ligado ao transporte e à logística. Para simplificar, quando mudamos para produzir bens longe e depois os importamos, criamos uma enorme necessidade de logística. Os trabalhadores dos países ocidentais não produzem mais objetos, mas fluxos. E os trabalhadores desse setor têm dificuldades para se identificar com um mundo de trabalhadores unificado. O fato de não fabricar nada é mais difícil de valorizar socialmente, mesmo que a crise da saúde tenha mudado essa percepção e destacado sua utilidade.



Você também mostra que o mundo da logística está começando a ser representado na cultura, principalmente no rap.

No mundo da pesquisa ou da mídia, demorava-se muito para focar na logística. Mas em outros mundos culturais, especialmente no rap, esse interesse se manifestou muito antes, pois os rappers estão mais ligados às classes populares.

A partir do início da década de 1990, os termos “armazém”, “logística” ou “paleta” substituíram na cultura popular imagens ligadas ao operário automobilístico da Renault Billancourt ou da Peugeot Sochaux, que havíamos encontrado anteriormente. Essa substituição ocorre quase imediatamente após a transformação social, já que os rappers trabalharam em armazéns ou conhecem pessoas que trabalham lá. Quando você vive nas classes populares urbanas, o armazém é uma experiência compartilhada.

 

 

Este é o mesmo fenômeno cultural que aconteceu com o símbolo do colete amarelo?

Sim. A logística já estava ancorada no espaço popular e foi imediatamente expressa pelo uso do símbolo do colete amarelo, mas também pelos modos de ação: o bloqueio de rotatórias e de armazéns logísticos da Amazon ou de empresas terceirizadas menos conhecidas. O símbolo da paleta também tem sido amplamente utilizado. Sem esquecer o Fenwick [marca de empilhadeira, nota do editor]: vimos ainda uma máquina de logística conduzida por um condutor de empilhadeira quebrando a porta de um ministério...

Agora, os movimentos ambientalistas também começam a bloquear zonas de logística. A figura do trabalhador da logística está emergindo até no cinema, na literatura ou no teatro. Ele simboliza cada vez mais o trabalhador dos tempos modernos.

 

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