A valentia de Jeannine Gramick no trabalho com pessoas LGBTI+

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13 Dezembro 2021

 

"Esse novo cenário incentiva o florescimento de novos grupos formados por e para pessoas LGBTI+ em comunidades católicas, bem como a ampliação das vozes dos grupos que já existem há décadas. Coletivo que praticam o acolhimento, adotando uma perspectiva dialogal, deixando de lado a habitual carga condenatória a pessoas com sexualidades e identidades de gêneros diferente na  norma", escreve Jeferson Batista, jornalista, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC-Campinas, mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e doutorando na mesma área. É integrante da Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT e do Diversidade Católica Campinas.

 

Eis o artigo. 


Há em alguns espaços — dentro e fora da Igreja Católica Apostólica Romana — a visão de que o papa Francisco, à frente do catolicismo romano desde 2013, é mais aberto ao diálogo diante de temas morais e sociais de fronteiras. Com sua proposta de construir uma “Igreja em saída”, o pontífice argentino tem, de fato, dado sinais claros às católicas e aos católicos de que o texto  doutrinário, muitas vezes árido, merece ser confrontado com as realidades sociais, tomadas pela humanidade. É dentro de um novo projeto de Igreja, diferente do projeto de seus dois antecessores, João Paulo II e Bento XVI, que o líder católico faz acenos para pessoas católicas LGBTI+ e seus aliados no sentido de mostrar que o ostracismo e a exclusão não são o único destino para este grupo social. Pelo contrário, com papa Francisco, este grupo passa a ter seus dons visibilizados dentro da Igreja.

O mais recente destes acenos são as duas cartas enviadas pelo Papa Francisco ao Ministério New Ways este ano, quando se referiu à irmã Jeannine Gramick, uma das fundadoras do movimento  como "uma mulher valente" que sofreu muito por seu trabalho. O Ministério New Ways é um grupo de acolhimento católico para gays e lésbicas, fundado em 1977, nos Estados Unidos.  

O trabalho pastoral de Jeannine Gramick no ministério causou uma reação negativa em lideranças da Igreja Católica em seu país e a questão chegou ao Vaticano, estendendo-se por pelos menos três décadas.

Em 1999, ela e outro religioso foram notificados pela CDF (Congregação para Doutrina da Fé), ainda sob o comando do cardeal Joseph Ratzinger, doravante Bento XVI. A notificação descrevia as diversas acusações feitas por parte do Vaticano contra a religiosa e afirmava que ela não poderia desenvolver mais atividades em prol de pessoas lésbicas e gays como uma religiosa católica. Segundo a CDF, sua prática pastoral não se adequava aos ensinamentos da Igreja sobre a temática. Sendo assim, ela estaria proíbida, de forma permanente, de exercer qualquer atividade pastoral em favor das pessoas homossexuais.

Temendo repressões do Vaticano, sua congregação de origem, Irmãs de Notre Dame, não pode mais dar suporte a ela. Porém, Jeannine Gramick foi aceita em outra congregação e passou a fazer parte das Irmãs de Loreto. A religiosa afirma em entrevistas que a pressão era grande por parte de religiosos e de leigos estadunidenses, que pediam seu desligamento da Igreja Católica, já que ela  não deixou de desenvolver seu trabalho no New Ways, ainda que o tribunal de inquisição comandando por Ratzinger tivesse provocado sua morte moral e intelectual.

Os anos e os papados de João Paulo II e Bento XVI passaram. Com a chegada de Francisco, a própria religiosa reconheceu uma mudança de tratamento com ela e, claro, com o trabalho pastoral com pessoas LGBTI+. Soma-se a isso, as inúmeras manifestações mais positivas a pessoas LGBTI+. Em 2015, por exemplo, a irmã Jeannine Gramick apareceu na lista de convidados de uma  audiência de quarta-feira, no Vaticano. E agora, as duas cartas reconhecendo seu trabalho e, em certa medida, reconhecendo a injusta perseguição sofrida no passado recente.

Esse novo cenário incentiva o florescimento de novos grupos formados por e para pessoas LGBTI+ em comunidades católicas, bem como a ampliação das vozes dos grupos que já existem há décadas. Coletivo que praticam o acolhimento, adotando uma perspectiva dialogal, deixando de lado a habitual carga condenatória a pessoas com sexualidades e identidades de gêneros diferente na  norma. Aqui no Brasil, já são mais de 20 grupos como o criado pela irmã Jeannine Gramick, todos agregados na Rede Nacional de Grupos Católicos LGBT. Uma característica da Rede Nacional e dos grupos é o forte protagonismo leigo, ainda que algumas dezenas de religiosas e religiosos, ordenados ou não, atuam como aliadas e aliados. Nesta caminhada dentro da Igreja brasileira, também já  houve momentos de perseguição, como nos Estados Unidos. Mas, nada que tenha impedido estas pessoas de construir uma cidadania religiosa para pessoas LGBTI+.

No campo institucional, com exceção de religiosas e religiosos ordenados mais da base, já citados como aliadas e aliados, e de poucas manifestações públicas de alguns bispos, os representantes da  CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) ainda não se abriram para um canal sistemático e aberto de diálogo com as pessoas LGBTI+, seus aliados e familiares, diferente dos bispos da  Alemanha, que já estão discutindo formas mais avançadas de acolhimento para estas pessoas. É claro que existe um contexto sombrio de polarização política nos ambientes católicos, especialmente  os espaços de poder da Igreja, dificulta qualquer tentativa de diálogo com o que está fora no status quo. Mas teria argumentos contrários a mensagem de acolhimento dos Evangelhos? Quem sabe, contudo, as cartas papais reconhecendo a valentia de Jeannine Gramick não sejam mais uma inspiração para os padres, bispos e religiosas da Brasil?

 

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