Advento: caminhar no espírito daquilo que é bom porque é difícil

O Cristo Crucificado, de Peter Paul Rubens | Foto: Reprodução

01 Dezembro 2021

 

A pintura que retrata Jesus carregando a cruz até o Calvário, do pintor El Greco, de 1580, é uma das mais lindas interpretações da Palavra de Cristo não na sua própria crucificação, mas na oração dirigida ao Pai antes de ser entregue a Pilatos e abandonado pelos 12 que o seguiam, diante da certeza do fato que precisava ser consumado, expressa no Evangelho que vai nos orientar neste novo ano litúrgico.

 

O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.

 

A arte tem a capacidade de nos transportar para as profundezas da nossa vida interior e tocar naquilo que muitos vezes nem sabemos que existe dentro de nós. Inúmeras são as manifestações artísticas que nos movem, por exemplo, para Deus. Entre elas, destacam-se as pinturas da crucificação de Jesus, que são uma tentativa de retratar não só o fato daquela Sexta-feira Santa, mas interpretar o sentido das palavras finais de Cristo.

 

A pintura que retrata Jesus carregando a cruz até o Calvário, do pintor El Greco, de 1580, é uma das mais lindas interpretações da Palavra de Cristo não na sua própria crucificação, mas na oração dirigida ao Pai antes de ser entregue a Pilatos e abandonado pelos 12 que o seguiam, diante da certeza do fato que precisava ser consumado, expressa no Evangelho que vai nos orientar neste novo ano litúrgico:

 

"Então saiu e foi, como de costume, para o Monte das Oliveiras e os discípulos acompanharam-n’O. Quando chegou ao local, disse-lhes: 'Orai, para não entrardes em tentação'. Depois afastou-Se deles cerca de um tiro de pedra e, pondo-Se de joelhos, começou a orar, dizendo: 'Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice. Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua'. Então apareceu-Lhe um Anjo, vindo do Céu, para O confortar. Entrando em angústia, orava mais instantemente e o suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra. Depois de ter orado, levantou-Se e foi ter com os discípulos, que encontrou a dormir, por causa da tristeza. Disse-lhes Jesus: 'Porque estais a dormir? Levantai-vos e orai, para não entrardes em tentação'".

 

 


Cristo carregando a cruz, de El Greco (Foto: Reprodução)

 

O detalhe tão sutil dos olhos de Cristo marejados de lágrimas, grudado à cruz, com o olhar dirigido para o alto, confirmam as palavras do evangelista. Com o olhar, é como se Ele dissesse: É difícil, está difícil, mas aqui estou, meu Pai. Não se trata apenas de fazer a vontade do Pai, mas da impossibilidade de não fazê-la quando se vê a Deus.

 

Essa pintura também nos remete para um dos ensinamento de São João da Cruz, doutor da Igreja e fundador dos Carmelitas Descalços com Santa Teresa de Ávila, em "A subida do Monte Carmelo: um guia para alcançar o mais alto cume da espiritualidade": "Inclinar-se não ao mais fácil, senão ao mais difícil". Carregar a cruz e seguir Cristo é difícil, mas os olhos marejados de Jesus, representados na imagem do pintor grego que desenvolveu sua carreira na Espanha e influenciou a obra de escritores como Rainer Maria Rilke, nos dizem exatamente o que Rilke diz ao jovem poeta:



"Não se deve deixar enganar em sua solidão, por existir algo em si que deseja sair dela. Justamente tal desejo, se dele se servir tranquila e sossegadamente como um instrumento, há de ajudá-lo a estender a sua solidão sobre um vasto território. Os homens, com o auxílio das convenções, resolveram tudo facilmente e pelo lado mais fácil da facilidade; mas é claro que devemos agarrar-nos ao difícil. Tudo o que é vivo se agarra a ele, tudo na natureza cresce e se defende segundo a sua maneira de ser; e faz-se coisa própria nascida de si mesma e procura sê-lo a qualquer preço e contra qualquer resistência. Sabemos pouca coisa, mas que temos de nos agarrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará".

 

As pinturas da crucificação e, mais ainda, a leitura do Evangelho, fazem brotar em nossos corações perguntas simples e a dúvida fecunda. Para elas, Rilke também tem um conselho:

 

"O senhor é tão moço, tão aquém de todo começar, que lhe rogo, como melhor posso, ter paciência com tudo o que há para resolver em seu coração e procurar amar as próprias perguntas como quartos fechados ou livros escritos num idioma muito estrangeiro. Não busque por enquanto respostas que não lhe podem ser dadas, porque não as poderia viver. Pois trata-se precisamente de viver tudo. Viva por enquanto as perguntas. Talvez depois, aos poucos, sem que o perceba, num dia longínquo, consiga viver a resposta. Quiçá carrega em si a possibilidade de criar e moldar - como uma maneira de ser particularmente feliz e pura. Eduque-se para isto, mas aceite o que vier com toda a confiança. Se vier só da sua vontade, de qualquer necessidade de seu íntimo, aceite-o e não o odeie. A carne é um peso difícil de se carregar. Mas é difícil o que nos incumbiram; quase tudo o que é grave é difícil: e tudo é grave".

 

 

Como felizmente me foi dito uma vez: caminhemos no espírito daquilo que é bom porque é difícil... e porque é aquilo para o que tudo o mais é preparação.

 

 

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