20 Novembro 2021
"A vida pode ser efêmera, como escancarado pelo caso do pequeno Miguel Otávio, mas a arte não é. Ela, assim como as coberturas jornalísticas de episódios de racismo, entra para a história como um registro da nossa inquietude diante de tanta dor e preconceito", escreve Marina Tusset, estagiária e aluna do curso de Jornalismo da Unisinos, 20-11-2021.
Eis o artigo.
Incontáveis vidas que importam, perdidas. No país negro e racista no coração da América Latina, assim descrito por Adriana Calcanhotto, assistir às notícias e se deparar com mais uma morte negra faz parte do cotidiano brasileiro, que tem sido racista desde que o Brasil se conhece por país.
Manchada com o terrível marco de último território da América Latina a abolir a escravatura, a história brasileira registra inúmeros casos de injúria racial nas suas páginas, sem contar aqueles que nunca sequer foram reportados. Já se passaram 133 anos desde a Lei Áurea, mas os direitos dos atuais 54% dos brasileiros que se consideram negros (de acordo com dados do IBGE divulgados pelo Jornal da USP), foram conquistados em marcha lenta, e essa população ainda sofre com a cultura racista que perpetua no Brasil.
Por que nos chocamos quando assistimos a um noticiário e vemos um jornalista negro na bancada? Por que é preciso uma morte tão brutal como a de George Floyd ou a de Miguel Otávio para que episódios de racismo recebam a devida atenção da mídia? Por que nos chocamos toda vez que o racismo é noticiado com uma roupagem diferente? Seja Matheus Pires, o entregador por aplicativo que foi agredido verbalmente por um morador branco de um condomínio; seja Maíza de Oliveira, vítima de comentários racistas em grupos de WhatsApp depois de vencer um concurso de beleza em sua cidade ou qualquer uma das crianças e gestantes mortas por balas perdidas nas favelas, notas de repúdio e de lamento não são suficientes para proteger os negros brasileiros.
São “2 de junhos” que se repetem, e repetem, e repetem até que se tornam comuns. Se 84% dos brasileiros consideram o seu país como racista (segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva encomendada pelo Carrefour e divulgada em 2021), onde estão as políticas necessárias para erradicar o racismo estrutural no Brasil?
A vida pode ser efêmera, como escancarado pelo caso do pequeno Miguel Otávio, mas a arte não é. Ela, assim como as coberturas jornalísticas de episódios de racismo, entra para a história como um registro da nossa inquietude diante de tanta dor e preconceito. E Adriana Calcanhotto faz um belíssimo trabalho ao garantir que essa inquietação não caia no esquecimento, do mesmo jeito que Ícaro e Miguel caíram quando tentaram voar.
Leia mais
- O Brasil na potência criadora dos negros – O necessário reconhecimento da memória afrodescendente. Revista IHU On-Line, Nº. 517
- Resistência Viva. A luta de Zumbi e Dandara continua. Revista IHU On-Line, Nº 477
- A luta pela não violência e o fim do racismo: um movimento do passado, do presente e do futuro. Entrevista especial com Maria Clara Sales Carneiro Sampaio
- Miguel, menino negro e filho de empregada doméstica, morreu por negligência da patroa branca
- Caso Miguel: morte de menino no Recife mostra ‘como supremacia branca funciona no Brasil’, diz historiadora
- Racismo no Brasil: todo mundo sabe que existe, mas ninguém acha que é racista, diz Djamila Ribeiro
- A pauta agora (e de muito tempo) é o racismo
- Racismo precisa ser visto como trauma central da violência no Brasil
- A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil, diz CPI
- As faces do racismo no Rio Grande do Sul
- Sobre racismo estrutural no Brasil
- Homicídios de pessoas negras aumentaram 11,5% em onze anos; os dos demais caíram 13%
- Homicídios são principal causa da morte de jovens negros no Brasil, diz pesquisa
- A cada 23 minutos, um jovem negro é morto no Brasil; ONU lança campanha Vidas Negras para alertar sobre violência
- Datafolha/Oxfam: para 81%, cor da pele induz abordagem policial
- A execução de George Floyd e o silenciamento do negro
- Abolição da escravidão em 1888 foi votada pela elite evitando a reforma agrária, diz historiador
- “A escravidão venceu no Brasil. Nunca foi abolida”. Entrevista com Eduardo Viveiros de Castro
- Esquadros. Adriana Calcanhoto na oração inter-religiosa desta semana
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A inquietude diante da repetição de “2 de junhos” no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU