“A Igreja está dormindo e não se comunica mais.” Entrevista com Armando Matteo

Foto: Nan Palmero / Flickr

17 Novembro 2021

 

Seu livro anterior – Pastorale 4.0. Eclissi dell’adulto e trasmissione della fede alle nuove generazioni [Pastoral 4.0. Eclipse do adulto e transmissão da fé às novas gerações, em tradução livre] (Ed. Ancora, 2020) – foi enviado pelo cardeal Bassetti, presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI), a todos os bispos italianos. Agora, o Armando Matteo, padre, recém-nomeado subsecretário da Congregação para a Doutrina da Fé, publicou um novo texto – Convertire Peter Pan. Il destino della fede nella società dell’eterna giovinezza [Converter Peter Pan. O destino da fé na sociedade da eterna juventude, em tradução livre] (Ed. Ancora, 2021) – que certamente merece ser lido.

 

A reportagem é de Daniele Rocchetti, publicada em La Barca e il Mare, 11-11-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Porque o Pe. Armando tem a vantagem, nada comum entre os teólogos italianos, de focar as questões incômodas, às vezes desagradáveis, que não se gostaria de abordar e de esboçar não tanto e não apenas respostas, mas acima de tudo uma mudança de olhar e de perspectiva. O Pe. Armando, ex-assistente nacional da Federação Universitária Católica Italiana (Fuci), tem a coragem de indicar uma conversão radical da mentalidade pastoral e de delinear os seus conteúdos.

 

Não bastam mais remendos, são necessárias escolhas que não podem mais ser procrastinadas. A crise, ao contrário do que muitos ainda pensam, não é passageira. Um mundo está ruindo, e a Igreja está destinada a mudar o seu rosto. Após o fim da societas christiana, uma Igreja de minoria. Mas não uma Igreja de minorados. Fiéis que estão “dentro”, como adultos, na complexidade do presente. E que lá estão “revestidos para a festa”. Para salvar a profecia Evangelho e proteger a humanidade.

 

Eis a entrevista.

 

Pe. Armando, comecemos pelo título do livro: por que “converter Peter Pan”? Você escreve que considera isso uma necessidade absoluta, caso contrário, há o risco de que “Peter Pan converta a nós, fiéis”.

Peter Pan” é, na minha opinião, a figura perfeita daquela revolução extraordinária que ocorreu ao universo dos adultos e das adultas no Ocidente. Em poucos anos, eles experimentaram a possibilidade de uma existência mais longa, menos frustrante, menos sujeita ao trabalho extenuante, com maior conforto, alimentação, saúde, oportunidades de diversão e de viagens. E ainda com muitíssimas potencialidades e liberdades que os nossos antepassados sequer podiam suspeitar remotamente.

 

Ao mesmo tempo, essa nova condição os levou a reinterpretar o sentido do humano a partir do metro da juventude. De fato, eles creem em apenas uma coisa, isto é, que fora da juventude não há salvação para o humano. Desse modo, no entanto, desfazendo o traço generativo e geracional próprio da espécie. Por isso, no fim das contas, nós, adultos, somos cada vez mais autorreferenciais e intransitivos. E a questão é que hoje Peter Pan – nós, adultos, em poucas palavras – não só não quer mais crescer, mas, de fato, não faz mais ninguém crescer. Com incrível precisão, ele evita assumir até mesmo a mais ínfima postura adulta, aquela de que os nossos filhos precisariam para crescer.

 

A Igreja não pode ficar parada olhando para tal “desastre”. E, para intervir, deve aceitar que Peter Pan pôs radicalmente em crise o seu sistema de transmissão da fé e o seu modelo de anúncio do Evangelho. E deve fazer isso rápido, mudando tudo, aquilo que é necessário mudar para tentar “converter Peter Pan”. O risco, de fato, é que, tomando e perdendo tempo ainda, Peter Pan convença os homens e as mulheres da Igreja que “fazer como sempre se fez” é o elixir da eterna juventude da fé!

 

Mais uma vez, você insiste na ausência do adulto. Por que na Igreja temos tão pouca consciência desse fato objetivamente irrefutável?

A primeira razão é que os adultos são muitíssimos. A Itália sofre com aquilo que se chama de “desjuvenescimento”. Nos anos 1950, cada genitor tinha mais filhos; atualmente, cada filho tem mais genitores! E é sempre difícil captar as mudanças que ocorrem na própria pele, ainda mais quando a grande maioria da população vive tais mudanças. Isso também vale para aqueles adultos que presidem a vida da Igreja. Peter Pan não está fora de nós. Está dentro de nós.

 

A segunda e mais importante razão é que o sistema econômico que nos governa faz de tudo para defender a inocência de Peter Pan. Que mal há, para os adultos, em querer se vestir, pensar, viver, sonhar, comprometer-se como jovem? Que mal há se você pesa 70 quilos e ainda quer usar leggings? E se você mostra as meias ou os tornozelos e já tem mais de 60 anos? Peter Pan é a alavanca da economia hoje: os seus afetos e os seus negócios andam de mãos dadas. Pensemos em quanto dinheiro, quantos interesses, quanta paixão circula por aqueles homens que, de calção, chutam uma bola de couro, quase todos os dias da semana! Não acho que seja algo digno de uma espécie chamada “sapiens sapiens”, pelo menos não nos níveis alcançados hoje.

 

Além disso, há décadas a Igreja continuou pensando e se ocupando do mundo dos jovens e dos adolescentes sem levar em conta o fato de que eles vivem em contato muito próximo com um mundo adulto. Ora, esse mundo adulto deveria ser conhecido também porque, de fato, condiciona o bom destino das novas gerações (possibilidade de crer em Jesus, inclusive). Em suma, não existe uma atitude eclesial de pensar o mundo dos adultos. Acrescentemos a rapidez da virada do pós-moderno, e não falta mais nada... Quando os homens da Igreja falam do mundo, parece que estão contando algo sobre o Jurássico.

 

 

Você se detém sobre a provocação (e a realidade) do sinal das igrejas ainda semivazias. De que modo elas correm o risco de ser uma parábola do cristianismo próximo?

As igrejas semivazias, na realidade, estavam semivazias mesmo antes da pandemia da Covid-19 que nos atingiu. Nós as víamos cheias, mas estavam substancialmente cheias de idosos e crianças. Então, não conseguíamos ver os adultos e as adultas que já estavam faltando. E, na verdade, esse é o verdadeiro vazio do cristianismo hoje. Falta uma palavra para os adultos, uma práxis de diálogo com os adultos, um modo de ser e de falar como fiéis capazes de interceptar o coração dos adultos. Que, nesse meio tempo, é cada vez mais à imagem e semelhança de Peter Pan.

 

Paradoxalmente, além disso, as igrejas ainda poderiam ficar semivazias, mesmo quando (e é algo que não podemos deixar de desejar) aqueles que agora não as frequentam (os idosos e as idosas) por medo do contágio ou por terem adquirido o hábito de acompanhar online e na TV as liturgias voltarão ao presencial. A “sede vacante” do adulto de hoje não será preenchida sem uma verdadeira revolução missionária e pastoral por parte de nós, fiéis, de nós que ainda estamos aí.

 

Você rejeita a ideia de que ainda existam – como defende Le Chevalier – “fiéis não praticantes”. Por quê?

Como tento explicar no livro, acho que é hora de historicizar essa categoria. Ela era boa para indicar situações do passado que hoje ocorrem cada vez mais raramente. Refiro-me àquelas situações de conflitualidade objetiva entre a existência das pessoas e a pertença à vida eclesial (a escolha do Partido Comunista, por exemplo, uma coabitação pública, uma traição conhecida e outras coisas ainda). Quem se encontrava nessas situações era levado a se sentir quase estigmatizado pela societas christiana e, portanto, a guardar para si a eventual profissão de fé cristã. Manter viva essa categoria hoje é mais do que perigoso. Representa o álibi perfeito para atrasar a escolha da conversão missionária e pastoral. Pensamos em quem não pratica como alguém que ainda crê: precisamente em um fiel que simplesmente não pratica! O triunfo de Peter Pan fala de outra verdade.

 

Dreher falava da “opção Bento”. De modo sugestivo, você fala, por sua vez, de “opção Francisco”. O que você quer dizer com isso?

É hora de pôr em prática aquilo que o Papa Francisco nos recomenda há oito anos e meio, e que eu resumi com essa fórmula da “opção Francisco”. Chega de retiradas ao Aventino por parte de cristãos deprimidos e ressentidos. Chega de atitudes dissimuladas com pequenas limpezas superficiais, sem cavar a fundo o solo do nosso jardim eclesial. Escolhamos Francisco! Em primeiro lugar, isso implica que devemos aceitar que o nosso mundo não está mudando, mas é um mundo que já mudou e que, portanto, estamos diante de revoluções do humano que põem em crise as estruturas do passado e abrem para desafios inéditos. O pós-moderno não é um resfriado de meia estação.

 

Em segundo lugar, devemos aceitar com serenidade que já não existe mais algo como um “inconsciente cristão coletivo” ao qual podemos nos referir para o nosso anúncio do Evangelho. A gramática do humano que vive hoje é fortemente alheia (quando não até contrária) à gramática de fundo do Evangelho. E é também fortemente sustentada pelos processos econômicos que governam o mundo. Aqueles processos que dizem a Peter Pan que está tudo bem e que não há mal nenhum em não querer crescer e em impedir que seus filhos cresçam.

 

Por isso, no nosso empenho de evangelização, não somos mais beneficiados por nada. Devemos começar justamente do início: dizer quem é Jesus e as razões pelas quais exatamente hoje é sumamente humano crer nele. Temos que ir até Peter Pan, olhar nos seus olhos e tentar acordá-lo. Por último, devemos mudar o atual regime pastoral. Continuamos dando respostas a perguntas que ninguém mais nos faz, porque ninguém mais se faz. Em suma, continuamos oferecendo o bom alimento do Evangelho de uma forma que não atrai mais ninguém. E a situação é tal que não podemos remendar o regime pastoral herdado. Ele deve ser mudado radicalmente, na linha da transformação das paróquias em lugares onde qualquer pessoa possa se encontrar com Jesus e se apaixonar por ele.

 

Você insiste na necessidade de mudar radicalmente a pastoral. O que e como você imagina?

O que eu imagino e espero é que, graças ao nosso trabalho de invenção pastoral, qualquer pessoa no mundo possa saber que as nossas paróquias são lugares onde encontramos Jesus e corremos o risco de mudar de vida. Corremos o risco de deixar Peter Pan ir embora para sempre. Hoje, as pessoas nem sabem para que servem as paróquias, os padres e os bispos... Tendo em vista esse trabalho de transformação da pastoral, acho que se deve reduzir o número das paróquias, deve-se reduzir o número das missas (aos domingos, em particular). E mais: deve-se “abolir” o atual sistema da catequese, das festas de Primeira Comunhão e de Crisma, deve-se insistir no conhecimento do Evangelho, na iniciação ao rezar, na prática da caridade. E muito mais ainda, como eu tento exemplificar na última parte do livro.

 

Mas, acima de tudo, gostaria de dizer que é preciso trabalhar para dar novamente ao cristianismo a sua nota específica: a nota da alegria. Aquela que nasce e renasce todas as vezes que nos encontramos com Jesus. Há muito tempo, as crianças e os jovens, passando ao nosso lado e apenas nos “cheirando”, se perguntam se somos cristãos porque estamos deprimidos ou se estamos deprimidos porque somos cristãos. Assim não dá! Cantemos realmente cantos novos ao Senhor! Revistamos para a festa, diria Bernanos!

 

Dar rosto e forma a um cristianismo novo: como o caminho sinodal pode ajudar a se mover nessa direção?

Todos os dias eu rezo pelo Papa Francisco e por este caminho sinodal da Igreja italiana que me deu a fé. Ele é uma esplêndida oportunidade para fazer tudo aquilo que não fizemos ao longo desses anos, imaginando mais ou menos semiconscientemente que as coisas voltariam a ser como nos bons velhos tempos. E é bom poder iniciar esse caminho com as palavras que o Papa Francisco usou ao iniciar o caminho trienal do próximo Sínodo dos Bispos, com o qual o nosso caminho sinodal também se entrelaça. Citando Congar, o Papa Francisco nos disse que devemos buscar uma Igreja diferente, não outra Igreja. E a diversidade deveria consistir precisamente nisto: que, graças ao caminho sinodal, a Igreja italiana possa ser uma Igreja capaz daquilo que ela já não consegue mais fazer hoje. E ela não consegue mais fazer novos cristãos e novas cristãs. Esse é o rosto do cristianismo novo de que precisamos. É o cristianismo de homens e mulheres tão apaixonados e enamorados por Jesus que sabem acender em seus filhos que vêm ao mundo, hoje e amanhã, o fogo da fé, o fogo da esperança, o fogo da caridade.

 

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