Jorge Mario Bergoglio e os critérios para interpretar a realidade

12 Abril 2021

 

Este texto inédito pode ser datado entre o fim de 1987 e meados de 1988, quando o então Pe. Bergoglio trabalhava na sua tese sobre Romano Guardini, preocupado com a questão da utilização da análise marxista para a interpretação da realidade como exemplo de uso de categorias obsoletas, que se revelam superadas pela realidade [1]. Trata-se de um manuscrito de anotações destinadas a um aprofundamento posterior.

 

O artigo de Alberto Methol Ferré, que Bergoglio cita na abertura, reflete sobre como, desde o advento do mundo industrial, a partir da Revolução Francesa, a Igreja levanta resolutamente a questão das relações com a classe operária. No início do século 19, com Philippe Buchez [2], nasce um socialismo católico, que depois será sufocado pelo movimento de pinça do integrismo intraeclesiástico e do marxismo ateu. Methol Ferré propõe voltar às fontes do socialismo, nascido ético e cristão, uma vez superados tanto o marxismo dogmaticamente ateu quanto, graças ao Concílio Vaticano II, aquela atitude da Igreja de crítica ao mundo contemporâneo sem reconhecer os seus progressos.

 

Bergoglio se concentra no “esgotamento das categorias de interpretação da realidade”, de que fala Methol Ferré, e elabora estas anotações, nas quais apresenta um esboço de “hermenêutica da realidade” em que critérios e categorias não sejam meros “remendos”. Essa categoria, junto com a de “transbordamento” (“rebasamiento”), tornou-se importante a partir do Sínodo para a Amazônia [3].

 

As notas de Bergoglio são de particular interesse quanto ao método e quanto ao conteúdo. Talvez alguns ficarão surpresas com um complexo estilo de argumentação, que certamente não é o do Bergoglio pontífice.

 

Quanto ao método, ele nos permite entrever um estilo pessoal de pensamento de Bergoglio, que se inspira em vários autores e, ao mesmo tempo, é capaz de desenvolver elementos próprios de forma original. Quanto ao conteúdo, no raciocínio é possível seguir a aplicação dos seus conhecidos “quatro princípios” [4].

 

A ideia de que o melhor método é aquele que mais se adequa (“consonância”) à realidade se inspira em Guardini. O uso da antinomia como forma de expressar poeticamente uma realidade que supera a nossa intuição e os nossos conceitos, e requer uma explicitação criativa é justamente de Bergoglio. A teoria de Methol Ferré é válida no momento em que se deve interpretar o povo e acolher a modernidade de uma forma ao mesmo tempo tradicional e nova.

 

Nestas anotações, muitas coisas podem ser encontradas, mas o aspecto mais relevante é o vigor de um pensamento pessoal, que caminha com liberdade de espírito e com criatividade, buscando critérios de interpretação do real que ajudem a pensar e a discernir sem cair nem na rigidez nem no relativismo.

 

A introdução é do jesuíta argentino Diego Fares. O texto do então Pe. Bergoglio foi publicado por La Civiltà Cattolica, 03-04-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

“Uma perplexidade é inerente ao esgotamento de categorias interpretativas já insuficientes para dar conta dos acontecimentos de hoje. A nossa atualidade histórica supera as ideias existentes. Portanto, são ideias que cegam, que não fazem ver. Para mim, no que nos diz respeito, os ‘cristãos marxistas’ haviam montado em um cavalo supostamente vencedor, que depois se revelou apenas drogado. Como disse Clavel [5], os ‘cristãos marxistas’, por medo de serem os últimos cristãos, são na realidade os últimos marxistas” [6].

A propósito dessa afirmação, ponho-me o problema da hermenêutica da realidade [7].

Como estabelecer os critérios de interpretação da realidade?

Como estabelecer a sua universalidade como critério interpretativo?

O cânone hermenêutico é sempre estável? Ou é suscetível a mudanças?

Se for estável, a sua universalidade permanece garantida, por princípio, mas ele permaneceria fechado a novas descobertas. Se for suscetível a mudanças, nesse caso não se poderia falar de uma universalidade do fato hermenêutico.

Por outro lado, o fato hermenêutico é objeto da metafísica? Pode-se falar, portanto, de uma metafísica da hermenêutica?

Se for assim, em que medida a hermenêutica participa do ser, que é o objeto da metafísica? Existe uma entidade do fato hermenêutico? Ou ele deverá ser considerado como uma mera relatio? Neste último caso, como podemos lhe aplicar a metafísica das relações, se o consideramos uma relatio de causa instrumental do conhecimento referente à realidade?

Mas, se se trata de aplicar um princípio metafísico, de que “metafísica” o extraímos?

Nesse caso, a realidade seria interpretada de acordo com a ideologia latente nesta ou naquela metafísica. Portanto, se diria que o princípio interpretativo não pode provir de fora da realidade, mas precisamente dela. No entanto, assim se cai em um relativismo: toda realidade impõe os princípios interpretativos que a “abrem” ao conhecimento. Por outro lado, não haveria talvez aqui uma identificação realidade-conhecimento no mais clássico estilo parmenidiano?

Se, por outro lado, acompanharmos o desenvolvimento da crítica do conhecimento – e, portanto, também das várias hermenêuticas que foram formuladas na história – constatamos que foram feitos progressos e que, embora tenha havido sistemas hermenêuticos meramente contingentes ou ideológicos, é igualmente verdade que sistemas hermenêuticos que eram considerados “verdadeiros” sofreram – com a contribuição de pensamentos novos – mudanças substanciais, que possibilitaram uma maior compreensão da realidade.

 

1. Quando nos colocamos o problema da interpretação da realidade, apresenta-se uma problemática cognoscitiva, que pressupõe, em raiz, a distinção entre realidade e conhecimento. Assumo isso como evidente, para evitar as ciladas do idealismo, da mera fenomenologia e da identificação entre ser e conhecimento.

Em outras palavras, aqui se deixa tudo isso de lado e se pressupõe que:

a) há uma distinção entre realidade e conhecimento;

b) o homem pode aprender a realidade, inclusive a mutável e sensível; a fenomenologia não se esgota em si mesma; o idealismo é insuficiente; e todo panentismo (pan-ontoismo) trai a realidade própria do ente.

 

 

2. Portanto, interpretar a realidade não pode consistir em projetar sobre ela uma ideia ou em descrever o fenomênico sem transcendência em relação ao próprio fenômeno, nem em assumir a imanência do panentismo (pan-ontoismo), que sempre se resolve – como toda gnose – no panteísmo. Nem idealismo, nem fenomenismo, nem gnose.

 

3. A minha hipótese é: os princípios interpretativos de uma realidade devem se inspirar na própria realidade, tal como ela é.

A realidade que é interpretada e a realidade de quem interpreta. Aqui vale, de algum modo, o ad modum recipientes, mas ao contrário: ad modum se develantis [8].

Toda realidade tem, em si mesma, o seu modo de se revelar, que nasce das próprias potencialidades que lhe são inerentes. Revela-se em consonância com aquilo que é.

Sem dúvida, é “ser” e se revela como “ser”, mas é “ser tal”, “ser aqui”, “ser agora”, “ser para”... e, portanto, se revela como tal, aqui, agora, para... [9].

 

4. A explicitação conceitual ou simbólica desse revelar-se, portanto, deve estar em consonância com a realidade do ser.

Portanto, se eu falo do ser como tal, objeto da metáfise, ou do “esse” ontológico, é com ele que eu devo confrontar a crítica do conhecimento.

Se eu falo deste ou daquele ser, “em situação”, são precisamente as peculiaridades desse “ens” (sem obviamente negar o que foi dito, o fato de que é “esse” e, portanto, objeto da metafísica) que devem inspirar – de algum modo – os critérios interpretativos, as categorias, a hermenêutica.

A expressão (em qualquer forma) é como um continente do conteúdo, que é a realidade.

A consonância entre continente e conteúdo é um princípio de hermenêutica do particular.

 

5. E é um princípio de hermenêutica do particular, porque é também um princípio do universal: é o próprio “esse” que dita os critérios da sua possibilidade de ser apreendido.

 

 

Superação (transbordamento)

6. Quando uma realidade dinâmica – um fato histórico, político, religioso e assim por diante – é interpretada a partir de uma gnose, ou de uma ideologia, ou de uma fenomenologia, chega-se a um “momento” em que a realidade histórica “transborda” (rebasa) [10] a interpretação pelo seu próprio dinamismo.

Ela a encontra insuficiente [11], descobre-a como fruto redutor de uma ideologia, ou sem fundamento, como fruto de uma fenomenologia, ou mera intérprete estática, como fruto de uma gnose (eu distingo “gnose” de “ideologia”, porque a primeira tem uma certa coloração sapiencial, que vai além da mera explicitação de uma ideia [12]).

Viu-se esse fato da realidade que transborda a interpretação ao longo da história, e é a isso que se refere o texto que assumi como ponto de partida para esta reflexão.

A realidade se impõe sobre a insuficiência hermenêutica, revela-se a si mesma com categorias de crise, revolução e assim por diante.

A realidade reivindica a si mesma, porque “não é tratada como lhe cabe” [13]. Na realidade, há um dinamismo que é capaz de defender a sua “compreensibilidade” quando se chega a um certo limite de incompreensibilidade. Isso acontece quando a realidade não é tratada nem apreendida segundo os seus critérios, mas com esquemas que não lhe são consoantes.

 

O concreto e a sua dimensão de universalidade

7. O ser situado (no tempo, no espaço etc.) é um ser concreto.

Por outro lado, por participar do ser e deste ou daquele modo de ser, ele também tem uma dimensão de universalidade.

A atitude cognoscitiva, portanto, deve conseguir apreender ambas as dimensões: a particular e a universal.

Não se trata simplesmente de procurar com o conhecimento o universal que existe em cada ser situado. Nem de se deter na independência de cada ser particular, negando a capacidade de abstração do processo cognitivo em captar a realidade.

Nem se pode falar de um conhecimento em que se apreenda o universal concreto no sentido que a dialética lhe atribui, isto é, aquele segundo o qual o particular permanece “reduzido” a um mero momento do processo de negação da negação.

 

 

8. Quem conhece, por sua vez, também é determinado por uma entidade e por uma natureza. Portanto, todo processo cognoscitivo e toda hermenêutica implicam um diálogo entre o ser que quer apreender a realidade e a realidade que é apreendida, entre quem se revela e quem apreende esse revelar-se.

Quem conhece explicitará a sua compreensão dessa revelação utilizando o conceito.

A conceitualização, por outro lado, é insuficiente para explicar a totalidade da realidade, assim como, para apreendê-la, a projeção do conceito sobre a realidade era insuficiente [14]: faltava algo, e era uma certa abertura de quem conhece a se deixar “tocar”, “impressionar” pela própria realidade, tal como ela é.

Na explicitação da realidade acontece a mesma coisa. O conceito não basta, e é preciso recorrer a outras formas de expressão, por exemplo a antinomia [15] (que é um sistema de conceitos em tensão), a parábola, o mito etc. Mas, no fundo de toda parábola e mito, existe uma antinomia, uma tensão.

 

9. Conhecia-se uma realidade por meio de instrumentos que pressupunham conceitos e intuições. Explicita-se uma realidade por meio de uma linguagem que não é nem meramente conceitual nem meramente intuitiva. Poderíamos dizer que, em sentido etimológico, ela é poética: deve ser criadora da explicitação, de um modo de explicitação que compreenda tanto o conceito quanto a intuição que o aproximaram da apreensão da realidade.

A antinomia , como gênero expressivo, portanto, é o modo adequado [16] para conter toda a vitalidade de uma realidade, sem reduzi-la.

 

 

10. Resta saber qual é o sinal [17] de que esse tipo de conhecimento e de expressão não se desviou do caminho. Existem quatro elementos: ao apreender a realidade, há o conceito e a intuição, e, ao explicitar a realidade, há os dois termos de uma antinomia.

Esses quatro elementos entram em tensão entre si. Não podemos dizer que o sinal da adequação é o equilíbrio entre a realidade e a sua apreensão (o equilíbrio pode ser imposto de fora, a partir de uma concepção prévia, e estou pensando no equilíbrio da teoria do conhecimento de Kant). Devemos procurar um sinal que, em si mesmo, contenha a tensão dos quatro elementos.

Na minha opinião, esse sinal é a consonância.

 

 

11. Consonância entre a realidade em si mesma e a realidade como é conhecida. Quando há dissonância, não há adequação, e isso significa que a realidade não foi apreendida, ou que a apreensão não foi explicitada. A consonância de que o sujeito que conhece tem experiência em si mesmo é, neste caso, o reflexo da consonância que existe entre a realidade em si mesma e a realidade conhecida. Explico: quem conhece tem experiência direta da consonância que existe entre aquilo que apreende e aquilo que expressa. Com base em tal consonância, ele pode saber quando se dá a consonância entre a realidade em si mesma e a realidade apreendida.

Santo Inácio utiliza essa experiência para se assegurar de que um espírito é bom ou mau: a consonância representada no cair da água sobre a esponja, e não sobre a pedra [18].

É uma consonância ambivalente para aquilo que se refere à identidade dos espíritos, pois o seu sinal positivo ou negativo deve ser tomado do estado habitual do sujeito (que ou sobe de bem a melhor, ou cai de mal a pior), mas, de todos os modos, a consonância é sinal, e a dissonância também é sinal de que não se conseguiu apreender ou expressar a realidade tal como ela é.

Há consonância quando o continente é “informado” pela realidade do conteúdo. Continente e conteúdo “con-soam”: o ritmo e a melodia entram em tensão em uníssono [19].

 

 

Unidade em tensão polar

12. Resta a dúvida sobre se a apreensão da realidade, realizada desse modo (o continente consoante com o conteúdo, e isso tanto na apreensão da realidade quanto na explicitação posterior), não resulta, em última análise, em “relativismo”.

Três passos: a realidade (o ser) se manifesta, é apreendido, é explicitado [20].

Se houver consonância nos três passos, este é um sinal de que há unidade.

Onde há unidade, há o ser e a realidade mais bem refletida.

O ser e a realidade não são monolíticos: a sua unidade é dada por uma série de sistemas de oposições polares que a constituem. Nem atomização, nem mistura consigo mesmo, mas unidade na tensão polar das categorias intraempíricas e extraempíricas, e dos transcendentais que as constituem. A unidade do ser é consoante: trata-se do “equilíbrio” – a palavra não é exata – entre a forma e a plenitude.

Portanto, as categorias de conhecimento mais adequadas para um ser ou para uma realidade são aquelas que permitem que o ser ou a realidade se manifestem tal como são. Esta é a verdade: apreender e explicitar a manifestação do ser.

E aqui não há relativismos nem ideologia..., mas simplesmente realidade, o ser, que é, se manifesta e impõe a sua realidade à abertura do intelecto cognoscente.

 

Notas:

1. O título original do texto datilografado é “Los parches existenciales; los parches lógicos, y las categorias de interpretación de la realidad”.

2. Cf. Ph. J. B. Buchez, Essai d’un traité complet de philosophie: du point de vue du catholicisme et du progrès, Paris: Ed. Eveillard, 1838-1840; Id., Traité de politique et de science moral, Paris: Amyot, 1866.

3. Francisco usou esses termos na sua intervenção espontânea no Sínodo para a Amazônia, na qual expressou a sua opinião de que não fossem formuladas propostas totalizantes. Tais propostas – muitas das quais muito claras e válidas – o levaram a entender, por um lado, que todos no Sínodo concordavam com um sentimento ecológico comum em relação ao cuidado da Amazônia e, por outro lado, que aquilo que unia a todos não encontrava uma expressão isenta de contradições, fazendo com que as propostas fossem “propostas de remendo”: “Consertemos este pedacinho, consertemos este outro, mandemos missionários, pensemos na expansão dos ministérios... Boas propostas, mas que não eram totalizantes, como era totalizante a unidade que unia a todos, e como era totalizante o conflito”. Francisco teve a sensação de que se estava tentando disciplinar o conflito e disse que, na oração, se deu conta de que, com o remendo, nunca se resolverá o problema da Amazônia. “Há conflitos que são resolvidos não com a disciplina, mas por transbordamento. E creio – afirmou o papa – que este é um dos conflitos a ser resolvido com o transbordamento”. O texto que apresentamos pode ajudar a esclarecer aquilo que Francisco quis expressar no Sínodo (cf. D. Fares, “Il cuore di Querida Amazonia. Traboccare mentre si è in cammino”, in Civ. Catt. 2020, I, pp. 532-546).

4. Os quatro princípios são: o tempo é superior ao espaço; a realidade é superior à ideia; a unidade é superior ao conflito; o todo é superior às partes.

5. “Clavel” é Maurice Clavel. Cf. M. Clavel, Quello che io credo, Roma: Città Nuova Editrice, 1975, p. 77.

6. A. Methol Ferré, “La Iglesia, el Minotauro y los Socialismos”, in Nexo, 14 dez. 1987, p. 14.

7. O raciocínio parte de 12 perguntas e de uma constatação. Bergoglio prossegue fazendo interrogações muito características, às quais responde com ideias de uma filosofia clássica (talvez um pouco superada hoje) e parte de uma observação. Avança a partir das constatações, tal como aquela que, para além das configurações e da validade das respostas, “houve progressos” na compreensão da realidade. Essa avaliação positiva concorda com a tese de Methol segundo a qual o pensamento do Concílio, assim como a sua acolhida e aplicação na América Latina, em Medellín e em Puebla, implica um progresso no diálogo com o mundo contemporâneo. Para Methol, o “mundo contemporâneo” começa com a Revolução Francesa, em relação à qual a Igreja se dividiu entre um “integrismo” contrário àquele evento e um “progressismo” favorável a ele, mas que não o “assumiram” a partir de dentro e, portanto, não puderam superá-lo. Methol propõe que se recupere um socialismo cristão pré-marxista a partir de uma nova perspectiva – a do povo de Deus – que o Concílio libera. A partir daí, pode-se acolher, com categorias novas, aquilo que há de positivo no pensamento contemporâneo. O texto de Bergoglio vai em busca dessas novas categorias, não ideológicas, mas consoantes com a realidade.

8. O melhor método é aquele que mais se adapta ao conteúdo. A expressão “ad modum se develantis” é significativa: no que diz respeito às pessoas e a Deus, é a chave para uma hermenêutica que não seja ideológica.

9. A questão de “ser” e “estar” é importante. É preciso notar os “passos” concretos que Bergoglio dá para avançar no discurso.

10. Aqui encontramos a categoria do “transbordamento” (desborde = rebasamiento).

11. A insuficiência é um dado concreto existencial.

12. A distinção é entre “gnose”, que tem uma nuance sapiencial, e “ideologia” como mera explicitação de uma ideia.

13. A realidade “não é tratada como lhe cabe”. Este é um critério de “lealdade” que, como diria Hans Urs von Balthasar, considera a verdade como hemeth e não apenas como aletheia.

14. A insuficiência para apreender a realidade deveria bastar para se distanciar da explicação que se dá sobre ela. Se me dou conta de que não posso apreender tudo, por que deveria defender com obstinação a minha explicação? Poder-se-ia dizer que as lutas ideológicas ocultam um ataque à concepção (insuficiente) do outro, em vez de buscarem a verdade.

15. Concepção da antinomia como modo de enfrentar a comprovada insuficiência do conceito e da intuição. Deve-se notar que Bergoglio sempre “utilizou” a antinomia, e isso torna precioso o fato de que aqui ele dá uma definição explícita dela.

16. Antinomia como modo adequado. Trata-se da formulação de um proprium bergogliano.

17. Bergoglio busca critérios de verificação da sua proposta. O “sinal” é a consonância, da qual são enumerados quatro elementos: dois que ocorrem na dinâmica da apreensão da realidade, ou seja, conceito e intuição; e dois que ocorrem na explicitação da realidade, ou seja, os dois termos da antinomia.

18. Critério espiritual de discernimento. De fato, pensar é discernir. A realidade “se discerne”; nós não somos simples gravadores, nem nos limitamos a projetar. A situação ou disposição de cada um serve de sinal, como consonância ou dissonância. Isso não significa que se “grave” tudo perfeitamente, mas que é possível continuar “conhecendo” e “explicando” pelo bom caminho quando há consonância e, em vez disso, parar quando há dissonância.

19. Aqui são introduzidos o conceito de conhecimento “a caminho” e o critério guardiniano do ritmo e da melodia do passo com que se avança na realidade, em diálogo com ela, com o ritmo e o tom adequados.

20. Não se faz uma “demonstração abstrata”, mas se mostra a realidade.

 

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