Reino Unido: Uber e ''gig economy'' são derrotadas pelos trabalhadores

Foto: Unsplash

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

09 Janeiro 2019

Um cartaz pendurado no centro de recrutamento de motoristas da Uber, em Londres, mostra a foto de um homem sorridente chamado Asif, que diz: “Eu ganho três vezes mais do que no meu emprego anterior como carteiro. Com a Uber, eu não tenho que me preocupar com as contas. Meu filho quer uma jaqueta nova? Eu digo a ele: compre duas, se quiser”. Em vez disso, a realidade é muito diferente: a Uber quer que os motoristas permaneçam como trabalhadores “autônomos” em vez de serem considerados empregados, o que a autoriza a não respeitar alguns direitos, como salário mínimo e férias pagas.

A reportagem é de Alberto Pantaloni, publicada por Effimera, 07-01-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Atualmente, os motoristas da Uber no Reino Unido ganham pouco mais de cinco libras por hora e não têm direito a férias ou licenças remuneradas. Por isso, há cerca de três anos, alguns trabalhadores decidiram processar a empresa para terem reconhecidos os direitos fundamentais previstos para os trabalhadores independentes.

No dia 19 de dezembro, a Court of Appeal de Londres deu razão pela terceira vez aos trabalhadores da Uber, decretando que é ilegal, por parte da empresa do Vale do Silício, negar seus direitos básicos como salário mínimo garantido e férias. Essa sentença segue as duas anteriores, respectivamente do Employment Tribunal em 2016 e do Employment Appeal Tribunal em 2017.

Trata-se de uma decisão importante, que coloca a Uber contra a parede, vendo-se obrigada a respeitar os direitos fundamentais dos seus empregados, mas também o governo conservador que até agora (e não é o único na Europa) abandonou os trabalhadores da gig economy ao próprio destino.

Os protagonistas dessa vitória legal e política são alguns trabalhadores apoiados pelo Sindicato dos Trabalhadores Independentes da Grã-Bretanha (IWGB, na sigla em inglês) e pelo General Municipal Boilermakers (GMB). O primeiro é um jovem sindicato autônomo formado em 2012 e que representa principalmente os segmentos da força de trabalho tradicionalmente não sindicalizada e mal representada: dos trabalhadores migrantes de baixa renda, como os que trabalham com limpeza e segurança de supermercados, aos trabalhadores da gig economy, como os riders e os motoristas da Uber.

Em novembro passado, ele organizou a primeira greve nacional de motoristas da Uber, quando os motoristas de Londres, Birmingham e Nottingham desligaram seu aplicativo para protestar contra os baixos salários. Em julho de 2018, esse sindicato lançou uma campanha em que pedia que o prefeito de Londres interviesse contra a exploração por atacado dos motoristas de minicab por parte de operadores como Uber e Addison Lee.

O IWGB também tomou medidas legais contra outras empresas da gig economy, como Deliveroo, CitySprint e Green Tomato Cars.

O GMB, por sua vez, é um sindicato tradicional, cujas raízes se afundam na história da General Union do início do século XX na Grã-Bretanha, cujos membros trabalham em quase todos os setores industriais, no varejo, na segurança, na educação escolar, na distribuição e nos serviços públicos, na assistência social, na saúde e na administração pública.

Alguns dos que moveram o processo e as próprias organizações sindicais, embora manifestando uma compreensível satisfação com o resultado de uma batalha que se arrastava há pelo menos três anos, logo lembraram que a luta não acabou: agora, é preciso estender a todos a vitória dos trabalhadores que levaram para o tribunal uma empresa de vários milhões de libras: “Agora é hora de que o governo e o prefeito de Londres atuem”, afirmou Yaseen Aslam, um dos autores do processo, pedindo medidas legislativas urgentes nessa matéria.

A Uber anunciou outro recurso contra a sentença (“um estratagema para atrasar as inevitáveis mudanças do seu modelo de negócio”, segundo James Farrar, outro autor do processo e presidente do IWGB), mas a batalha se desloca agora decisivamente para nível político, para a implementação do status de trabalhador para todos os motoristas.

Em meados de 2016, Theresa May anunciou o compromisso de agir pelos trabalhadores, em particular sobre o problema da exploração na gig economy. Novamente em 2017, os Tories renovaram o seu compromisso (em palavras) também em um “Manifesto”. No entanto, como era esperado, a montanha deu à luz um rato: a Taylor Review of Modern Working Practices, encomendada pela primeira-ministra para formular recomendações sobre como abordar os problemas levantados pelos motoristas da Uber, durou 10 meses e consiste em um documento de 116 páginas publicado em julho de 2017.

Nesse documento, o secretário de Estado para Negócios, Energia e Estratégia Industrial não reconheceu adequadamente que a natureza do problema é formada por empresas que privam os seus trabalhadores de direitos, ilegal e conscientemente, mas preferiu adotar a narrativa patronal, que fala de “quadro jurídico incerto”. Além disso, o documento final sequer exige uma séria extensão dos direitos para os trabalhadores da gig economy.

Por isso, parece etéreo o Good Work Plan anunciado pelo governo no dia 17 de dezembro (ou seja, dois dias antes da sentença contra a Uber). Trata-se de um documento de 64 páginas que introduz modificações no direito do trabalho na Grã-Bretanha, com a intenção formal de melhorar a proteção para os trabalhadores temporários e atípicos. É uma pena que, para nos limitarmos ao que diz respeito à gig economy, o texto forneça genericamente uma legislação que unifica os testes de avaliação da condição ocupacional com a fiscal e um direito igualmente genérico de exigir um horário de trabalho mais estável após 26 semanas de contrato.

Além disso, é preciso especificar que o direito do trabalho inglês distingue os employees (isto é, os trabalhadores subordinados, em sentido estrito) dos workers, figura que representa uma espécie de híbrido entre trabalhadores autônomos e subordinados. E as duas sentenças anteriores, embora reconhecendo o status de worker aos motoristas da Uber, negam acesso ao de employee.

O IWGB defende que as reformas anunciadas pelo governo não vão servir para resolver o problema, e, no dia 21 de dezembro, em uma carta de 48 páginas, o secretário geral da organização, Jason Moyer-Lee, à luz da inconsistente ação do governo nesses últimos três anos, convidou os parlamentares a apresentarem uma moção de desconfiança em relação ao secretário de Estado, encontrando o apoio imediato do Partido Trabalhista.

Por outro lado, o próprio Moyer-Lee declarou que há uma necessidade urgente de um real aumento dos direitos para os trabalhadores precários e de um plano sério para a aplicação da lei, já que “está se tornando cada vez mais ridículo para as chamadas empresas da gig economy defender que a lei não é clara quando elas perdem praticamente todos os processos nos tribunais [...]. Empresas como a Uber se safam privando seus trabalhadores de direitos fundamentais, porque o governo não faz praticamente nada para fazer com que seja respeitado o direito do trabalho, e as chamadas reformas dos Tories anunciadas nesta semana não farão nada para mudar a situação”.

Enquanto se aguarda a publicação do texto da sentença do dia 19 de dezembro, pensamos, portanto, que a batalha política e sindical em torno das reivindicações dos trabalhadores britânicos da Uber e das outras empresas do setor no Reino Unido ainda está longe de acabar. Mas não há dúvida de que o sucesso legal dos trabalhadores e das organizações sindicais britânicas, junto com o dos riders franceses da Takeiteasy, graças a uma sentença semelhante do Tribunal de Cassação do dia 28 de novembro, abrem uma brecha interessante e significativa no muro de borracha da gig economy no continente europeu.

Leia mais