25 Setembro 2018
Do século XI ao XIX, a Igreja latina canonizou raramente os papas. O pontífice, como teorizaram os reformadores gregorianos, é "santificado" em vida pela sua função e não havia nenhuma razão para adicionar a santidade que resulta do "processo". As exceções são muito poucas e lentas, como aquela que tornou santo São Gregório VII, em 1606, ou Pio V, em 1672, cem anos após sua morte. Então veio Pio XII e acabou com a prudência.
O comentário é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha, publicado por La Repubblica, 22-09-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o comentário.
Não tanto com a beatificação de Inocêncio XI, que morreu em 1689, quanto com a beatificação e canonização de Pio X, aquele que se convenceu de que os fermentos do início do século fossem uma super heresia "modernista": o Papa de sua juventude tornava-se o modelo de uma repressão teológica que nos anos 1950 atingiu os grandes teólogos do século XX católico e seus discípulos (até o jovem Ratzinger, cuja tese não foi publicada por isso).
Durante o Concílio Vaticano II, houve uma pressão para proclamar no concilio a santidade do Papa Roncalli, trancada pela "ameaça" de um milhão de assinaturas por exigir aquela de Pio XII. O que, além de suas indiscutíveis virtudes privadas, teria trazido três resultados: transformá-lo no protetor do anticoncílio, ao qual recorrer contra o Papa reinante; usá-lo contra aquela linha do documento Nostra Aetate que condena o antissemitismo "em todas as épocas"; reivindicar o ostracismo para a história sobre o que o próprio Pacelli definiu de "meu silêncio sobre o comportamento dos Alemães" durante a guerra.
Paulo VI resolveu anunciando dois processos ordinários, colocando um na sequência do outro. Foi Wojtyla quem "desbloqueou" Roncalli, beatificado no Jubileu com Pio IX e canonizado por Francisco juntamente com o próprio João Paulo II. E que criou aquela sequência dos "papas santos", em que também acabarão Ratzinger e Bergoglio: e que agiganta a questão do excluído Pacelli, de quem em 2010 foram reconhecidas as virtudes heroicas, mas que não é beatificado porque seria ainda usado para aquelas três finalidades.
Hoje, tudo - até mesmo a edição de documentos publicados por um arquivista rigoroso como Ickx, que confirmam o que já John Pollard havia estudado e os dados descobertas no grande encontro sobre Bento XV organizado por Giulia Grossi e Giovanni Cavagnini para a Arquidiocese de Bolonha - corre o risco de ser visto como uma contribuição para a aceleração ou retardamento da causa Pacelli.
Foi assim quando Uri Bialer estudou a posição de Pio XII sobre o nascimento do Estado de Israel; quando foi investigado o destino das crianças judias da França restituídas por Roncalli à fé dos pais; quando Emma Fattorini comparou o registro espiritual de Pio XI no momento de sua morte e do seu sucessor diante das leis raciais.
Quando a causa Pacelli será concluída, os aparvalhados simplistas que imaginaram o "papa de Hitler", esquecendo o profundo antissemitismo dos cristãos, e os prolíficos inventores do Papa "que salvou os judeus" poderão se acalmar e deixar que a história trabalhe em questões sérias. Tentar fazer com que os documentos de 1917 publicados por Ickx contem verdades sobre 1939 é jogar tarô com os arquivos. Mas a história é outra coisa.
Leia mais
- Pio XII: como 11 mil judeus romanos foram salvos
- Francisco poderá canonizar também Pio XII
- São João XXIII, festa sob o sinal do Concílio
- A profecia do Papa Roncalli
- O ameaçador papa de Sorrentino
- Pio XI, o papa dos desafios
- Mayr-Nusser, o homem que disse não a Hitler. Uma escolha corajosa e de vanguarda
- Quando Hitler se apaixonou pelas leis estadunidenses. Artigo de Siegmund Ginzberg
- Bento XV, Papa durante a Primeira Guerra Mundial, e a busca pela paz
- O ''corvo'' alemão de Bento XV: espionagem no Vaticano em 1914
- A revolução de Bergoglio. Em doses homeopáticas, mas irreversível
- Ratzinger aos opositores: "Francisco, um grande Papa"
- João Paulo II: os anos de terror na Igreja
- Papa Francisco: “Que São José dê aos jovens a capacidade de se arriscarem por seus sonhos”
- Após 25 anos do grito de Wojtyla, a declaração de guerra de Bergoglio às máfias
- Concílio Vaticano II. 50 anos depois: uma história de esperança e de desafios
- Comunhão aos cristãos não católicos, a referência é o Concílio
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Mas a história ainda se lembra de seu silêncio sobre o nazismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU