O ''papel público'' da Igreja em defesa dos últimos

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03 Mai 2018

Há ainda um longo caminho a percorrer para que o Concílio Ecumênico Vaticano II e, em particular, a eclesiologia da constituição conciliar Gaudium et spes sejam recebidos e assimilados. E isso parece evidente em um momento de crise como o que estamos vivenciando.

A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 01-05-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Quem defende isso é Massimo Faggioli, professor do Departamento de Teologia e Ciências Religiosas da Villanova University (Filadélfia), no livro Cattolicesimo, nazionalismo, cosmopolitismo [Catolicismo, nacionalismo, cosmopolitismo, em tradução livre] (Armando Editore, 176 páginas), dedicado à relação entre Igreja, sociedade e política do Vaticano II ao pontificado de Francisco.

De acordo com o estudioso, a Igreja Católica como instituição “recebeu apenas parcialmente a eclesiologia do Vaticano II: alguns legados-chave do cristianismo europeu ainda estão presentes como características da Igreja Católica global. O mais célebre, mas não o único, é a contribuição financeira que a Igreja recebe anualmente dos contribuintes graças a uma concordata (por exemplo, na Itália e na Alemanha”.

Faggioli observa que as reformas pós-conciliares não modificaram o sistema global das relações entre Igreja e Estado, e, portanto, “equivocam-se aqueles que acreditavam que o tempo das concordatas acabaria com o Concílio”.

No livro, o professor, natural de Ferrara, mas que mora há muitos anos nos Estados Unidos, lembra a desilusão ideológica e política “sofrida pelo cristianismo pós-conciliar: nos anos posteriores a 1989-1991, quem ocupou o espaço deixado pelo comunismo na Europa oriental não foi a Igreja conciliar, mas o livre mercado”.

Nos 25 anos seguintes ao fim do comunismo, “João Paulo II e Bento XVI percorreram uma linha sutil: por um lado, a Igreja Católica se tornou a mais importante defensora dos direitos humanos e da liberdade religiosa do mundo global. Por outro lado, o papado não tinha nenhuma intenção de renunciar a determinadas prerrogativas acumuladas no século anterior através da diplomacia vaticana e a uma sábia gestão dos legados (simbólicos e materiais) do poder temporal”.

De acordo com Faggioli, com o pontificado de Francisco – que, porém, nunca falou em termos gerais do tipo de tratamento legal e constitucional que os católicos deveriam obter ou buscar em um país –, emerge mais distintamente uma eclesiologia que “apela a uma Igreja Católica livre das proteções da Igreja nacional nos Estados confessionais, como demonstram as declarações abertamente a favor de um Estado secular e contra a nostalgia do Estado confessional”.

O estudioso define como “singular” a maneira pela qual o Papa Bergoglio aborda as questões sociais e políticas. Francisco “não cessa de denunciar as injustiças do sistema econômico, mas está muito ciente dos riscos de manipulação política do papado” e “pretende manter os políticos na sua devida distância”, embora tente “reabilitar a política” em uma época em que sua legitimação está em crise.

“A visão que Francisco tem da Igreja – escreve Faggioli – não é liberal: é uma Igreja que escuta, mas não cessa de pedir para ser ouvida pelo papel que desempenha no espaço público. Em outras palavras, o radicalismo de Francisco não deve ser confundido com uma teologia política que apoia o drástico fim da Igreja institucional nos lugares onde ela existe e opera”.

Por isso, “em um católico enraizado na teologia do Vaticano II como o Papa Francisco, a relutância em eliminar totalmente os vestígios da Igreja estabelecida” de memória constantiniana “está ligada ao papel que a Igreja Católica Romana desempenha no mundo global investida pelo ‘paradigma tecnocrático’. Devemos nos perguntar hoje – continua o estudioso – se a Igreja estabelecida não é talvez um dos poucos baluartes que restaram contra a destruição do Estado social, o turbo-capitalismo, a individualização radical da vida humana, o neoimperialismo e o excepcionalismo estadunidense”.

Faggioli explica que “a relutância em se libertar do papel público da Igreja não deriva apenas da quantidade de obras sociais e de assistência que ela pode oferecer com o dinheiro dos contribuintes que fluem graças às concordatas; nem se trata apenas de iniciativas de beneficência e de filantropia, mas também do trabalho que o governo terceirizou para as Igrejas há muito tempo e que agora faz parte do sistema socioeconômico dos países mais ricos da Europa. Trata-se de também, senão acima de tudo, das repercussões do ‘paradigma tecnocrático’ sobre um sistema social e político global sem a voz e o papel da Igreja Católica”.

Uma retirada radical da Igreja da esfera pública implicaria uma perda do “púlpito” com o qual ela intervém em favor e em prol dos excluídos do sistema econômico.

Essa dificuldade de abandonar esse púlpito, de acordo com Faggioli, é uma das questões transversais que marcam uma diferença entre o catolicismo eurolatino-americano e o catolicismo do mundo anglo-saxão que emergiu nesse pontificado. “No mundo anglo-saxão, percebe-se como ridícula não apenas a ideia de que os contribuintes despejem dinheiro em uma Igreja que se opõe aos elementos-chave do sistema capitalista. Há também uma questão teológica e ideológica precisa: na mundo anglo-saxão, o liberalismo político e o liberalismo teológico estão muito mais alinhados e sobrepostos do que na Europa ou em outros lugares”.

Em Francisco, portanto, existe “uma ambivalência sobre o papel da Igreja na esfera pública: uma Igreja que não quer ser politizada, mas que reivindica o direito e o dever de ser ‘política’, pelo menos na medida necessária para uma Igreja profética”. Mais do que uma ambivalência, trata-se de um dilema causado pelas profundas mudanças no papel da Igreja no nosso mundo globalizado.

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