Sinais de que a viagem papal ao Egito pode ter feito a diferença

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19 Mai 2017

Dois sinais recentes sugerem que a viagem do Papa Francisco, nos dias 28 e 29 de abril ao Egito, quando proferiu o seu discurso mais forte contra a violência e o extremismo religioso, pode servir como indicativos de que ela fez a diferença. Um é a construção de uma nova igreja cristã com ajuda muçulmana, o outro são as acusações de juristas contra um clérigo islâmico poderoso que chamou os cristãos e judeus de “infiéis”.

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 17-05-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Desde que o Beato Paulo VI foi chamado de “o Papa Peregrino” por se tornar o primeiro pontífice a deixar a Itália desde 1809, e o primeiro na história a visitar o hemisfério ocidental, a África e a Ásia, os papas até agora já fizeram 157 idas ao estrangeiro – 104 delas, vale dizer, pertencendo a São João Paulo II.

Para ser honesto, nem todas essas viagens fizeram a diferença no mundo.

Não está claro se a viagem de João Paulo II em 1982 a San Marino, por exemplo, tenha deixado alguma marca histórica profunda, e seria difícil descobrir grandes conquistas com a visita de dois dias feita por Bento XVI em 2009 à República Tcheca.

No entanto, de vez em quando uma viagem parece realmente fazer a diferença – mudando a situação local, incentivando uma transição já a caminho, ou lançando luz sobre uma realidade que vinha sendo ignorada ou minimizada.

Exemplos de viagens papais assim incluem a primeira ida de João Paulo II à Polônia, em 1979, momento que muitos analistas creem ser o começo do fim do comunismo soviético; a inesquecível viagem de 2000 à Terra Santa, com a parada num Muro das Lamentações, onde deixou uma nota comovente condenando o antissemitismo; e a visita de Bento XVI em 2006 a Regensburg, na Alemanha que atiçou protestos, mas também iniciou um processo de reflexão no mundo islâmico sobre a necessidade de confrontar a violência religiosa.

É cedo demais ainda para julgar em que categoria se encontra a breve viagem de Francisco ao Egito este ano, mas estes últimos dias apresentaram sinais que podem nos ajudar a interpretar o seu significado.

A viagem dos dias 28 e 29 de abril desdobrou-se à sombra dos bombardeios no Domingo de Ramos a duas igrejas coptas no país e que deixou 45 mortos, um lembrete do extremismo e da violência religiosa que se tornou parte da paisagem em muitas regiões do Oriente Médio. Nesse contexto, Francisco fez um forte chamado aos líderes políticos e religiosos para “desmascarem a violência maquiada como suposta santidade".”.

Francisco também fez uma defesa robusta da minoria cristã no Oriente Médio, chamando-a de a “luz e sal desta sociedade”.

A última vez que um pontífice proferiu uma repreensão ao Egito sobre a situação de seus cristãos, o que veio com Bento XVI em 2011, o establishment político e religioso local expressou indignação, suspendendo as relações diplomáticas e o diálogo inter-religioso com o Vaticano. Dessa vez, no entanto, Francisco foi celebrado como um herói moral, dando entender que algo pode ter mudado.

Pelo menos, dois desdobramentos recentes no Egito sustentam essa percepção.

O primeiro é a construção de uma nova igreja cristã copta na localidade de Ismailia, localizada na província de Minya, dedicada a São Jorge e a Virgem Maria. Uma coisa que torna este caso marcante é como a igreja foi construída.

O bairro de Ismailia compõe-se de um terço de cristãos, dois terços de muçulmanos, e no passado esteve marcado pela mesma luta sectária que têm engolido outras partes do país. De acordo com o costume egípcio, ele tem um “comitê de reconciliação” que arbitra disputas, embora em muitos casos os cristãos venham se queixando de que estão sendo desfavorecidos em seus interesses.

Dessa vez, porém, o comitê não só aprovou esmagadoramente a construção de uma nova igreja, mas também a população muçulmana local contribuiu com uma parcela significativa para o seu financiamento.

Falando numa cerimônia para a inauguração da igreja, o prefeito apresentou o resultado como um exemplo de “concórdia nacional” e de uma ajuda bem-vinda decorrente de cooperação estrangeira para construir locais de culto.

Este desdobramento igualmente marca um rompimento com uma norma altamente restritiva no Egito sobre a construção de novas igrejas. Eis como a Solidariedade Copta, grupo formado por cristãos egípcios, caracterizou a situação: “Nos últimos 60 anos, uma média de duas igrejas por ano foram aprovadas. O Egito tem um total de menos de 2.600 igrejas, o que significa cerca de 1 para cada 5.5000 cristãos do país. (Em comparação, há cerca de 1 mesquita para cada 620 muçulmanos no Egito.)”

Em outro fronte, um clérigo islâmico famoso, o Xeque Salem Abdul Jalil, também subsecretário no ministério egípcio para as “alocações religiosas”, recentemente foi para a televisão denunciar os cristãos e judeus como “infiéis” e declarar suas doutrinas como “corruptas”. No passado, este tipo de retórica poderia passar sem ser notada ou mesmo poderia ser aplaudida. Mas não desta vez.

Diferentemente, o ministro para quem Jalil trabalha, Mohamed Mokhtar Gomaa, rapidamente emitiu uma nota negando as declarações e afirmando que Jalil estava proibido de pregar em mesquitas. Vários juristas no país acusaram de “ultraje contra a religião”, crime segundo o direito egípcio, e ele agora deverá se apresentar diante de um tribunal no dia 25 de junho.

A agência noticiosa católica Fides citou Boutros Fahim Awad Hanna, bispo católico copta de Minya, que disse: “Aqui no Egito, têm ocorridos processos contra cristãos e muçulmanos por ofensas ao Islã, mas este poderá ser o primeiro processo contra um muçulmano acusado de ofender o cristianismo e o judaísmo”.

Jalil desculpou-se pela escolha das palavras, embora não tenha se retratado do conteúdo delas.

Certamente podemos debater a sabedoria por trás da criminalização de declarações contra crenças religiosas, mas a disposição em processar a fundo um poderoso clérigo muçulmano por desrespeitar os sentimentos de grupos minoritários é, não obstante, um sinal admirável de uma mudança de ares.

Em outras palavras, não é que a visita de Francisco ao país tenha causado tudo isso. Na verdade, a força básica em jogo provavelmente é que a maior parte dos egípcios estão simplesmente fartos com os conflitos armados.

No entanto, a ida do pontífice ao país captou este clima e, com razão, o encorajou ainda mais. Se o Egito realmente tiver uma reviravolta na luta contra a violência e o extremismo religioso, a viagem de Francisco e a mensagem que ele deixou poderão ser lembradas como uma parte importante desta transição.

É uma enorme incógnita saber se algo assim irá acontecer, mas se ocorrer, então o Egito claramente vai entrar para a história como uma outra visita papal que realmente fez a diferença.

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