Cardeal Cupich: Francisco tem dado vida nova às reformas do Vaticano II

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15 Março 2017

Nestes quatro anos como líder da Igreja Católica, o Papa Francisco tem dado vida nova às reformas do Concílio Vaticano II, diz o cardeal-arcebispo Blase Cupich, de Chicago.

Em entrevista concedida antes do quarto aniversário desde a eleição do Papa Francisco, em 13 de março, o prelado falou que o papa está “revigorando aquela experiência de Igreja” que as pessoas tiveram depois das reformas do Concílio de 1962-1965.

“Quando vejo a reação das pessoas hoje, lembro de como respondíamos ao Concílio com a mesma sensação de esperança e alegria, orgulho da Igreja que víamos naquela época”, disse Cupich.

A entrevista é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 13-03-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Na entrevista, feita no Pontifício Colégio Norte-Americano em fins de fevereiro, o cardeal falou sobre o estilo de liderança do papa, colaborativo e consensual, e sobre os esforços em reformar a burocracia vaticana.

“Não penso que Francisco possua um modelo com relação a como seria uma estrutura reformada, mas acho que a sua visão de ver que Cristo é aquele que está na condução da Igreja, e nós estamos atentos a isso, irá deixar claro como deve se parecer esta estrutura”, disse Cupich.

“Ele constantemente volta à questão: Para onde Deus nos chama neste momento?”, disse. “E só então fazemos uma reforma ao redor disso. Ele precisa ter essa visão, mas é uma visão sobre o que Cristo deseja que façamos, não o que ele, o papa, quer fazer”.

Cupich também falou sobre aquelas pessoas podem estar achando desconfortável este estilo de liderança baseado no diálogo – evidenciado pelo processo sinodal de dois anos realizado antes da escrita de Amoris Laetitia.

“As pessoas são impacientes com o processo que não dá (...) respostas imediatas”, declarou. “Vivemos numa era de imediaticidade, onde queremos tudo agora – se o nosso telefone não se conectar, a internet cair e não recebermos nenhuma informação, teremos problemas com o horário do avião. Queremos as coisas agora”.

“Existe a tentação de encurtarmos as coisas, e a não investir tempo e esforço”, disse o Cupich. “Penso que é preciso estar disposto a caminhar com o povo e, às vezes, se sentar em volta de uma mesa e escutar os demais”.

Eis a entrevista.

Há alguma coisa que o senhor acha que vem sendo ignorado ou subestimado no que o papa tem feito?

Me permita responder de um modo mais pessoal. Há 50 anos eu entrava para o seminário. Em 1967, eu havia acabado de concluir o ensino médio. Foi logo depois do Concílio Vaticano II. E acho que não tive a sensação de frescor do Concílio mais do que estou tendo agora.

Em vários sentidos, acho que o papa está revigorando aquela experiência de Igreja, que vivenciamos durante o Concílio Vaticano II. De diferentes modos, ele está dando vida nova a ela. Considero isso bastante pessoal.

Ao mesmo tempo, quando vejo a reação das pessoas hoje, lembro de como respondíamos ao Concílio com a mesma sensação de esperança e alegria, orgulho da Igreja que víamos naquela época.

E mais: o fato de que ele está surgindo como um líder mundial e falando sobre temas que possuem um impacto global, provavelmente mais do que qualquer outro líder atualmente. O papa parece ter um alcance que atravessa as culturas, os grupos linguísticos, as fronteiras nacionais, parece que tem um grande apelo às pessoas.

Se tivesse de reduzir a visão de Igreja do papa a uma frase ou tema, qual seria?

“Gaudium et Spes”. As alegrias e as esperanças. Mas também as lutas, as tristezas que as pessoas têm. Ele está unido com essas pessoas. A Igreja afirma ser uma especialista em humanidade, e uma especialista sobre humanidade. Eu acho que o papa está realmente tentando, de diferentes formas, expressar as aspirações da humanidade, mas também os desafios que ela enfrenta atualmente, como diz o documento Gaudium et Spes. É assim que eu resumiria.

O papa tem expressado uma visão clara sobre como acha que a Igreja deveria ser. Podemos lembrar aqui Evangelii Gaudium ou Amoris Laetitia. Mas também ele está tentando realizar uma reforma estrutural. Onde podemos perceber ele equacionar a expressão desta visão com as reformas estruturais?

Não vejo necessariamente nenhuma tensão em fazer estas duas coisas, porque penso que não podemos ter uma reforma estrutural sem uma visão, um plano, pois, caso contrário, não haverá nenhum resultado efetivo.

Penso que ele tem um propósito e uma missão no que tem feito. Ele não está fazendo estas reformas apenas por reformar, está fazendo-as por causa da visão que existe. O papa quer situar a Igreja do futuro para viver esta visão.

Mas penso que um elemento central nessa visão – e vemos isto em Amoris Laetitia – é que existe uma pedagogia divina, não só para o indivíduo, mas para a Igreja. Portanto não só há uma necessidade de discernimento para a pessoa sobre sua vida, mas há uma necessidade de um discernimento sobre aonde Cristo está conduzindo a Igreja.

Não acho que Francisco possua um modelo com relação a como seria uma estrutura reformada, mas acho que a sua visão de ver que Cristo é aquele que está na condução da Igreja, e nós estamos atentos a isso, irá deixar claro como deve se parecer esta estrutura. Ele está seguindo uma pedagogia divina desse modo.

É isso o que ele tem feito com o Conselho de Cardeais que o está ajudando. Estas pessoas não estão aí apenas com suas ideias sobre como a Igreja deve operar estruturalmente com os seus variados departamentos. Para onde Deus nos chama neste momento? E só então fazemos uma reforma ao redor disso. Ele precisa ter essa visão, mas é uma visão sobre o que Cristo deseja que façamos, não o que ele, o papa, quer fazer.

Penso que ele tira a sua confiança daí. O papa não se deixa intimidar pelos críticos ou pessoas que, de um modo, o interpretam mal.

Acho que ele é livre não no sentido de ignorar os demais e fazer o que bem quer, mas livre a fim de ser responsivo para onde ele percebe o chamado de Cristo acenando. É essa a liberdade que ele desfruta, e é essa a bênção que penso que ele representa para nós.

O papa tem focado, e muito, na colaboração e na consulta. Em Laudato Si’, ele cita inúmeras conferências episcopais diferentes. Amoris Laetitia foi publicada após dois Sínodos dos Bispos. Nesse sentido, ele está fazendo da consulta algo novo, uma mudança na Igreja?

Sim. É um modelo sinodal. O Sínodo não é apenas um departamento, mas um modo de ser Igreja.

Isso é uma coisa que eu sempre tentei fazer quando estive em postos de liderança, fosse no seminário, fosse como pastor de uma paróquia ou bispo de uma diocese, não importa o tamanho que fosse.

Penso que algo assim consegue duas coisas. Antes de tudo, ouvir as outras vozes nos dá uma ideia de qual é o problema. Em segundo lugar, mantém-nos longe da tentação de termos de tomar todas as decisões e de o peso recair sobre nós.

Ou, o que é pior, evita com que façamos do nosso trabalho um exercício de afirmação do próprio ego. Porque existe uma tentação às vezes de fazer de todo o nosso trabalho um grande exercício narcisista, onde queremos, de algum modo, nos provar pelas decisões que tomamos.

Isto é bastante tentador a pessoas que se encontram em cargos de autoridade. A pessoa quer construir este prédio, ela quer fazer esta tarefa em particular para deixar como um legado. Acho que se fizermos assim, então não seremos realmente livres para resolver os problemas que existem porque ficaremos cegos com a tarefa que, pensamos, afirmará o nosso próprio ego.

Me parece que ele tem esse tipo de liberdade para ser capaz de contar com os insights das demais pessoas, mas ao mesmo tempo para ter certeza que estar livre daquela tentação.

Fico imaginando o que o senhor diria às pessoas que não se sentem confortáveis com este estilo de liderança baseado no diálogo e, talvez, que queiram respostas mais claras, ou ainda que querem que o papa diga algo com mais clareza.

Penso que não se trata apenas de clareza. É a imediaticidade. As pessoas são impacientes com o processo que não dá respostas imediatas. Vivemos numa era de imediaticidade, onde queremos tudo agora – se o nosso telefone não se conectar, a internet cair e não recebermos nenhuma informação, teremos problemas com o horário do avião. Queremos as coisas agora.

Acho que há mais uma coisa, e já falei dela: para nós todos, este processo é um trabalho difícil. Lidar com as pessoas é um trabalho difícil. Criar uma família é um trabalho difícil. Os pais têm um trabalho duro pela frente quando possuem filhos.

Existe a tentação de encurtarmos as coisas, e a não investir tempo e esforço. A verdadeira tentação é a preguiça. Você sabe, a preguiça ainda é um vício e pode impactar na vida de um líder às vezes. Não se quer fazer o trabalho difícil. Não se quer ler. Penso que os líderes precisam ler continuamente. Acho que é preciso estar disposto a caminhar com o povo e, às vezes, se sentar em volta de uma mesa e escutar os demais.

De algum modo é preciso contar com a assessora de especialistas. É o trabalho difícil. Acho que é uma tentação contra a impaciência em querer que as coisas acontecem imediatamente, mas também contra o trabalho duro que precisa acontecer.

Alguns amigos meus acham que os dos pilares que baseiam a forma de Francisco proceder em sua vida são a oração e o discernimento. O que ele estaria ensinando à Igreja sobre como passar por um processo de discernimento?

Eu diria que um outro elemento aí é uma confiança. Penso que com a prática da oração e do discernimento, há um ponto também em que simplesmente temos de dizer: “Confio que as coisas irão em frente”.

Por exemplo, lembro que no Sínodo de 2015 houve alguns momentos em que não fazíamos ideia de aonde as coisas iriam se dirigir em termos de votação. Mas do modo como o processo estava acontecendo, as pessoas se apresentavam com ideias diferentes e diziam coisas diversas, houve tudo isso naquelas semanas.

E ele, o papa, parecia imperturbável; não se incomodou com o que se passava. Não pareceu que estava perdendo o sono, ou algo assim. Ele rezava sobre as coisas e as discernia, sim, mas também confiava. Para mim, foi revelador ver que o papa era um homem que realmente agia como Abraão, que podia olhar para as estrelas do céu e confiar tudo iria dar certo.

Aprendemos com um teólogo chamado Juan Alfaro, que deu um curso sobre a fé. Ele usada a frase o tempo todo: “appoggiarsi a Dio”, apoiar-se em Deus. É isso o que me vem à lembrança quando penso no Papa Francisco. Ele é uma pessoa que não só reza e discerne, mas também que se apoia em Deus. Ele tem este “appoggiarsi a Dio”.

Sob os pontificados de Bento XVI e João Paulo II, falávamos sobre uma nova evangelização ou sobre doutrina. Francisco fala sobre acompanhamento, ou sobre caminharmos juntos. O senhor vê neste papado uma mudança na maneira como pensamos a Igreja?

Eu acho que ele está em grande sintonia como Evangelho de Lucas. Acho também que ele vê a Igreja movendo-se através da história como um povo em peregrinação, que é um tema do Concílio Vaticano II e de Lumen Gentium.

Eis um outro motivo pelo qual digo que Francisco está revigorando aquilo que vivenciamos do Concílio, pois está voltando a estes temas. Me parece que algo assim é fundamental. Não creio que seja uma novidade.

Ele é um dos primeiros filhos do Concílio a se tornar papa. Me parece que o Concílio o formou com determinada abordagem e ele a está recuperando.

Há algo que Francisco deveria dar mais atenção nos próximos ano?

Penso que uma das coisas a que ele já demonstrou estar disposto é a importância real de a Igreja seguir em frente na inculturação. De fato, acredito que estamos apenas começando a entender o que isso significa.

Vamos à periferia não porque as pessoas precisam de nós, mas porque nós precisamos delas a fim de ter uma plena compreensão sobre a humanidade. Outras culturas podem ensinar à Igreja. Sempre foi assim.

Olhamos para a liturgia romana hoje e ela não é uma liturgia que foi inventada totalmente a partir de Roma, mas possui um monte de influências do Oriente, da Grécia, da Europa do norte.

Porém ainda precisamos permitir que a forma como adoramos esteja mais inculturada. Penso que isso vale para a tradução das orações em outros idiomas.

Penso em inculturação do jeito que fazemos as coisas na Igreja, do modo como governamos, a inculturação da linguagem que empregamos na teologia, no modo como adoramos. Penso que estamos no início de um trabalho de inculturação.

Por exemplo, durante o Sínodo, um dos bispos de um país asiático disse que o termo indissolubilidade era uma palavra extremamente difícil para eles compreenderem, por ser um termo demasiado jurídico e legalista para descrever a santidade da relação matrimonial.

Penso que esse tipo de debate relevou que muitas vezes nós, no Ocidente, viemos com os nossos pensamentos e padrões de discurso que, de algum modo, podem estar afastando as pessoas do Evangelho, e que precisamos ouvir as outras vozes nos dizer por que o Evangelho não vem sendo recebido.

Existe um outro modo em que elas poderiam expressar aquele compromisso que temos que está mais em sintonia com a realidade atual vivida pelas pessoas?

A indissolubilidade como palavra não se relacionava com a experiência que as pessoas tiveram. Para elas, temos aqui uma palavra bastante estranha. Bem, vale a pena ouvir isso. E talvez devamos aprender que, ao usarmos este termo, estamos diminuindo o entendimento daquela relação ao empregar uma palavra que possivelmente não faz sentido às pessoas, ou que simplesmente é ofensiva.

Penso que a inculturação é uma grande área que ainda não se desenvolveu plenamente, e me parece que o papa percebeu isso.

Há algo que eu não perguntei e que o senhor gostaria de dizer?

Estamos prestes a comemorar o quarto aniversário, também, dos últimos dias do Papa Bento. Ele anunciou a renúncia durante o Ano da Fé. Este foi provavelmente o maior ato de fé que ele nos deixou como legado à Igreja.

Creio que seria bom recordar a todos que estamos aqui por causa de um homem chamado Joseph Ratzinger, Bento XVI, quem teve o mesmo tipo de visão sobre Cristo conduzindo a Igreja, pois percebeu que tal não dependia dele. Ele pôde dar um passo atrás e sabia que a Igreja ficaria bem.

Isto me lembra que tivemos Francisco porque tivemos Bento.

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