O novo mandamento

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22 Abril 2016

“Assim como eu vos amei”. Neste domingo e no próximo, a Liturgia proclama algumas das últimas palavras de Jesus antes da sua Paixão. Palavras que viram o mundo de cabeça para baixo: “Eu vos dou um novo mandamento.”

A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 5º Domingo da Páscoa, do Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.

Referências bíblicas

1ª leitura: “Tendo reunido a Comunidade, contaram-lhe tudo o que Deus fizera por meio deles” (Atos 14,21-27)
Salmo: 114(115) - R/ Bendirei o vosso nome, ó meu Deus, meu Senhor e meu Rei para sempre.
2ª leitura: “Deus enxugará toda lágrima dos seus olhos” (Apocalipse 21,1-5)
Evangelho: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros” (João 13,31-35)

Ouça a leitura do Evangelho: 

 

Os tortuosos caminhos da glória

Judas tinha acabado de sair, ou seja, acabado de romper com a comunidade dos discípulos, para ir participar como traidor da condução de seu Mestre à morte. Tratava-se de provocar a destruição de Jesus. Com a intenção de forçá-lo a agir, enfim, no sentido de tomar o poder? Alguns sustentam que sim, mas nenhum texto vem corroborar esta interpretação psicológica.

Jesus vai ser detido, caluniado, rejeitado, suprimido, excluído do mundo dos vivos. E, no entanto, este caminho de decadência transforma-se em caminho de glória! Só "agora", após a saída de Judas, "foi glorificado o Filho do homem, e Deus foi glorificado nele". Mas o que é a glória? Podemos responder: a honra, o poder, a vida em plenitude. Mas, resumindo isso tudo, podemos acrescentar: a verdade.

De fato, trata-se de alguma forma da "reputação" de Deus entre os homens; da maneira pela qual O vemos. A nossa visão de Deus é, porém, mais ou menos falseada por aquela antiga mentira, que nos apresenta Deus como um egoísta transcendental: um Deus que nos engana, por medo de que nos tornemos "como ele". Alcançar a sua imagem e semelhança seria punido com a morte.

Cristo, a verdadeira "imagem do Deus invisível", é quem vai sofrer esta morte, não como uma punição "em nosso lugar", mas como o ato intransponível de amor, que o faz desposar o nosso infortúnio. Deus, então, será glorificado em Cristo. Irá, por fim, revelar-se tal qual Ele é: Amor, dom de Si mesmo. O Mentiroso foi desmentido.

O Filho glorificado

E tudo se realiza num ato só. Por que o Pai é glorificado? Porque este a quem chamamos de Filho, e que se faz um só com Ele, entrega livremente a sua vida aos que querem tirá-la. Daí, ficamos sabendo que a vontade de Deus consiste em submeter-se à vontade do homem. E esta exigência do amor conclama a reciprocidade: ao final do percurso, o homem desposará, por sua vez, esta decisão de amor.

Desde o ponto de partida, o homem Jesus fez sua, esta vontade do Pai: fazer-se em alimento para o homem. É o que se revela em Getsêmani, mas que já havia sido anunciado desde o início do evangelho de João: "Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra" (4,34). Resumindo, o que aprendemos na cruz é que há somente uma vontade para o Pai e para o Filho, ou seja, que Ambos se fazem Um só. Daí a expressão "Filho de Deus" ganha um novo sentido e vamos acabar dizendo que Jesus é Deus; Deus em nossa carne.

A Ressurreição não aparece mais, então, como uma espécie de milagre surpreendente, mas sim como uma necessidade: Jesus está vivo, é o Vivente, e as mortes que promovemos não são mais fortes que ele. O Cristo Jesus aparece na glória da vida de Deus porque esta glória é sua por origem. O paradoxo é que esta glória manifestou-se mediante a aceitação da perda da glória. Perdendo-se por nós e para nós é que Deus nos ensina o que é ser Deus.

Reviver o amor pascal

Aqui se pede um comentário. Deus, por certo, revela-nos muito bem o que Ele é, e Jesus diz exatamente: "Quem me viu, viu o Pai" (João 14,9). Entretanto, se sente a necessidade de dizê-lo, é porque isto não nos salta aos olhos. Paulo dirá que, por ora, "vemos em espelho e de maneira confusa" (1 Coríntios 13,12). Quem é este Jesus? Como é ele de verdade? Não terminaríamos nunca de responder a estas perguntas... Por isso, exatamente, é que não paramos de comentar os evangelhos e que os teólogos continuam a acumular volumes de escritos.

Deus, mesmo tendo se revelado em Cristo, permanece sempre para além das nossas percepções. Ele está aí, entregue em nossas mãos, mas a maneira atual que temos de "possuí-Lo" é buscando-O. Mas isto é tudo? Não. As últimas linhas do evangelho de hoje nos falam do "mandamento novo". Jesus se foi e os homens não terão mais diante dos olhos a sua humanidade reveladora do Pai. Agora, só podemos ver Jesus através do testemunho dos evangelhos. Mas um livro por mais inspirado que seja não é suficiente.

Para tornar sensível a presença atual de Cristo, é preciso também o testemunho vivo que possamos dar dele: o nosso amor mútuo. Amor que, forçosamente, não reside nos sentimentos, mas que reproduza a sua atitude para conosco: "Tende entre vós (ou em vós) as mesmas atitudes de Cristo Jesus" (Filipenses 2,5). Paulo continua recapitulando a obra pascal. Onde houver um amor como este Deus aí está.

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