Sanders, Morales e Correa discutem sobre a encíclica preferida dos “Teocon”

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

Por: André | 18 Abril 2016

É um sinal muito significativo que a Pontifícia Academia das Ciências Sociais tenha convidado (entre outros) para discutir sobre a encíclica Centesimus annus dois presidentes latino-americanos como Evo Morales (da Bolívia) e Rafael Correa (do Equador) e o candidato democrata Bernie Sanders. Não devemos esquecer que aquele texto do Papa Wojtyla, sua terceira encíclica social depois da Laborem exercens (1981) e da Sollicitudo rei socialis (1987), que foi publicada há 25 anos, imediatamente depois da queda do Muro de Berlim, é recordado como o documento mais na linha dos “think-tanks” estadunidenses.

A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 15-04-2016. A tradução é de André Langer.

O filósofo estadunidense Michael Novak, em um ensaio bastante crítico sobre algumas passagens da exortação Evangelii gaudium, recordou que teve a oportunidade de estudar os primeiros textos de João Paulo II. E notou que Wojtyla, “de 1940 a 1978, quando se mudou para o Vaticano, tinha ficado às escuras em relação à economia capitalista e aos sistemas de governo democráticos e republicanos. Para compreender os conceitos dessa forma de economia política, o Papa polonês teve que escutar muito e aprender a expressar-se com uma linguagem completamente diferente”.

Segundo Novak, João Paulo II “soube reconhecer” e dar valor à “grande mudança social” que se operou nos Estados Unidos justamente com sua encíclica Centesimus annus. João Paulo II compreendeu imediatamente que hoje “o fato decisivo é cada vez mais o próprio homem, e sua capacidade de conhecimento que surge mediante o saber científico, sua capacidade de organização solidária, sua capacidade para intuir e satisfazer as necessidades do outro”. O filósofo estadunidense católico citou depois o parágrafo 42 da mesma encíclica, na qual João Paulo II “define brevemente seu capitalismo ideal, como sistema econômico que nasce da criatividade, sob a égide da legalidade, e ‘cujo centro é ético e religioso’”.

Portanto, segundo o filósofo estadunidense, defensor da santa aliança entre o catolicismo e o capitalismo, a Igreja, com o Pontificado de João Paulo II, teria se aproximado deste sistema. E situações históricas concretas teriam motivado esta aproximação, cujo ponto mais elevado seria a Centesimus annus. Por isso, Novak disse que esperava que o Papa Francisco pudesse “desenvolver seu pensamento sobre a economia política, para assinalar a forma mais eficaz para ajudar os pobres a escalar a encosta das dificuldades e das privações. Estou certo de que conselheiros e colaboradores já estão trabalhando com afinco, e espero que partam das conclusões que João Paulo II redigiu, talvez com certas resistências, no parágrafo 42 da Centesimus annus, baseando-se na experiência concreta, para indicar uma via ponderada”.

Aqui se encontra um dogma teorizado e argumentado: a Igreja pode falar, se quiser, dos pobres e sobre a caridade, que nos recorde que temos que dar esmolas, que siga indicando-nos caminhos éticos, que trave suas batalhas para defender a vida e contra certos costumes nas sociedades ocidentais decadentes, que nos recorde que devemos ser bons e honestos. Mas, que não ouse sequer propor nenhuma questão sobre o atual sistema do capitalismo, esse sistema que já não tem contatos com a economia real, dá um enorme poder às finanças.

Devemos recordar que anos mais tarde, durante o Pontificado de Bento XVI, os mesmos “think-tank” chamados “teocons” não se sentiram tão à vontade com a Centesimus annus e criticaram a encíclica ratzingeriana Caritas in veritate, chegando inclusive a separar as partes do documento atribuíveis diretamente à mão do Pontífice daquelas escritas por alguns dicastérios vaticanos. Com as palavras claras do Papa Francisco sobre a “economia que mata”, acabou-se por completo a lua de mel.

A presença, no congresso sobre a encíclica wojtyliana, de personalidades como Morales, Correa e Sanders é um sinal que mostra esta distância. O candidato às eleições primárias entre os democratas disse que a situação, hoje, é “pior” do que na época de Leão XIII. “Em 2016, o 1% da população do planeta possui mais bem estar do que os 99% restantes”. E, a 25 anos da Centesimus annus, “a especulação, os fluxos financeiros ilícitos, a destruição ambiental e o enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores são mais graves. Os excessos das finanças e a ampla criminalidade financeira de Wall Street desempenharam um papel direto ao provocar a pior crise financeira do mundo desde a Grande Depressão.