O que o “convite” a Bernie Sanders diz sobre Vaticano?

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18 Abril 2016

O “convite” a Bernie Sanders para discursar a um congresso da Pontifícia Academia das Ciências Sociais na sexta-feira desencadeou uma série de reações. Há os que dizem ser uma irresponsabilidade de Sanders viajar logo após o seu debate de nesta quinta-feira com Hillary Clinton para fazer uma fala de 10 minutos em Roma, a somente quatro dias antes das primárias de Nova York. Há os que que veem nisso uma tentativa do establishment católico (masculino) de impedir a eleição de uma mulher para a Casa Branca. Alguns enxergam isso como um apoio da “agenda progressista judaica”, outros consideram como uma tentativa por parte de Francisco em fazer avançar uma pauta de esquerda na política americana.

O comentário é de Massimo Faggioli, professor de História do Cristianismo na University of St. Thomas, EUA, publicado por Commonweal, 14-04-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Nada disso é verdadeiro, portanto nem vale a pena perder tempo discutindo estas afirmações (exceto a do papa a interferir na política americana; falaremos sobre isso mais adiante). Este conjunto de erros, porém, revela algo interessante sobre o Vaticano da era Francisco e sua política.

A esta altura claro está que o convite, sobre o qual ficamos sabendo em 8 de abril, não partiu do próprio Papa Francisco nem da Secretaria de Estado, tampouco de alguém que normalmente convida líderes políticos ou que aceita convites para audiências. Ele veio de Dom Marcelo Sanchez Sorondo (prelado argentino), chanceler da Pontifícia Academia. Ele passou por cima de Margaret Archer, presidente da própria Academia, a qual não evitou tornar pública a sua surpresa, dizendo que foi uma “falta de cortesia monumental” fazer um convite desses sem antes passar pelo seu departamento. Sorondo respondeu que Archer estava ciente do convite, com efeito acusando-a de mentir.

Na semana do dia 8 de abril, alguém no Vaticano próximo ao Papa Francisco ficou sabendo das possíveis consequências negativas ao deixar um candidato presidencial americano falar no evento – um candidato que havia dito publicamente que o convite havia sido feito “pelo Vaticano” e que um programa de televisão da ABC confirmou que o convite viera de Francisco, além de que o candidato iria se encontrar com o papa.

É muito pouco provável que o Vaticano tenha emitido um tal convite no mesmo momento em que Amoris Laetitia estava sendo lançada; também é improvável que o Vaticano fosse correr o risco de, com a visita de Sanders, desviar a atenção de um encontro do papa com refugiados e com o Patriarca de Constantinopla em Lesbos, na Grécia, no dia 16 deste mês. Mas a essa altura é tarde demais para cancelar o convite; Sanders já anunciou publicamente a ida a Roma.

O mais provável é que o Vaticano fez o seu melhor para dissuadir Sanders de vir para o evento, marcando a sua participação para as 16h do horário local de sexta-feira, o que será poucas horas depois do fim de seu debate de quinta-feira à noite no Brooklin. Se isso era para ser interpretado como um sinal de “por favor, não venha”, com certeza não deu certo: não foi assim que a equipe de Sanders o recebeu.

Depois, o Vaticano tentou ignorar Sanders e minimizou a sua visita; no curso de várias coletivas de imprensa, Federico Lombardi, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, não mencionou em nenhum momento o nome do candidato. Somente hoje (14 de abril) ele assim o fez, anunciando oficialmente que Francisco não iria se encontrar com Sanders.

Na sexta-feira é que iremos ver realmente o que vai acontecer. Por enquanto, vale a pena considerarmos o seguinte:

Francisco e a política.

Este “convite” quebrou não só uma regra não escrita da sábia diplomacia – não interferir em uma campanha eleitoral e não correr o risco de decepcionar ou antagonizar o eventual vencedor –, mas também rompeu um padrão típico da liderança de Francisco com a política e os políticos, dos quais ele tende a manter uma salutar distância, apesar de seu engajamento em questões políticas e sociais. O papa interage com estes líderes na qualidade de presidentes, chanceleres, ministros e assim por diante (o vice-presidente Joseph Biden estará no Vaticano no dia 29 de abril para um congresso sobre o câncer, mas ele é uma autoridade em exercício, não um candidato em meio a uma campanha). Francisco não gosta de exercer pressão, e também não gosta de ser pressionado.

A agenda da justiça social de Francisco e os conflitos de interesse. Um dos elementos menos explorados nisso tudo é o papel dos que provavelmente incitaram o convite junto a Sorondo. Há indícios de que Jeffrey Sachs, assessor de Sanders, e Michael Shank, assessor de comunicação que trabalhou com Sachs, estiveram envolvidos nesse convite. Os dois também já prestaram serviços para o Vaticano. A revista Politico citou Shank, que teria dito que “ocasionalmente” trabalha para o Vaticano o setor de imprensa. O próprio Shank tentou caracterizar o convite como sendo um convite oficial: “A Academia de Ciências faz parte do Vaticano. Então o senador está certo quando diz que o Vaticano o convidou”.

Sanders e a política global.

A forma como Sanders lidou no caso em torno do “convite” lança dúvidas sobre o seu juízo como um potencial chefe de Estado (ao mesmo em que revela um cinismo dos que estiveram nos bastidores). Um candidato à presidência deveria mostrar um maior conhecimento sobre como o Vaticano enxerga o seu papel no mundo, não só como o centro da Igreja Católica, mas também como um Estado envolvido na diplomacia global (e com o qual muitos outros países, incluindo os EUA, silenciosamente contam com a ajuda em situações delicadas ao redor do mundo). Anda que, entre todos os candidatos, Sanders possa parecer o mais próximo a Francisco em questões como a justiça social, ele foi imprudente ao dizer isto sobre o convite: “Eu ficaria arrependido para sempre caso não aproveitasse essa oportunidade”. Um cientista, um turista, uma celebridade, um cidadão comum pode dizer isso, não um candidato a presidente.

A linha de comunicação vaticana com a Igreja Católica americana.

Esse episódio desdobrou-se enquanto acontecia uma transição no escritório do núncio apostólico dos EUA: saiu Carlo Maria Viganò, que está se aposentando, para entrar Christophe Pierre.

Além disso, no dia 7 de abril, um dia antes que soubemos do convite a Sanders, Viganò esteve em Roma participando de um jantar chique para arrecadação de fundos no Pontifício Colégio Norte-Americano. Assim, como é possível que ninguém – nenhum bispo, ninguém na Secretaria de Estado nem do escritório do núncio apostólico – estivesse em comunicação sobre questão do convite? Nesse sentido, o “convite” a Sanders é remanescente do episódio Kim Davis durante a visita do papa aos EUA em setembro passado.

O Vaticano, a política americana e a Igreja americana.

Isso aconteceu porque pessoas nos dois lados do Atlântico interpretaram equivocadamente as intenções do Papa Francisco concernentes à política americana com base em respostas que ele deu sobre Donald Trump durante uma entrevista no avião papal que o levava do México para Roma este ano.

As mudanças que Francisco incorpora no estilo do cargo que ocupa e a mudança em certas questões relacionadas à justiça social e econômica deram a algumas pessoas (será que Sanders se inclui aqui?) a impressão de que o Vaticano está, agora, um lugar mais flexível, menos apegado a regras e restrições antigas. Isso também deu a alguns, inclusivo no Vaticano, a ideia de que eles podem pressionar no sentido de uma determinada agenda em nome de Francisco ao mesmo tempo ignorando não só os protocolos, mas também considerações básicas de diplomacia (curioso, dado que o Vaticano tem a diplomacia mais antiga em funcionamento entre os países ocidentais).

As partes envolvidas vêm subestimando a sensibilidade das relações entre a Santa Sé e os Estados Unidos e, com o papado de Francisco, num momento particularmente delicado (tenho de me referir aqui ao livro que escrevi sobre Francisco, especialmente o capítulo final).

A recepção do Papa Francisco nos EUA é mais problemática do que em qualquer outro lugar, haja vista alguns dos alinhamentos político-teológicos no catolicismo americano. Independentemente de se Sanders vai ou não seguir adiante com sua viagem ao Vaticano, e se irá ou não se encontrar com o papa, o episódio em si não torna as coisas mais fácil para Francisco.

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