27 Mai 2012
Agora, o debate sobre o "próximo papa" não está criando muitos rumores. Não há nenhum sinal de uma crise de saúde em torno de Bento XVI, e a atenção católica do mundo todo está focada em questões mais locais: a repressão à LCWR nos Estados Unidos, a disciplina sobre os padres liberais e os pedidos para que o cardeal Séan Brady renunciar devido à crise dos abusos sexuais na Irlanda, um escândalo político envolvendo o Comunhão e Libertação na Itália, e assim por diante.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio do jornal National Catholic Reporter, 10-05-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No entanto, com um papa de 85 anos começando a revelar a sua idade, a especulação sobre quem pode vir a seguir está sempre no pano de fundo, mesmo que seja em banho-maria.
Eu acabei de voltar de algumas semanas em Roma e ofereço aqui uma espécie de "média de pesquisas" do atual estado de pensamento sobre os candidatos papais entre os observadores vaticanos, ou seja, a equipe vaticana, prelados de todo o mundo, diplomatas , jornalistas, acadêmicos, e assim por diante. Tal sabedoria convencional dificilmente é infalível, por isso leia isto por aquilo que é – nada mais, realmente, do que o tipo de coisa que você vai ouvir em muitas mesas de jantar romanas.
Os 11 nomes abaixo estão organizados em círculos concêntricos de plausibilidade, dos "favoritos" às "possibilidades" até as "apostas". Minha experiência é que praticamente todo mundo concorda com os dois principais nomes desta lista, os cardeais Angelo Scola e Marc Ouellet, mas depois disso as coisas ficam mais obscuras.
Para cada candidato, eu ofereço um pequeno esboço de prós e contras. Estes não são projetados para refletir a ampla gama de pontos de vista sobre cada homem na discussão católica mais ampla, mas sim os pontos que provavelmente irão possuir o maior peso entre os cardeais – que, é claro, são aqueles que vão fazer a votação.
1. Cardeal Angelo Scola, 70 anos, Itália, arcebispo de Milão
Prós: Scola, acadêmico veterano cujo interesse é a antropologia teológica, está muito em sintonia com Bento XVI, mas pessoalmente ele é mais um extrovertido com um otimismo um pouco maior acerca das perspectivas da Igreja no aqui e agora. Uma iniciativa de marca própria é o projeto "Oasis", designado para fomentar o diálogo com o Islã e para apoiar os cristãos no Oriente Médio – duas prioridades principais para qualquer futuro papa. Foi Scola que sugeriu a Bento XVI que se criasse um novo departamento vaticano dedicado à "Nova Evangelização" (baseado em uma ideia do falecido padre Luigi Guissani, fundador do Comunhão e Libertação). Seus fãs dizem que Scola combina a pompa de João Paulo II com o peso intelectual de Bento XVI, tornando-o o homem ideal para levar adiante a "Nova Evangelização".
Contras: Os cardeais italianos são notoriamente divididos, por isso, qualquer candidato italiano provavelmente irá enfrentar oposição. Alguns italianos desconfiam das raízes de Scola no Comunhão e Libertação, sem falar da forma como ele se distanciou em meio aos escândalos envolvendo políticos ligados ao movimento. Como ele nunca possuiu um cargo vaticano de tempo integral, alguns podem questionar se ele tem o que é necessário para sanar os perceptíveis problemas de governabilidade do Vaticano. Scola também pode ocasionalmente representar ser alguém um pouco teórico e denso, levantando a questão de saber se é prudente ter um pontificado marcado pelo ensino depois de outro.
2. Cardeal Marc Ouellet, 67 anos, Canadá, prefeito da Congregação para os BisposPrós: Natural do Quebec, Ouellet é outro discípulo intelectual de Bento XVI, respeitado por sua inteligência, sua integridade e sua profundidade espiritual. É quase um cosmopolita, tendo crescido no Canadá de língua francesa, estudado na Áustria e na Alemanha e atuado como padre sulpiciano na Colômbia. Ele deteve dois mandatos como autoridade vaticana e, em meio a isso, liderou a arquidiocese do Quebec – dando-lhe uma mistura de experiência pastoral e de tempero romano. Ouellet representaria uma ruptura com o domínio europeu do papado, o "primeiro papa do Novo Mundo". Seus defensores dizem que ele seria um pontífice orante e humilde, assim como um forte mestre da fé e defensor da identidade católica.
Contras: Alguns podem argumentar que Ouellet é muito parecido com Bento XVI para o seu próprio bem – cerebral, retirado, desconfortável sob os holofotes e mais apaixonado pela vida da mente do que pela realpolitik. Como disse um veterano observador vaticano, ao falar de Ouellet, "um ratzingeriano inevitavelmente vai ser menos do que Ratzinger. Você sempre perde alguma coisa com uma fotocópia".3. Cardeal Leonardo Sandri, 68 anos, Argentina, prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais
Prós: Sandri foi o "substituto" do Vaticano, ou chefe de gabinete, de 2000 a 2005, quando ganhou uma reputação como um gestor capaz. Teologicamente, ele está dentro dos padrões, mas politicamente ele é visto como um moderado, ao invés de um linha-dura. Biograficamente, ele é o melhor de dois mundos – argentino de nascimento, de modo que poderia ser vendido como um "papa do Terceiro Mundo", e provindo de uma família italiana, tendo passado a maior parte de sua carreira no Vaticano, de modo que conhece o seu funcionamento de dentro. Sandri poderia atrair algum apoio norte-americano, já que uma de suas atribuições como diplomata foi na embaixada papal de Washington.
Contras: Alguns argumentam que Sandri pode ser um melhor secretário de Estado do que um papa, posto no qual ele poderia fazer com que os trens andem no tempo, enquanto outra pessoa faz o magistério e inspira a Igreja. Há também uma preocupação de que, pelo fato de Sandri ter atuado junto ao cardeal Angelo Sodano, o ex-secretário de Estado com João Paulo II, ele pode ter se manchado com alguns dos escândalos da era Sodano – especialmente aqueles que envolvem o falecido padre Marcial Maciel Degollado, fundador dos Legionários de Cristo. Além disso, a Congregação para as Igrejas Orientais pode não ser o melhor posto vaticano para se conquistar amigos entre os cardeais fazedores de reis de um futuro conclave.
1. Cardeal Péter Erdő, 59 anos, Hungria, arcebispo de BudapestePrós: Erdő foi duas vezes eleito presidente da Conferência dos Bispos da Europa, e, como aproximadamente metade dos cardeais que vão eleger o próximo papa são europeus, isso demonstração de confiança é significativa. Os bispos europeus, com Erdő, também trabalharam duro para estabelecer boas relações com seus homólogos da África, por isso, ele poderia ganhar apoio no mundo em desenvolvimento. Ele é considerado um ferrenho tradicionalista em termos de doutrina, mas bom na construção de consenso entre diversas correntes no episcopado europeu.
Contras: Erdő é um advogado canônico de formação, com um pensamento muito preciso, mas alguns podem se perguntar se ele tem as habilidades e a personalidade para ser capaz de ir ao encontro do mundo em geral com sucesso. Aos 59 anos, ele é o quarto membro mais novo do Colégio dos Cardeais, e isso pode criar dúvidas sobre se o seu papado seria um pontificado excessivamente longo. Alguns também podem se perguntam se a situação católica na Hungria pós-comunista não seria muito excepcional a ponto de não ser a melhor preparação para liderar a Igreja universal.2. Cardeal Angelo Bagnasco, 69 anos, Itália, arcebispo de Gênova
Prós: Quando Bagnasco foi nomeado a presidente da Conferência Episcopal Italiana em 2007, ele foi visto como um concessão aceitável, mas relativamente fraca. Desde então, seu valor de mercado aumentou. Ele agora é visto como um líder capaz em seu próprio direito, bastante esclarecido sobre a política secular e a mídia. O fato de Bagnasco ser percebido às vezes em desacordo com o cardeal Tarcisio Bertone, o atual secretário de Estado de Bento XVI, pode, na verdade, agir a seu favor, já que ao alguns cardeais culpam Bertone pelos tropeços de gestão do Vaticano e, assim, veriam Bagnasco como uma alternativa.
Contras: Bagnasco tem um alto perfil na Itália, mas não é muito conhecido em outros lugares. Alguns podem se perguntar se a eleição do presidente da Conferência italiana significaria que as rivalidades italianas iria segui-lo ao papado, um ponto especialmente sensível depois do escândalo dos vazamentos vaticanos. Há também a questão de saber se Bagnasco tem uma visão suficientemente global, já que ele nunca realmente estudou ou trabalhou fora da Itália.
3. Cardeal Odilo Pedro Scherer, 62 anos, Brasil, arcebispo de São PauloPrós: A América Latina é o lar de cerca de metade do 1,2 bilhão de católicos do mundo, e muitos observadores da Igreja consideram Scherer como o candidato latino-americano mais forte. Ele tem muita experiência romana, tendo estudado na Universidade Gregoriana e trabalhado mais tarde na Congregação para os Bispos de 1994 a 2001. No ethos católico bastante progressista do Brasil, Scherer é comumente visto como um conservador (ele tem boas relações, por exemplo, com o Opus Dei), mas em outras partes ele é visto muitas vezes como moderado, ou seja, potencialmente poderia atrair o apoio de diversas correntes.
Contras: De um lado, os dois últimos brasileiros que foram a Roma, os cardeais Cláudio Hummes e João Braz de Aviz, foram vistos como bons rapazes, mas talvez não muito duros o suficiente, de modo que Scherer pode ter que superar esse ponto de interrogação. Embora ele tenha a experiência de liderar a maior arquidiocese do maior país católico do mundo, alguns questionam se ele tem sido eficaz em deter as marés de pentecostalismo, de secularismo e de indiferença religiosa que têm corroído a base católica do Brasil. Por fim, Scherer vem de uma família de imigrantes alemães, de modo que alguns poderiam interpretar a sua eleição como a representação de um segundo alemão consecutivo.
1. Cardeal Gianfranco Ravasi, 69 anos, Itália, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura
Prós: Ravasi é inegavelmente brilhante, familiarizado não só com a teologia, mas também com uma gama impressionante de disciplinas, incluindo literatura, arte, ciência e filosofia mundiais. Ele deu início ao projeto "Átrio dos Gentios", o esforço recente mais bem sucedido do Vaticano para se engajar com os não crentes seculares. Ravasi normalmente se apresenta como alguém engraçado, descontraído e afável, e é extremamente pé-no-chão para um homem de sua erudição, tendo escrito não apenas tratados versados, mas também colunas populares em jornais italianos.
Contras: No mundo tribal da política eclesial italiana, Ravasi sempre foi uma tribo em si mesmo – o que faz parte do seu charme, mas também significa que ele não tem nenhuma base de apoio natural. Há também questões sobre a sua capacidade de inclinar o Vaticano à sua vontade, bem como se o seu intelecto classicamente europeu está adequado às novas realidades globais do catolicismo.2. (Empatados) Cardeal Peter Turkson, 63 anos, Gana, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, e cardeal Robert Sarah, 66 anos, Guiné, presidente do Pontifício Conselho "Cor Unum"
Prós: Se o próximo papa tivesse que ser africano, provavelmente seria um desses dois. Ambos atuaram como bispos de grandes dioceses africanas e ambos estão trabalhando agora em cargos vaticanos. Turkson obteria o assentimento pela sua experiência pastoral mais profunda, tendo atuado tanto como arcebispo de Cape Coast, capital de Gana, e como oficial da Secam, o grupo continental para as Conferências Episcopais da África. Sarah seria visto como o melhor atacante dentro do Vaticano. Turkson tem uma maior visibilidade pública, é um homem extremamente simpático e normalmente aparenta ser pragmático, capaz de se engajar com um amplo leque de opiniões. Muitos veem Sarah como a força de bastidores mais eficaz e provavelmente é o mais conservador dos dois.
Contras: Além do fato de Turkson e Sarah terem que dividir qualquer voto que haveria para um africano, cada um tem potenciais desvantagens. Como presidente de um Conselho Pontifício (que realmente não exerce uma autoridade vinculante sobre muita coisa), Turkson não enterrou totalmente as dúvidas sobre a sua capacidade de governar. Sarah, entretanto, ainda não demonstrou o nível de conforto no centro das atenções públicas que se esperaria de qualquer papa do século XXI.3. Cardeal Timothy Dolan, 62 anos, Estados Unidos, arcebispo de Nova York
Prós: Durante o consistório em Roma em fevereiro passado, Dolan foi a celebridade. O discurso que ele pronunciou ao Colégio dos Cardeais sobre a "Nova Evangelização", na presença de Bento XVI, ainda está sendo comentado. Um observador vaticano comparou-o ao famoso discurso de Obama em 2004 na DNC [Convenção Democrata Nacional], no sentido de ser o discurso que o tornou uma estrela. A reação norte-americana a Dolan pode se focar sobre as suas escolhas políticas, mas em outros lugares Dolan aparece amplamente como um símbolo, encarnando um estilo de liderança eclesial que se sente relaxada e não angustiada; confiante e não em retirada; capaz de falar a linguagem das ruas e de rir de si mesma. Em Roma, há um consenso crescente de que Dolan é o primeiro papável norte-americano plausível.
Contras: Além do tabu histórico contra um "papa de superpotência", que pode estar diminuindo mas ainda está no ar, há outras reservas com relação a Dolan. Embora ele tenha vivido e trabalhado em Roma, ele nunca teve um cargo vaticano. Existem preocupações sobre se ele conhece o bastante sobre as realidades da Igreja fora do Ocidente. Seu italiano, embora passável, não é fluente, o que historicamente tem sido visto como um pré-requisito para o Bispo de Roma. Em termos de temperamento, alguns cardeais podem considerar o impetuoso e exuberante Dolan como um grande choque para o sistema – bem adequado para Nova York, talvez, mas não muito para o papado.4. Dom Luis Antonio Tagle, 54 anos, Filipinas, arcebispo de Manila
Prós: Aos 54 anos, Tagle já é uma referência essencial para o catolicismo na Ásia e dentro da Conferência dos Bispos da Ásia sobre a maioria das questões teológicas. Ele tem tomado fortes posições contra um projeto de lei sobre "Saúde Reprodutiva" nas Filipinas, que inclui a promoção do controle de natalidade, embora a sua grande preocupação social seja a defesa dos pobres e ele tenha um forte veio ambiental. Ele é um talentoso comunicador, o que o torna um orador procurado e uma personalidade midiática. Ele atraiu elogios exagerados pelo seu desempenho no Congresso Eucarístico Internacional em Quebec, em 2008, no qual observadores disseram que ele levou um estádio inteiro às lágrimas. Um comentarista filipino disse que Tagle tem "a mente de um teólogo, a alma de um músico e o coração de um pastor".
Contras: Para começar, há o fato óbvio de que Tagle ainda não é cardeal. (Isso poderia mudar já no próximo ano, se realmente houver um consistório em 2013 que consistirá principalmente em nomeações não curiais). Apesar de ter estudado em Roma, Tagle não tem nenhuma experiência vaticana real. Alguns podem se perguntar o quanto ele está a par das realidades de outras partes do mundo. Durante uma reunião de cúpula do Vaticano em fevereiro sobre a crise dos abusos sexuais, por exemplo, Tagle foi pego de surpresa quando os repórteres perguntaram qual é a lei no seu país sobre a denúncia de acusações de abuso infantil, sugerindo para alguns que ele não assimilou as lições da crise em outros lugares. A juventude de Tagle provavelmente também é uma desvantagem, ao menos por enquanto. Mesmo que os cardeais estejam dispostos a jogar os dados, eles podem hesitar diante do fato de terem que conviver com essa aposta por três décadas ou mais.