Pais decepcionados com o aprendizado dos filhos poderiam dizer que tudo não passa de um debate bizantino sobre se é melhor tentar decifrar garranchos escritos com letra de médico ou torpedos criptografados numa novilíngua que aboliu as vogais. De qualquer forma, as opiniões se dividem também entre os educadores brasileiros quando se discute a validade de um abandono do ensino da escrita em cursivo.
A reportagem é de
Vitor Paolozzi e publicada pelo jornal
Valor, 18-07-2011.
Para
Telma Weisz, doutora em psicologia da aprendizagem e do desenvolvimento pela Universidade de São Paulo (USP) e supervisora pedagógica do Programa Ler e Escrever, do governo do Estado de São Paulo, "a escrita manuscrita é um resto da Idade Média". "Do ponto de vista da aprendizagem, não há perda em não usar a manuscrita", afirma. Segundo ela, a escrita cursiva ajuda o aluno a memorizar a forma ortográfica das palavras, mas um programa de computador processador de texto tem a mesma eficiência, "com mais recursos, aliás".
Weisz diz que o problema não é desprezar a escrita cursiva e mergulhar de vez na digitação, e sim que "no Brasil não há condições de se fazer isso. Temos escolas onde não há luz, que dirá escola onde todos os alunos tenham um computador".
João Batista Araujo e Oliveira, doutor em pesquisa educacional pela Florida State University (EUA) e presidente do Instituto Alfa e Beto, ONG dedicada à alfabetização, discorda de
Weisz. "Há pesquisas que comparam crianças que aprenderam com a letra cursiva e que aprenderam no teclado, e quem escreve mais à mão grava mais a forma ortográfica da palavra", diz.
No entanto,
Oliveira não tem uma posição radical contra a política adotada pela maioria dos Estados americanos, de não obrigar o ensino do cursivo. "Essas coisas mudam mesmo, é inevitável. Sempre que você tem uma tecnologia nova você procura um meio mais eficiente de avançar. A letra cursiva, por exemplo, é um grande avanço em relação à letra de forma, porque o aluno não tira o lápis do papel."
Oliveira acredita que antes de se fazer uma mudança dessas é preciso pensar nos "efeitos colaterais", dando como exemplo a tabuada e a máquina de calcular. "Para pagar o táxi, o cafezinho, você tem que fazer conta de cabeça. Quem só ensina usando a calculadora priva o cidadão de uma competência que dá uma eficiência social muito grande."
Luis Marcio Barbosa, diretor-geral do colégio Equipe, de São Paulo, descarta adotar a política na sua escola. "Há um conjunto de aprendizado que vem junto com o aprendizado da escrita cursiva que é imprescindível para o desenvolvimento das crianças, que tem a ver com a motricidade, com a organização espacial." E, além de tudo, diz, "as crianças podem aprender as duas coisas, não precisa ser uma em detrimento da outra."