A resistência político-religiosa dos Macabeus da Palestina (1Mc 6,1-13) e a de Zumbi dos Palmares

Monumento de Zumbi dos Palmares, em Alagoas (Foto: Gorivero/Wikimedia Commons)

19 Novembro 2021

 

"À semelhança da luta macabaica, a resistência do povo negro no Brasil Colônia foi liderada pelo escravizado liberto de nome Zumbi ou Zumbi dos Palmares, região de Alagoas, onde viveu entre os anos de 1665 e 1695", escreve Frei Jacir de Freitas Faria, OFM, ao comentar o Primeiro livro de Macabeus, 6, 1-13.

 

Frei Jacir é doutor em Teologia Bíblica pela FAJE-BH. Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, professor de exegese bíblica,  membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB) e padre Franciscano. Autor de dez livros e coautor de quatorze, cujo último livro é O Medo do Inferno e a arte de bem morrer: da devoção apócrifa à Dormição de Maria às irmandades de Nossa Senhora da Boa Morte (Vozes, 2019).

 

Eis o comentário. 

 

O texto sobre o qual vamos refletir é 1Mc 6,1-13. Trata-se da luta de resistência de um grupo de judeus que se rebelou contra a dominação política e religiosa dos greco-sírios na Palestina, entre os anos de 167 e 164 a.E.C. No Brasil Colônia surgiu uma resistência muito parecida com a dos Macabeus, a de Zumbi dos Palmares. Que relação existe entre elas?

 

A bandeira de luta dos Macabeus era a de não deixar que a fé judaica morresse diante das atrocidades do cruel governante Antíoco IV Epífanes, homem que não respeitava os valores religiosos do povo judeu. Ele proibiu, com decreto, a prática da religião judaica e introduziu o culto ao deus grego Zeus Olimpo, no local mais sagrado dos judeus, o Templo de Jerusalém. Proibiu as práticas de sacrifícios, a observância do sábado e as festas religiosas. Além disso, Antíoco mandou queimar a Torá e obrigou o povo a comer carne de porco, prática proibida pela lei de pureza judaica. Nesse sentido, ficou muito conhecida a resistência da mãe e de seus sete filhos que, por não aceitarem comer carne de porco, foram decepados e assados vivos em um caldeirão com óleo fervendo (2Mc7).

 

A resistência dos macabeus começou com o pai da família dos matatias, chamado de Matatias. Ele convocou os judeus a resistirem aos gregos. Sua família e os fiéis seguidores da Lei (Torá) se refugiaram nas montanhas, de onde agiam destruindo altares de deuses pagãos, circuncidando meninos e resgatando a Torá. Um ano depois, Matatias morreu. No seu lugar, a liderança da resistência foi assumida pelo seu filho Judas Macabeus, nome que se deu nome à revolta. A luta durou três anos até a retomada e purificação do Templo de Jerusalém.

 

O texto de 1Mc 6,1-13 narra a morte do opressor Antíoco IV Epífanes. Em 2Mc 9 o relato é trágico. Ele morreu acometido de uma dor de barriga que se manifestou com pontadas agudíssimas em um corpo coberto de vermes que cheirava insuportavelmente mal. O narrador escreve que ele morreu com os mesmos sofrimentos que infligiu ao povo judeu.

 

À semelhança da luta macabaica, a resistência do povo negro no Brasil Colônia foi liderada pelo escravizado liberto de nome Zumbi ou Zumbi dos Palmares, região de Alagoas, onde viveu entre os anos de 1665 e 1695. Capturado ainda criança e educado como católico por um missionário, casado com a líder negra Dandara, com quem teve três filhos, o adulto Zumbi se uniu ao seu povo que resistia em quilombos, lugares onde viviam os escravizados que fugiam da exploração escravocrata dos grandes fazendeiros de cana-de-açúcar e da dominação holandesa, no nordeste brasileiro.

 

Zumbi, nome africano que evoca o deus da guerra, foi a última liderança negra do Quilombo de Palmares, serra da Barriga, na luta contra a escravidão, a liberdade de culto e a prática da religião africana no Brasil Colônia. Diante da lenda que se criou de que ele não morreu, o governo mandou decapitá-lo e levar a sua cabeça levada e expô-la em praça pública, na cidade de Recife. Isso ocorreu no dia 20 de novembro de 1695, data escolhida para celebrar o Dia da Consciência Negra no Brasil.

 

Essas duas resistências políticas e religiosas continuam vivas nas consciências de dois povos: judeus e brasileiros. A vitória dos Macabeus é celebrada ainda hoje em Israel com o nome de Festa das Luzes (Chanucá), no período de oito dias, para recordar esse feito histórico de resistência que garantiu a liberdade religiosa e cultural dos judeus. A referência à luz deve-se ao fato de que, quando Judas Macabeus retomou o templo, foi encontrado um jarro de azeite puro que daria para manter aceso o candelabro somente um dia, mas ele durou oito dias.

 

No Brasil, a consciência negra é uma luta diária para infundir luzes nas consciências de um povo “branco” de maioria negra que vive adormecido em relação aos direitos de igualdade racial e social em todas as suas esferas. O Brasil é, sim, uma miscigenação de raças, mas não pode, por causa da cor da pele, continuar oprimindo seus filhos e filhas de um passado africano na fé e na cultura, alicerces de nosso país. Basta de racismo!

 

Como dizia Dom Helder Câmara, no seu poema Mariama: “Nada de escravo de hoje ser senhor de escravo de amanhã. Basta de escravos. Um mundo sem senhor e sem escravos. Um mundo de irmãos”. Por políticas públicas de inclusão racial, social e respeito às diferenças!

 

 

 

 

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