28 Março 2011
Criador de um império midiático, um bispo esloveno provoca um dos maiores desfalques da história da Igreja Católica.
A reportagem é de Miguel Mora e publicada pelo El País, 27-03-2011. A tradução é do Cepat.
Franc Kramberger, ex-arcebispo da cidade eslovena de Maribor (820 mil habitantes, 80% católicos e 143 paróquias) é um homem de fé e um empreendedor. Em duas décadas levantou um império midiático e tecnológico e não duvidou em produzir filmes pornográficos para a televisão local T-2 da qual era acionista para competir com o duro mercado do capitalismo selvagem. Isso foi em 2007. No dia 03 de fevereiro passado, Kramberger foi convidado a sair pela Conferência Episcopal da Eslovenia por causa de desmandos financeiros cometidos durante 30 anos de sua gestão.
Uma visita apostólica de inspeção ordenada pelo papa Bento XVI em 2010 confirmou as piores suspeitas. O pujante grupo empresarial criado pelo ex-arcebispo de Maribor e o seu ex-ecônomo, Mirko Krasovec, está próximo da falência. Os cálculos do inspetor do Vaticano afirmam que o "buraco" chega a milhares de euros, mas precisamento 800 milhões de euros, uma cifra equivalente a 2% do PIB esloveno e três vezes superior as entradas anuais do Vaticano (250 milhões em 2009). Além do estrago da imagem, 30 mil investidores que confiaram nos divinos contados de Kramberger e Krasovec podem perder os seus investimentos.
Provavelmente se trata de um dos maiores desfalques vividos pela Santa Sé, ao lado da bancarrota do Banco Ambrosiano nos anos oitenta. Maribor se converteu em um pesadelo para Joseph Ratzinger: seis anos tratando de limpar a sujeira da Igreja e mesmo assim às voltas com a herança do seu antecessor que será elevado aos altares no próximo 1º de maio.
Depois da visita apostólica, o arcebispo de Liubliana, Anton Stres, abriu uma investigação e prometeu "que todos os responsáveis serão punidos". Mas a pergunta que mitos se fazem em Roma é como que pode uma diocese endividar-se como uma multinacional sem que o Vaticano se inteirasse.
A história se tornou conhecida graças à revista L’Espresso, que revelou o conteúdo da investigação do Vaticano sobre os "investimentos aventureiros" do bispo. Nomeado em 1980 por Karol Wojtyla, o prelado começou a investir no começo dos anos 90. O Vaticano assegura que apenas suspeitou o que acontecia ao final de 2007, quando chegou a Roma a notícia de que T-2, a televisão eslovena controlada pela Igreja, transmitia programas pornográficos.
Os jornais locais fizeram um pequeno escândalo e a estranheza de Roma aumentou alguns meses depois quando o bispo de Maribor enviou à Cúria uma petição pouco comum: solicitava permissão para assinar duas hipotecas de cinco milhões cada uma. A hierarquia pediu esclarecimentos ao núncio. O embaixador papal intuiu que por detrás dos espaços para os programas eróticos na televisão havia algo mais. Mauro Piacenza, então secretário da Congregação para o Clero, pediu informações detalhadas da diocese.
Primeiro sobre a empresa de comunicação T-2, depois sobre as contas e holdings criadas pela diocese. As respostas demoraram meses, o que ampliou as suspeitas do Vaticano. Piacenza advertiu a Tarcisio Bertone, secretário de Estado e o Papa decidiu enviar a Maribor um inspetor que lhe informasse diretamente. Gianluca Piredda, especialista em finanças, chegou a Eslovenia no começo de 2010.
Piredda não demorou a perceber que o buraco da arquidiocese de Kramberger era uma cratera. Analisou contas, revisou papéis, contratou uma auditoria e enviou suas conclusões para Roma em outubro passado. L’Espresso resume assim o seu conteúdo: "A pequena Igreja deu passos maiores do que a perna criando um império econômico que se está cambaleante".
No princípio foi o banco Krek. A diocese fundou-o em 1990 e em 10 anos se converteu no décimo do país (o bispo acabaria vendendo-o em 2002). O segundo é uma sociedade comercial, a Gospodarstvo Rast. Em poucos anos, o bispo e seu ecônomo criaram dois novos grupos, o Zvon 1 e o Zvon 2, ambos controlados pela Rast: compram imóveis e outras empresas e financiam créditos hipotecando o patrimônio imobiliário da diocese.
O ecônomo, Mirko Krasovec, no cargo desde 1985 era um ás na diversificação: bancos, construção, gás, petróleo e inclusive uma misteriosa empresa chamada Cinkarna que dedicava a produzir e distribuir "pigmentos de dióxido de titânio". Com o tempo e a crise, o império começou a gerar mais dívidas do que lucros. "A Zvon 1 têm investimentos a longo prazo de 416 milhoes e dívidas de 524", afirma o inspetor. O investimento mais crítico é o da televisão T-2 (120 milhões) que em sua página web se define como "O Futuro": telefonia, internet e televisão digital distribuída através de uma rede de fibra ótica própria.
"O Futuro", entretanto, não chegará. A auditoria da KPGM encarregada pelo Vaticano dá por perdido 70% do capital investido na T-2, cujo valor de mercado baixou para 26 milhões. O ruim, escreve Piredda para Ratzinger, "é que ninguém quer comprá-la por um valor maior". Um tribunal de Maribor já declarou a T-2 insolvente.
As dívidas do império apenas foram crescendo com os anos, mas fontes oficiais do vaticano tem dito que Ratzinger e Bertone tomaram conhecimento dos problemas faz poucos meses. A Santa Sé alegará que os culpados são o bispo e ecônomo, que antes de ser demitido escreveu uma carta dizendo: "Creio firmemente que nossa boa fé também nos ajudará a superar com espírito fraterno e ajuda recíproca, esta prova".
A carta na qual o ecônomo reconhece que atuou até 2007 sem informar o Vaticano, parece ser a principal peça para que o Vaticano possa se livrar de ter que assumir a dívida. Alguns não se conformam. O banco italiano Unicredit emprestou para a diocese de Maribor, 11,2 milhões hipotecando um mosteiro do século XIII e uma oficina de órgãos musicais.
