O racismo como política de imigração do governo dos EUA

Mais Lidos

  • Pornografia bíblica

    LER MAIS
  • Sobre a mulher e o gênero. Uma carta aberta de Andrea Grillo a Luigi Maria Epicoco

    LER MAIS
  • A religião do Eu acredita apenas no dinheiro, mas amor e estima não se compram. Artigo de Vito Mancuso

    LER MAIS

Newsletter IHU

Fique atualizado das Notícias do Dia, inscreva-se na newsletter do IHU


Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

24 Abril 2017

"Como diversos estudos têm documentado [7], desde o desastre da economia dos EUA em 2008, tem havido um declínio na migração irregular. A razão disto reside no fato de que, com a crise econômica, os postos de trabalho que eram ocupados por dezenas de milhares de migrantes desapareceram, e dada a lenta recuperação econômica dos últimos anos, a geração de empregos não tem aumentado - na construção civil, na indústria manufatureira e em outros nichos laborais - onde os migrantes poderiam ser inseridos", escreve Guillermo Castillo Ramírez, professor da UNAM, em artigo publicado por Alai, 20-04-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.

Eis o artigo.

Grande parte do discurso das políticas migratórias é maniqueísta e perversa. Baseiam-se em estereótipos discriminatórios e tendenciosos, onde o migrante é visto como um transgressor da lei, enquanto é deliberadamente omitido que ele seja um trabalhador explorado, sem benefícios, segurança social e sem direitos, e que, acima de tudo, ele aumenta a riqueza dos empregadores e das empresas...

O racismo como eixo da política de imigração do governo dos EUA

Juntamente às deportações e o aumento da criminalização do migrante, um dos eixos mais visíveis e polêmicos da política de imigração do atual governo dos EUA tem sido a iniciativa da construção do muro. Entre as razões da administração gringa para a construção do muro estão os esforços para deter a migração mexicana, controlar as atividades do narco-crime organizado e conter as ameaças à segurança nacional. No entanto, estas iniciativas, longe de serem baseadas em uma leitura histórico-estrutural e sócio-política desses processos fronteiriços, fundamentam-se em preconceitos xenófobos. Os muros, que já existem em alguns cruzamentos da fronteira - por exemplo, em Tijuana/San Isidro e Ciudad Juárez/El Paso -, não conseguiram conter a migração, que durante a virada do século cresceu devido às reformas neoliberais e à demanda de mão-de-obra nos Estados Unidos (EUA), o que só serviu para aumentar exponencialmente o número de mortes de migrantes. Tampouco reduziram a passagem de drogas e a atividade de grupos do crime organizado que se beneficiaram do uso de túneis, caminhões com compartimentos secretos e outras estratégias para despistar as autoridades. Por fim, não é pela fronteira sul o lugar em que as principais ameaças à segurança nacional - os grupos terroristas - tem ingressado nos EUA nas últimas décadas.

Por outro lado, as deportações baseadas em uma "criminalização" discriminatória e excessiva dos migrantes tornou-se um dispositivo violento do qual pessoas que cometeram infrações administrativas ou cruzaram um semáforo fechado são classificadas da mesma forma que aquelas que cometeram crimes graves - tais como sequestro, posse ilegal de armas ou assassinato. Na verdade, dos migrantes deportados, estima-se que pouco mais de 5,3% cometeram crimes graves. A grande maioria são apenas imigrantes trabalhadores estigmatizados como criminosos. Esta política migratória fundamenta-se em pressupostos falsos, que se opõem aos dados e aos diversos estudos. Seu eixo é a construção fictícia do estereótipo dos mexicanos como "homens maus transgressores da lei", a partir de uma postura xenófoba e racista. O panorama que está emergindo é uma violação maciça e estrutural dos direitos humanos dos migrantes mexicanos.

Longe dessas distorções, os migrantes são trabalhadores explorados e marginalizados, com os salários mais baixos dos EUA. A forma de combater esses preconceitos é tornando três processos visíveis: as contribuições econômicas dos migrantes para a sociedade estadunidense, a diminuição da migração não documentada a partir da crise de 2008 até hoje [1] e a forma em que as políticas de fechamento e militarização das fronteiras não servem para impedir a migração, mas que apenas aumentam significativamente a morte dos mexicanos [2]. Este texto se concentra apenas no primeiro desses processos, que está relacionado com o derramamento de dinheiro e riqueza que a migração deixa no país.

Derrubando estereótipos discriminatórios, contribuições dos migrantes

A migração tem causas estruturais, tanto no México, com os contextos adversos que obrigam as pessoas a sair em busca de melhores empregos, quanto nos EUA, que tem uma demanda internacional de trabalhadores e atrai os migrantes. Uma ideia muito difundida é que as maiores contribuições dos imigrantes chegam ao México através de remessas. No entanto, como demonstrado pelo grupo de Economia Política na Universidade de Zacatecas [3], os grandes benefícios econômicos e lucros ficam nos EUA, majoritariamente. De acordo com este grupo de investigação, os migrantes mexicanos, que cresceram de 8,8 milhões, em 2000, para 11,7 milhões, em 2007, contribuem com a sua juventude e "rejuvenescem" a sociedade norte-americana. Por exemplo, entre 2000 e 2008, cerca de 70% dos migrantes mexicanos tinham entre 15 e 24 anos [4].

Além disso, esses migrantes contribuíram significativamente para o crescimento da força de trabalho dos Estados Unidos. Os mexicanos foram e são os trabalhadores mais baratos e precarizados. Entre 1994 e 2008, os mexicanos ocuparam 3,8 milhões de postos de trabalho, o que representa 16% do mercado de trabalho e 1 em cada 6 empregos gerados. Além do mais, os mexicanos contribuíram com um pouco mais de 10% do crescimento do Produto Interno Bruto dos EUA entre 2000 e 2007 [5]. Isto sem contar que, por serem trabalhadores explorados e precarizados, os migrantes barateiam os custos de produção devido aos baixos salários, a falta de benefícios e a flexibilidade de trabalho [6]. A isto haveria de somar que os Estados Unidos não despenderam dinheiro algum para formar e treinar os trabalhadores migrantes. Finalmente, o consumo de mais de 10 milhões de mexicanos nos EUA gera um grande impacto econômico em suas indústrias, empresas e em sua economia.

Além disso, os migrantes vivem em condições de marginalização e exclusão social, especialmente aqueles "em situação irregular". Por um lado, os mexicanos têm difícil acesso aos serviços sociais devido a sua situação migratória, especialmente os mexicanos sem documentos. Mesmo assim eles vivem em condições de precariedade material para poder enviar dinheiro ao México, e por conta disso, possuem os mais altos níveis de pobreza e de baixa renda dos Estados Unidos. A isto seria preciso acrescentar que eles são os trabalhadores mais propensos a terem seus direitos violados, e o grupo que têm menor mobilidade socioeconômica no país.

A imigração mexicana, leituras preconceituosas e processo em declínio

Como diversos estudos têm documentado [7], desde o desastre da economia dos EUA em 2008, tem havido um declínio na migração irregular. A razão disto reside no fato de que, com a crise econômica, os postos de trabalho que eram ocupados por dezenas de milhares de migrantes desapareceram, e dada a lenta recuperação econômica dos últimos anos, a geração de empregos não tem aumentado - na construção civil, na indústria manufatureira e em outros nichos laborais - onde os migrantes poderiam ser inseridos.

Em contrapartida, houve um claro aumento no número de deportações nos últimos governos dos Estados Unidos. Estima-se que apenas na administração de Obama cerca de 2,5 milhões de mexicanos tenham sido deportados. Os migrantes que não têm documentos de imigração tentam ficar mais tempo nos EUA e acabam experimentando cada vez mais violações gravíssimas e visíveis de seus direitos humanos e trabalhistas, assim como sofrem com os processos de separação familiar mais prolongados e intensos. De fato, as deportações implicam em claras rupturas familiares e sócio-comunitárias. Alguns estudos estimam que em setembro de 2015 cerca de 4% dos migrantes deportados tinha um filho nos Estados Unidos com cidadania norte-americana.

Gênese da atual política de imigração, de onde vem a ideia do muro?

Os antecedentes da "proposta do muro no outro lado da fronteira" têm sua origem nas medidas de controle de determinados pontos da fronteira na década de 1990, com a ideia de "fechar as válvulas e locais de passagem". Estes foram os casos das operações Blockade (El Paso, 1993) e Gatekeeper (San Diego, 1994), com a construção de barreiras, o aumento de tropas na patrulha fronteiriça e o aumento significativo nos gastos com segurança na região. No entanto, os efeitos dessa política migratória foram escassos e erráticos, pois de fato, entre 1994 e 2007, houve um claro aumento na migração, devido tanto à crise e o fechamento de postos de trabalho no México, quanto à demanda por mão-de-obra nos Estados Unidos. A única coisa que essas políticas conseguiram foi a invisibilidade social dos migrantes, o surgimento de rotas muito mais perigosas - como o deserto de Altar -, a diminuição da probabilidade de detenção dos migrantes - o que significa mais dinheiro e menos prisões -, a redução dos salários dos trabalhadores migrantes nos EUA e, acima de tudo e mais dramático, o aumento exponencial de imigrantes mortos na fronteira. Apenas como consequência da operação Gatekeeper entre Tijuana e San Diego registrou-se aproximadamente 5.600 mortes de migrantes entre 1994 e 2009. Desde os anos 1990, houve uma forte defasagem entre a política de integração econômica relacionada ao NAFTA - que permitia o livre fluxo de certas mercadorias - e a política migratória - que restringia a passagem de pessoas.

O futuro adverso ...

Há três grandes situações que podem ser vislumbradas a partir do cenário atual:

(1) A manutenção de uma política xenofóbica e racista em direção a migração internacional em geral e para com os mexicanos.

(2) Isto supõe uma violação maciça e estrutural dos direitos humanos dos migrantes, seja por eles serem mexicanos criminalizados injustamente, seja por eles serem trabalhadores explorados e vulneráveis.

(3) O que está sendo realizado é o aprimoramento e a intensificação da "máquina de deportação" - criada por Bush e Obama -, e que atualmente funciona em um eixo de ações: a construção do muro - aguardando agora por recursos -, as deportações massivas e injustificadas, e a criminalização e exclusão social dos imigrantes conterrâneos [8].

Referências bibliográficas

[1] 20 Temas actuales y relevantes sobre la migración en México, COLEF, México.

[2] Para uma argumentação mais detalhada veja a conferência:El muro, la frontera y la migración. Consultar aqui:  

[3] Espejismos del Río de Oro. Dialéctica de la migración y el desarrollo en México, Miguel Ángel Porrúa, Red Internacional de Migración y Desarrollo, Universidad Autónoma de Zacatecas, México.

[4] Idid.

[5] Idid.

[6] Idid.

[7] 20 Temas actuales y relevantes sobre la migración en México, COLEF, México. Para uma argumentação mais detalhada sobre como diminui a migração e quais foram as causas, consultar aqui.

[8] Para uma argumentação mais detalhada veja a conferência: El muro, la frontera y la migración. Consultar aqui.

Leia mais

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

O racismo como política de imigração do governo dos EUA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU