Panama Papers: pirataria social?

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08 Abril 2016

“Não hesito em afirmar que alguns dos casos revelados pelos Panama Papers confirmam que estamos perante indícios alarmantes daquilo que venho designando por pirataria social, já que o envolvido se apresenta a fruir da sociedade organizada, e em simultâneo atenta contra ela, por exemplo, procedendo de forma reiterada no sentido de ocultar a sua capacidade contributiva, ou de minar a concorrência ou a eficiente alocação de recursos, ou a segurança nacional financiando o terrorismo”, escreve Nuno Sampayo Ribeiro, advogado e especialista em Direito Fiscal, em artigo publicado por Público, 05-04-2016.

Eis o artigo.

Os Panama Papers, divulgados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, apontam indícios de casos de violações de regras de convivência social, das quais depende uma sociedade sã, perpetrados por aqueles que estão incumbidos do dever de cuidar da comunidade. Porém, as generalizações são perigosas e por isso é imperioso assegurar que o apuramento de responsabilidades decorra, caso a caso, com respeito pelo direito de defesa dos visados.

Acresce que vivemos já no que venho designando por era da economia reputacional, na qual o capital reputacional é o atributo fundamental da licença social de uma instituição ou personalidade. Por esta razão mesmo que uma conduta não seja ilegal pode ser tida por reprovável e originar uma espiral de quebra de confiança, e retirar à instituição ou à personalidade a licença social respectiva. Como, a meu ver, sucedeu entre nós no caso BES, razão pela qual defendi que só a sua nacionalização traria sossego e permitiria criar condições para devolver, a peso de ouro, o banco à iniciativa privada.

Devido a tudo isto é agora decisivo reconhecer que o contexto social sinaliza uma aspiração centrada na recuperação da confiança, e na valorização da ligação entre liderança, integridade e responsabilidade. Uma novidade decisiva que sobressai no contexto que especifiquei, e´ a afirmação de uma nova consciência sobre a importância de os decisores actuarem de modo responsável, ou seja com respeito pelos outros, em geral, e pelas boas práticas, em especial, a sustentabilidade financeira.

Disto sendo reflexo a cooperação internacional destinada a erradicar regimes não-cooperantes, e a lutar contra os fluxos financeiros ilícitos. E que estes fluxos são agora fortemente punidos na legislação, nos tribunais, e hostilizados nas relações sociais por uma carga emocional com reflexos que podem ser muito severos nas atitudes, e dar pretexto a campanhas de destabilização reputacional de marcas ou individualidades. Neste contexto a chave de leitura para os riscos legais e reputacionais inerentes às revelações do consórcio pode apurar-se através das perguntas seguintes:

- As estruturas legais de propriedade e controlo incorporadas pelos clientes do comércio jurídico revelado pelos Panama Papers funcionam, ou não, como montagens artificiais destinadas a manter no anonimato o seu beneficiário efectivo, e a processar fluxos financeiros ilícitos, tais como os do no não-pagamento do imposto devido em função da capacidade contributiva, do branqueamento, de vantagens ligadas à corrupção, do financiamento do terrorismo. E para sonegar activos a credores, herdeiros, ex-cônjuges, ou para inviabilizar o escrutínio ou a cooperação de autoridades com interesse legítimo?

- Caso funcionem como montagens artificiais, e apesar de não serem ilegais, são instrumentalizadas a um uso indevido, nomeadamente o de assegurar um encadeamento de diversos negócios jurídicos orientados no sentido de o beneficiário efectivo, lograr efeitos tidos por imorais ou censuráveis à luz dos valores prevalecentes?

Dentro desta lógica, não hesito em afirmar que alguns dos casos revelados pelos Panama Papers confirmam que estamos perante indícios alarmantes daquilo que venho designando por pirataria social, já que o envolvido se apresenta a fruir da sociedade organizada, e em simultâneo atenta contra ela, por exemplo, procedendo de forma reiterada no sentido de ocultar a sua capacidade contributiva, ou de minar a concorrência ou a eficiente alocação de recursos, ou a segurança nacional financiando o terrorismo.

Neste sentido os Panama Papers trazem uma mensagem de esperança no futuro porque na origem da sua divulgação estão mudanças reais no processo cultural e social, e a emergência de uma nova mentalidade referente às regras sociais de convivência econômico-financeira, que sinalizam a aspiração por uma nova cidadania econômico-financeira, que paulatinamente se afirma, por exemplo na adesão dos Estados a mecanismos de troca de informações baseados na identificação dos beneficiários efetivos e na inoponibilidade do segredo bancário e fiduciário.

Todos os que não compreenderem este sentido do tempo, o tempo abre-lhes a saída de cena... Como confirma a experiência recente que ensina que a incompreensão da mudança social, institucional e de mercado terá porventura sido uma das razões principais na origem da queda do centenário BES.

Vivemos uma fase transitória. Já não estamos onde estávamos, mas ainda não chegámos onde vamos estar. Razão adicional para afirmar com clareza o caminho que se pretende, construindo de baixo para cima, tanto quanto de cima para baixo. Na certeza de que o tempo não espera. E que "olhar a estrada pelo retrovisor" é uma tentação cada vez mais forte, por todos os que não estão identificados com o sentido da realidade e em consequência fecham as escotilhas à espera que passe... Resistindo.

É urgente compreender que, em contexto de economia reputacional, os Panama Papers interpelam Portugal a reafirmar uma cultura organizacional pública e privada de transparência, e de tolerância zero aos fluxos financeiros ilícitos. Por exemplo, o decisor público, na organização do mercado através de benefícios fiscais de natureza contratual ou na Zona Franca da Madeira, e o decisor privado, na atração de novos acionistas, deverá atribuir prioridade à reputação sobre a liquidez/lucro. Em testemunho de responsabilidade social, e de alinhamento com o melhor ensino da História, que gosto de sintetizar na divisa: não há longevidade sem integridade.

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