"As gerações intermediárias estão desaparecendo da vida eclesial", constata cardeal Scola

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24 Novembro 2011

O cardeal arcebispo de Milão, em sua primeira entrevista após sua nomeação, enfrenta uma variedade de temas pastorais e o próximo Encontro Mundial das Famílias, que acontecerá na capital lombarda em 2012. Na entrevista concedida pelo cardeal Angelo Scola ao jornal católico italiano Avvenire – a primeira após o retorno à "sua" terra ambrosiana, em 25 de setembro – fala dos desafios e compromissos da Igreja, dos crentes, da cidade. O cardeal lidera uma das maiores dioceses do mundo, Milão, com um rito próprio, o ambrosiano.

A reportagem está publicada no sítio Zenit, 22-11-2011. A tradução é do Cepat.

Antes patriarca de Veneza e pertencente ao movimento Comunhão e Libertação, sobre a situação da diocese ambrosiana à sua chegada, confessa: "O verme que corrói a cultura e inclusive muitos batizados é a objeção segundo a qual Cristo é um fato do passado. No entanto, Cristo é contemporâneo, para limitar-me à pergunta diria que no povo ambrosiano pude perceber a presença atual do Senhor".

Como estar à altura deste dever? "O ponto é o seguinte – responde: tomar consciência de que somos, por graça do Espírito, o "sinal’ e o "instrumento’, como se lê na Lumen Gentium, da contemporaneidade de Cristo. Porque, como Kirkegaard afirmou agudamente: só quem me é contemporâneo pode me salvar. O fato de não estar consciente disto produz um "fazer’ carregado de generosidade, mas que, muitas vezes, está fragmentado e, portanto, dificilmente é comunicável". "A fragmentação é uma armadilha muito perigosa", assevera.

Milão se prepara para acolher o Encontro Mundial das Famílias, no final de maio de 2012. O que se pode esperar? "São três os aspectos valiosos para mim deste grande evento que o cardeal Tettamanzi tanto quis – explica o sucessor. A escolha do tema é em si mesmo, muito feliz: oferece uma extraordinária oportunidade para reconduzir à unidade as dimensões da vida comum a todo ser humano: os afetos, o trabalho, a festa. O evento como tal, colocará à prova o nosso senso de hospitalidade. Muitos milhares de famílias chegarão de todo o mundo. Se há uma terra da hospitalidade é a "terra do meio", que é Milão. Poderá sugerir também uma forma de olhar a partir de uma perspectiva nova o problema da imigração. Que seja enfrentado de forma equilibrada, sendo ao mesmo tempo magnânimo".

E o Papa estará presente...: "Este é o maior presente. O Papa Bento virá até nós, e não como alguém que chega de fora. O sucessor de Pedro é, por sua natureza, imanente a toda igreja particular. Sua extraordinária vinda nos ajudará a entender sua presença ordinária entre nós. Converter-se-á em uma ocasião para redescobrir este fator que dá plenitude e o dever de dever cumprido à nossa Igreja ambrosiana".

Em Milão, assim como em outras partes, se propõem outros modos de entender e definir a família: "Proponho voltar às coisas em si mesmas, chamando-as pelo seu nome próprio. O nome "família’ se refere ao matrimônio entendido como relação pública, estável, aberta à vida, entre um homem e uma mulher. Respeitamos todas as pessoas, não há uma pretensão de julgar aqueles que não compartilham da nossa visão e pensam poder realizar de outra maneira sua própria personalidade e sua própria esfera afetiva. Estamos abertos a ver como se regulam em termos rigorosos seus pedidos, mas sem que isto, indo além da esfera de um adequado direito privado, altere direta ou indiretamente o autêntico conceito de família".

Em relação à presença dos cristãos de hoje na nossa sociedade, o cardeal Scola aponta "o caminho do testemunho que vem da experiência de relações profundas, constitutivas, que exaltam a liberdade e passam através de um modo de transmitir no dia a dia incontido e aberto a todos. Aí está o verdadeiro motivo que nos faz recomeçar a cada manhã. Somos uns apaixonados pela missão, isto é, por comunicar, cheios de gratidão, o que gratuitamente nos foi dado".

Sobre como se regeneram as relações às vezes irrecuperáveis, inclusive na comunidade cristã, o arcebispo de Milão assinala que "o homem só se move verdadeiramente por convicções. Perguntemo-nos por um instante: o que me persuade verdadeiramente? Me persuade verdadeiramente perceber com clareza que seguir Cristo me "convém’, que seguir Cristo me faz completamente homem". "Que este seja o caminho nos testificam os mártires", acrescenta. "Mais do que nunca, no atual marco histórico de transição rápida e não sem traumas, os cristãos são chamados a passar de uma fé por convenção a uma fé por convicção", destaca.

E como se dá isso na "sua" Milão? "No milanês, por exemplo, pode-se experimentar ainda o gosto pelo trabalho de que fala Péguy: o trabalho deve ser bem feito, independentemente de seu valor de mercado. Percebe-se que isto produz uma trama de relações tendencialmente boas com os outros e com a criação. Mas se o trabalho é vivido separadamente dos afetos, pode também assumir uma fisionomia paroxística (o "trabalho’ um defeito muito milanês). A pessoa necessita de um centro: se existe, todas as dimensões vitais se desenvolvem harmonicamente e inclusive quando entram em tensão, não destroem nunca a unidade do eu".

"No povo italiano resta uma tradição cristã – comenta. Não é uma mera questão de igrejas mais ou menos cheias, mas de reconhecer que grande parte do nosso povo está vinculada à grande tradição cristã. A questão é como acompanhar as diferentes modalidades de participação em uma pertença plena na Igreja: a de que se compromete para além da missa dominical". "Estou convencido de que esta ação eclesial tem uma influência benéfica sobre a sociedade civil. Na história de Milão sempre foi assim. É necessário voltar a entender que não é uma lei para converter um cidadão, mas que se trata da virtude. Santo Tomás dizia que o objetivo da lei é educar a viver segundo a virtude".

Na homilia da sua posse em Milão falou do "ofício de viver" que esmaga homens e mulheres das gerações intermediárias: "Preocupa-me o fato de que as gerações intermediárias – responde –, dos 20 aos 60 anos, tenham desaparecido da vida eclesial e muitas vezes da vida civil, porque estão pressionados pelo afã da vida cotidiana, dos ritmos de trabalho, pelas feridas afetivas".

"Estas pessoas não são contrárias à fé – explica –, mas não conseguem ver uma relação de sua existência com esta. Esta é a razão pela qual a ação da Igreja deve ser realizada nos ambientes da vida, entre as pessoas. A paróquia é o eixo central, porque é a "igreja’ entre as casas, mas não podemos esperar que as pessoas batam à nossa porta".

Quem mais se ressente com a perspectiva do curto prazo desta sociedade são os jovens, inquietos, "indignados" e às vezes inclusive enfadados. "Quando me reúno com eles – conclui o cardeal Scola –, o que já me aconteceu muitas vezes ainda que por um período breve de tempo, destaco como todos dizem a eles que são "o futuro’, mas isto não será possível se não forem o presente. Isto exige educação, que consiste na transmissão aos jovens do dever cumprido de viver. Penso que a escola e a universidade devem ser consideradas em termos não apenas da reforma estrutural, mas da concepção. A relação com o mundo do trabalho, portanto, não pode ser puramente instrumental: a educação está dotada de um valor em si mesmo, que é anterior à funcionalidade do resultado escolar. Fora deste amplo horizonte, todos os discursos dirigidos aos jovens soam demagógicos".