Desarticulação pública atrasa combate ao crack

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10 Janeiro 2012

As políticas públicas voltadas para o tratamento de viciados em drogas avançaram no Brasil com a extinção dos hospitais psiquiátricos e a difusão, a partir de 2003, dos Centros de Atenção Psicossocial-Álcool e Drogas (Caps-AD). A investida dos governos municipal e estadual de São Paulo no combate ao crack no centro paulistano, contudo, expôs contradições e erros do modelo adotado na grande maioria das cidades do país, na opinião de especialistas ouvidos pelo Valor. O maior problema do Brasil no combate ao crack, concordam muitos deles, é a desarticulação entre as políticas de segurança, saúde e assistência social. E essa desarticulação, dizem, não é exclusividade de São Paulo.

A reportagem é de Samantha Maia e Luciano Máximo e publicada pelo jornal Valor, 10-01-2012.

Em 2011, o Ministério da Saúde estima que foram feitos cerca de 3 milhões de atendimentos nos Centros de Atenção Psicossocial-Álcool e Drogas, localizados em todas as capitais e na maioria das cidades médias e grandes. Para os especialistas, as cenas cotidianas de consumo de crack nas ruas do centro de São Paulo e, mais recentemente, de policiais militares reprimindo usuários na Cracolândia, sem a retaguarda de profissionais da saúde e do serviço social do poder público, escancaram a ineficiência do Estado no combate ao consumo da pedra de pasta de cocaína refinada com bicarbonato de sódio que afeta a vida de mais de 200 mil brasileiros.




No caso paulistano, o psiquiatra Marcelo Ribeiro, diretor de ensino da Unidade de Pesquisas em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp-Uniad) e autor do recém-lançado livro "O Tratamento do Usuário do Crack" (editora Artmed), avalia que a premissa da ação da polícia - de reprimir ostensivamente o consumo para provocar a abstinência e a consequente procura por cuidados - não tem embasamento científico e contribuiu para "bagunçar o trabalho de anos" de ONGs e de agentes das secretarias municipais de Saúde e Assistência Social na Cracolândia.

"Claro que é preciso coibir o consumo livre na rua, mas isso não pode ser feito só sob a ótica da segurança. O usuário não foi considerado na ação. Autoridades não conversaram, a polícia não ouviu quem estava lá fazendo um trabalho. O resultado da desarticulação é que acaba com um problema e surge outro, ninguém tem noção do segundo e terceiro passos", analisa Ribeiro.

"Há muita gente trabalhando de forma isolada, de ONGs a universidades, em secretarias municipais diferentes, e fica um samba do criolo doido, porque a articulação é muito precária", diz Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra e coordenador do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes (Proad) da Unifesp.

A situação não é exclusividade de São Paulo. Os dois especialistas da Unifesp não conhecem, no país, exemplos de diálogo afinado entre autoridades da segurança, saúde e assistência social para a formulação de um planejamento eficiente para enfrentar o crack. Ribeiro sugere que a "diversidade de modelos" adotada em Rivertown, bairro no sul de Londres que pode ser comparado à Cracolândia, é uma ferramenta importante para lidar com o problema. "[São ações] de baixa e alta exigência, com oferta de serviços de apoio básico até o tratamento para a abstinência por equipes multidisciplinares."

O Ministério da Saúde informa que o novo plano federal de combate à droga, "Crack, é possível vencer", é baseado em investimentos de R$ 2 bilhões em equipamentos e no desenvolvimento de ações coordenadas. A iniciativa prevê a abertura de 13.614 novos leitos para usuários de álcool e drogas até 2014. Serão 1.400 nos Caps, 3.600 em enfermarias especializadas e 8.600 em unidades de acolhimento transitório. Em três anos, serão criados 41 novos Caps, passando para 175 unidades. A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça, que responde pelo programa, não se manifestou.

O problema da ausência de articulação pública na formulação de políticas de abordagem a viciados em crack e outras drogas é ampliado pela falta de serviços de atendimento aos dependentes. "O Brasil vem melhorando na abordagem de combate ao vício. Há 15 anos, havia três ou quatro ambulatórios dentro de universidades, hoje em dia os Caps cumprem função importante, mas falta a estrutura intermediária que se vê nos países desenvolvidos", avalia Ribeiro. Ele se refere a serviços de moradia assistida, enfermarias, espaços para ação de grupos de autoajuda.

O Proad começou há 25 anos com os primeiros trabalhos de redução de danos no país, que consistem na identificação dos usuários nas ruas e na busca de soluções individuais. "Identificamos que o que está levando as pessoas a se tornarem dependentes, não é só o acesso à droga. Fica dependente aquele que, além do acesso, fica privado de direitos fundamentais, como moradia, educação, saúde", diz Silveira.

Por causa disso, segundo Silveira, as ações de assistência médica precisam ser casadas com outras políticas públicas que combatam a vulnerabilidade social da população. "É um equívoco focar a política na droga, porque daí começa a se vender uma imagem de que aquela situação de miséria da Cracolândia é decorrente da droga, e, na verdade, a droga é consequência da miséria", diz ele.

Para o psiquiatra, a ação da prefeitura paulistana, de repressão ao tráfico na Cracolândia e de dispersão dos usuários, atrapalha esse trabalho do Proad e do próprio governo. "A repressão vai contra todo o trabalho de redução de danos, dos educadores de rua, dos consultórios de rua, e pode pôr a perder anos de trabalho de formiguinha."

O grupo entra em contato com as mais diversas realidades e, segundo o coordenador do Proad, nem sempre a retirada da droga é a primeira indicação. "Uma situação emblemática foi de uma adolescente de rua que nos disse que usava crack, porque, para sobreviver, ela tinha que se prostituir, e para isso precisava estar drogada, senão não aguentava a dor. Você vai dizer que para essa menina a droga é um problema? É uma solução de sobrevivência. Impedir o acesso dessa menina às drogas é colocar um problema a mais." A indicação nesse caso, segundo ele, foi buscar o contato de uma tia que podia cuidar da jovem.

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