Marc Ouellet. Um canadense que pode ser papa

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02 Março 2013

Como o veterano escritor do Vaticano, Andrea Tornielli, relembra hoje em La Stampa, uma maneira de julgar quão sério um candidato papal pode ser é através da quantidade de rumores, boatos e assassinato de caráter que essa pessoa gera. Levando-se apenas esse padrão em consideração, o Cardeal Marc Ouellet deve ser levado a sério.

A reportagem é de John Alen Jr e publicada por National Catholic Reporter, 20-02-2013. A tradução é de Silvia Ferabolli.

Ouellet, de 68 anos, natural de Quebec e atual diretor da prestigiosa Congregação para os Bispos do Vaticano, tem sido considerado um concorrente formidável para assumir o cargo máximo da Igreja. Ele possui o cérebro, as línguas e a experiência de vida para satisfazer a sabedoria convencional sobre o que é preciso para ser papa. Como mostrado nos últimos dias, contudo, ele também tem a bagagem que qualquer figura pública acumula ao longo de uma carreira longa e controversa.

Perfis na imprensa canadense foram variados - o Globe and Mail de Toronto, perguntou: "O Cardeal que não conseguiu salvar a sua Igreja de Quebec pode salvar o Vaticano?" A essência desse comentário baseia-se no fato de que a posse de Ouellet como arcebispo de Quebec (2002 a 2010) levou a forte declínio de fé e prática no Canadá francófono (um dos perfis chegou a informar que até mesmo alguns de seus irmãos não são mais praticantes). Repórteres também têm ressuscitado momentos de controvérsia em Quebec, como o comentário feito em 2010 por Ouellet de que aborto era injustificado, mesmo nos casos de estupro.

Aqui em Roma, observadores percebem Ouellet como alguém dado, às vezes, a emoções, indo as lágrimas em momentos delicados, o que sugeriria de modo não tão sutil que ele talvez não tenha força para liderar. Outros recordaram um embaraçoso episódio de 2003, quando o irmão mais novo de Ouellet, Paul, artista e professor aposentado, se confessou culpado de crimes sexuais contra dois adolescentes. Marc Ouellet nunca falou publicamente sobre o incidente.

Em última instância, se Ouellet emergir do conclave como papa, ninguém será capaz de dizer que os cardeais não tiveram background suficiente para formular um juízo esclarecido sobre o que eles estão recebendo.

Os argumentos pró-Ouellet são os seguintes

Primeiro de tudo, ele é um intelectual genuíno que se aproxima da ampla cultura e acuidade teológica de Bento XVI. Ouellet também é feito do mesmo tecido do papa, em termos de perspectivas básicas. Como o Cardeal Angelo Scola de Milão, Ouellet tem laços de longa data com os círculos ligados a revista Communio cofundada pelo jovem Joseph Ratzinger.

Em segundo lugar, muitos cardeais gostariam de um papa que pudesse de alguma forma reunir o primeiro e terceiro mundo, e Ouellet poderia dar conta disso. Ele é uma poliglota que fala seis línguas (Inglês, francês, espanhol, português, italiano e alemão) e, quando ainda era um jovem sacerdote, lecionou na Colômbia durante os anos 1970 e 1980. Ele já viajou muito, o que lhe dá um senso das diferentes realidades que a Igreja enfrenta em várias partes do mundo.

Em terceiro lugar, há também muitos cardeais que querem um papa que pode iniciar uma reforma séria da Cúria Romana, o que implica a necessidade de “alguém que sabe onde os corpos estão enterrados”. O currículo na Ouellet parece atraente nesse quesito também. Ele foi um consultor da Congregação para o Clero, de 1995 a 2000 e assumiu, por um breve período, o secretariado do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade Cristã em 2001 apenas para retornar ao Vaticano em 2010 para assumir a Congregação para os Bispos. Esses lugares têm proporcionado a Ouellet insights sobre como funciona o Vaticano - e, às vezes, como ele não funciona.

Em quarto lugar, Ouellet é universalmente visto como um homem profundamente espiritual com uma forte vida de oração, o que lhe dá credibilidade quando ele fala sobre os componentes do núcleo da fé cristã. Supondo-se que os cardeais estejam procurando santidade pessoal acima de tudo no próximo papa, alguns acreditam que isso, por si só, colocaria Ouellet perto do topo da lista.

Em quinto lugar, como um canadense, Ouellet representaria uma ruptura do domínio Europeu sobre o papado. Embora o Novo Mundo possa não parecer mais tão "novo", é do Vaticano que estamos falando – onde o mundo é pensado em termos de séculos. Nesse sentido, um voto para Ouellet pode atrair alguns cardeais como um voto para ampliar os horizontes da Igreja. Ainda, Ouellet não é italiano, e alguns cardeais de outras partes do mundo acreditam que os problemas de gestão do Vaticano sob o Cardeal Tarcisio Bertone, Secretário de Estado, prejudicaram as perspectivas de um candidato italiano.

Em sexto lugar, tendo servido na América do Norte no auge dos escândalos de abuso sexual, Ouellet entende o golpe maciço que eles já causaram a autoridade moral da Igreja. Em Roma, ele é visto como um reformador: durante uma cúpula internacional sobre a crise de abuso, em fevereiro passado, ele celebrou uma liturgia de arrependimento em uma igreja romana, cerimónia na qual algumas das vítimas participaram. Ouellet chamou a crise de "uma fonte de grande vergonha e enorme escândalo” e disse que o abuso sexual não só era um "crime", mas também uma "experiência autêntica da morte por parte das vítimas inocentes". (Críticos, no entanto, cobram que Ouellet não tem usado sua posição no Vaticano para pressionar para uma maior responsabilização dos Bispos que encobriram relatórios sobre abusos.)

Os argumentos contra Ouellet

Primeiro, alguns observadores do Vaticano bricam dizendo que ele seria basicamente uma "fotocópia" de Bento XVI - outro pontífice cerebral que prefere a vida da mente às “porcas e parafusos” da administração e que talvez seja muito suave e muito “bom” para conseguir decepar algumas cabeças e trazer a instituição sob controle. Em uma nota de 2011, Ouellet repetidamente falou sobre as esmagadoras cargas do papado, chamando o trabalho de "pesadelo". Alguns podem questionar se ele estaria a altura da magnitude da tarefa. Isso pode ser uma preocupação especial na sequência de um papa que foi extremamente sensível às demandas da posição e que renunciou sob o argumento de que não teria mais forcas para exercer seu cargo.

Em segundo lugar, o simples fato de que Ouellet tem experiência Vaticano não significa necessariamente que ele é a pessoa certa para executar a reforma. Muitos cardeais, em 2005, pensavam que Joseph Ratzinger seria essa pessoa por causa de seus mais de 20 anos no Vaticano, algo que, pelo menos alguns diriam hoje, nunca realmente aconteceu.

Em terceiro lugar, apesar do tempo na Ouellet América Latina e de sua grande capacidade para línguas, ele tende a centrar-se na luta contra o secularismo ocidental, algo, mais uma vez, muito parecido com Bento XVI. Alguns cardeais do mundo em desenvolvimento, onde dois terços de todos os católicos de hoje vivem, podem se perguntar se ele seria igualmente enérgico sobre as preocupações que tendem a ser de maior relevância para a maioria dos católicos – as relações com o Islã, por exemplo, ou a luta para defender cristãos perseguidos em lugares como a Síria, a Índia e a China.

Em quarto lugar, Ouellet é um sulpiciano e, em alguns círculos, sulpicianos estão associados a correntes liberalizantes, seguindo o Concílio Vaticano II (1962-65), considerado culpado por alguns conservadores pelas quedas nas vocações e perda de fé. Embora ninguém culpe Ouellet pessoalmente, alguns cardeais de pensamento mais tradicional podem se perguntar qual impacto alguém que não conseguiu fermentar a cultura de sua própria ordem teria sobre a Igreja.

Em quinto lugar, alguns cardeais acreditam que o próximo Papa tem que ser um missionário-em-chefe, um eficaz homem de frente para a nova evangelização – um rosto e voz atraentes na mensagem católica. Alguns podem se perguntar se Ouellet é verdadeiramente apto a desempenhar esse papel, já que é um homem afetuoso e espirituoso privadamente, mas às vezes parece muito duro e reservado na cena pública.

Claro que nenhum ser humano pode dar conta de todas as demandas dos Cardeais: um santo vivo, um gigante intelectual, um peso-pesado político, um CEO da Fortune 500 e um queridinho da mídia, que encanta o mundo com seu sorriso. Inevitavelmente, eles terão que fazer concessões na procura de alguém que chegue perto o suficiente das várias exigências para parecer um candidato credível. É impossível dizer se o Marc Ouellet será a resposta a que os Cardeais chegarão  quando começarem a fazer as contas, mas dado o seu currículo e sua personalidade, é difícil imaginar que ele não vai aparecer na equação.

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