''O papa está revolucionando a Igreja.'' Entrevista com Marco Politi

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30 Junho 2014

O Papa Francisco pode democratizar a Igreja Católica? Ele conseguirá superar as lutas de poder por trás dos muros vaticanos? Fizemos essas perguntas ao vaticanista Marco Politi.

A reportagem é de Stefan Dege, publicada por Deutsche Welle, 25-06-2014. A tradução, do italiano, é de Moisés Sbardelotto.

Marco Politi é jornalista e escritor alemão-italiano. É colunista do jornal italiano Il Fatto Quotidiano e tem bons contatos dentro do Vaticano. Dois anos atrás, ele publicou o livro Benedetto. Crisi di un pontificato [Bento. Crise de um pontificado] – uma obra sobre o papa alemão que, pouco tempo depois, renunciou.

Nessas semanas ele apresenta, por enquanto em italiano, o seu livro mais recente: Francesco tra i lupi – Il segreto di una rivoluzione [Francisco entre os lobos. O segredo de uma revolução]. Nele, ele descreve a luta de poder por trás dos altos muros vaticanos.

Eis a entrevista.

"Francisco entre os lobos" é o título do seu novo livro. É claro que se trata do papa. Mas quem são os lobos?

Existe uma lenda sobre São Francisco que encontra um lobo em Gubbio. E, enquanto Francisco prega, o lobo se torna como que um cordeirinho. No Vaticano e na Igreja universal, acontece o contrário: isto é, existem prelados, padres e fiéis que apoiam o papa no seu projeto de reforma. Mas também há muita resistência em diversos níveis. Resistência, por exemplo, quando o papa diz que as mulheres devem ocupar posições-chave e devem poder tomar decisões. Há resistência quando o papa introduz a transparência em matéria de dinheiro. De vez em quando, explodem escândalos. Depois, vê-se quanto dinheiro desapareceu. Quando o papa fala contra essas coisas, os ambientes da máfia ficam nervosos. Há lobos quando o papa quer democratizar a Igreja. Certas pessoas, então, dizem que, assim, se diminui o papel do primado do papa e do pontífice romano.

Portanto, há uma luta de poder no Vaticano?

Não só no Vaticano. No Vaticano, há forças reformistas, as mesmas que escolheram como papa um cardeal argentino. Mas há resistências também na Igreja universal, entre os bispos em várias partes do mundo. No Vaticano, há um "núcleo duro". Por exemplo, o cardeal Müller, da Congregação para a Doutrina da Fé, é contrário à ideia de dar a comunhão aos divorciados em segunda união. O cardeal Burke, um norte-americano muito ativo no movimento pró-vida, gostaria de continuar a política de Bento XVI e de proceder de maneira muito agressiva contra os Estados que permitem o aborto ou a fecundação artificial.

Que força têm os críticos do Papa Francisco?

Quando um papa quer reformar ou mesmo revolucionar a Igreja, ele não é onipotente. Já vimos isso claramente com João XXIII. Houve sabotagens contra o papa, quando ele colocou em ação o movimento conciliar. E também contra Paulo VI havia nos bastidores fortes resistências da parte conservadora. Assim acontece agora com o Papa Francisco. Ele quer um debate aberto na Igreja, que traga movimento na Igreja. Ele não constitui simplesmente um grupo de apoiadores próprios. Ele gostaria que houvesse, como no Concílio Vaticano II, uma discussão aberta. Das diversas propostas e opções, depois, deve-se chegar a um consenso e renovar a Igreja desse modo.

Um exemplo: o arcebispo Müller publicou um artigo muito duro no L'Osservatore Romano, em que se lançava contra a comunhão aos divorciados em segunda união. Poucas semanas depois, Francisco o nomeou cardeal. O papa quer o debate aberto. Infelizmente, na Igreja universal e nas conferências episcopais, ainda reina muita passividade. A hierarquia de alto nível não toma posição abertamente. Ao contrário, enquanto isso, há um grande número de sites que fazem propaganda contra esse papa.

Do lado de fora da Cúria, centro da Igreja universal, tem-se a impressão de que ela é como que uma nave espacial separada do resto. O senhor acredita que, no fim dessa luta de poder, a nave espacial perderá o seu poder em favor de uma maior liberdade nas conferências episcopais, nas dioceses e nas paróquias?

Seguramente. Se o papa reformar a Cúria e se o papa quiser fazer dela um instrumento útil também para os bispos, então, ele criará desse modo um sistema completamente novo. Não é fácil, ainda mais que a Cúria, ao longo dos séculos, desenvolveu-se como uma espécie de comando supremo da Igreja, que governa as conferências episcopais. Há mais de um ano, a reforma da Cúria ainda não se concluiu...

Para muitos, na Igreja Católica, o Papa Francisco é fonte de esperança. Ele conseguirá ver os frutos da sua renovação?

Certamente, o Papa Francisco também vai se retirar um dia. O Papa Bento XVI, com a sua retirada, mudou o papado católico. Como ele poderá continuar a revolução de Francisco se não estará mais? O papa coloca grandes esperanças no princípio do Sínodo, aquele pequeno parlamento de bispos que se encontram a cada três anos em Roma para discutir os problemas. Até agora, os sínodos funcionaram como conferências universitárias – cada um dizia o que pensava e, no fim, havia um documento que não tinha nenhuma importância. Mas Francisco quer que os sínodos dos bispos realmente tomem decisões sobre problemas difíceis.

Assim, ele convocou o Sínodo para este ano sobre matrimônio e família. Nele, se tratará de tudo – divórcio, pílula, relações homossexuais, coabitação de pessoas do mesmo sexo. Os bispos, acima de tudo, devem analisar a situação e ouvir os fiéis. Por isso, o papa fez com que se distribuísse em todo o mundo um grande questionário. Em 2015, os bispos terão que se encontrar novamente para fazer propostas concretas. Se esse mecanismo parlamentar se impor, se nos próximos sete anos houver dois ou três desses sínodos, se as conferências episcopais virem que podem influenciar nas decisões, então a revolução de Francisco se tornará irreversível.

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