A propósito do fracking. A decisiva importância da ciência crítica e as mobilizações cidadãs

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Por: André | 12 Mai 2014

O que é do conhecimento de todas e todos: o fracking [fraturamento hidráulico] é uma técnica, difundida em alguns países do mundo (especialmente em Imperial, EUA), que consiste em perfurar o subsolo e injetar água a pressão misturada com areia e substâncias químicas (geralmente desconhecidas em seus detalhes) para liberar o gás de xisto que se encontra nas rochas betuminosas. Perguntas sobre esta nova técnica fáustica de base científica? Muitas: possível contaminação de aquíferos, uso intensivo de água, microterremotos, exposição a produtos químicos tóxicos, efeitos muito negativos sobre a saúde humana e o meio ambiente, etc.

 
Fonte: http://bit.ly/1izgvcj  

A reportagem é de Salvador López Arnal e publicada no sítio Rebelión, 07-05-2014. A tradução é de André Langer.

David Cameron, o primeiro-ministro conservador britânico, a voz do Senhor imperial na Europa, aproveitou a crise da Ucrânia para recordar a enorme dependência energética europeia do gás russo. Embora não seja algo do seu próprio país, a ocasião foi muito útil para afirmar novamente que a Inglaterra tem “o dever” – o dever – de explorar suas reservas de gás de xisto. Seu Governo anunciou, se acaso houvesse alguma dúvida, que 64% do subsolo contém gás extraível mediante pressão hidráulica.

A França, felizmente (ecos da Revolução do século XVIII e da pressão ecologista), é contra. Com firmeza até o momento, embora desconheçamos os futuros planos do barcelonês Valls. O Reino Unido e a Polônia (para eles, a guarda avançada da UE-28, é a única resposta verdadeira à pressão do gás russo) são defensores da técnica. Na França e na Bulgária, a técnica é proibida. Os ecologistas críticos, com razão, reclamavam normas comuns para a Europa. A Polônia acaba de mudar “sua legislação ambiental para facilitar o trabalho das empresas que exploram seu subsolo. Aprovou que os poços de exploração de até 5.000 metros – cinco quilômetros! – de profundidade – praticamente todos – não necessitam de estudos de impacto ambiental”. Loucamente, loucamente, vive-se melhor! Quer dizer, tende-se a morrer pior.

O ministro da Indústria do governo espanhol, José Manuel Soria, apesar do seu nome machadiano, manifestou reiteradamente seu apoio a esta técnica. O Governo descriador da Espanha e da Terra concedeu nos últimos anos várias dezenas de permissões de pesquisa de hidrocarbonetos. Em sua maioria para pesquisar gás não convencional. É a bacia basco-cantábrica onde se acredita que a geologia é mais favorável “às pesquisas”, à nova modernidade tecnológica. Também em Burgos e em outros territórios distantes. Apesar de tudo, até o momento não se construiu nenhum poço.

Seja como for, há uma boa-nova nesta importante (cada vez o será mais, cada vez deve sê-lo mais) luta cidadã nesta aposta crítica, contrária e documentada da ciência humanista e não servil. Cristina F. Pereda e Elena G. Sevillano noticiaram isso recentemente. Fundamento-me, na sequência, acima de tudo, em seu artigo para algumas considerações:

Xavier Querol, geoquímico e pesquisador do CSIC, assinalou: “O problema são os componentes químicos da mistura de líquido que se injeta no subsolo. Muitos deles são tóxicos. As empresas não revelam que substâncias utilizam. Se se trata de hidrocarbonetos aromáticos como o benzeno, que é cancerígeno, obviamente representa um perigo”. Para a saúde humana e para ambiente.

Conclusões de um estudo publicado em 2012 na Science of the Total Environment: foram encontradas altas emissões de contaminantes como o benzeno.

Resultados expostos em um artigo do Endocrinology: entre o coquetel de substâncias empregadas há 12 consideradas disruptores endócrinos (alteradores do equilíbrio hormonal relacionados à infertilidade e ao câncer, entre outros problemas de saúde). Nada menos!

Mais conclusões, desta vez de pesquisadores da Universidade de Missouri (Estados Unidos): colheram amostras de água em uma zona com grande densidade de poços e as compararam com as de áreas menos exploradas; descobriram que a atividade estrogênica, antiestrogênica, androgênica... era muito superior na zona com muitos poços de fracking.

Até aqui os resultados científicos. Agora a informação sobre uma denúncia cidadã:

Novembro de 2008. Lisa Parr começou a sofrer de enxaquecas e vômitos. Não se imaginava, na época, “que os cerca de 20 poços para a extração de gás que circundam sua casa, em Decatur, Texas (EUA), podiam ter algo a ver com seus problemas de saúde”. Dermatites, hemorragias e febres se somaram “à longa lista de sintomas que durante os anos seguintes a forçaram a baixar várias vezes ao hospital”. Seu marido, Robert, e sua filha, Emma, também adoeceram.

Em 2011, a família Parr processou a petroleira Aruba Petroleum. Em 22 de abril de 2014, no Dia da Terra, um tribunal condenou a empresa a indenizar a família em 2,9 milhões de dólares, considerando “que suas dolências estão relacionadas às operações de fracking dos poços da Aruba”. Resta ver se os Parr chegarão a ganhar essa quantidade – a empresa pode recorrer da sentença – ou se a sentença estabelecerá jurisprudência. O que é certo “é que se trata da primeira indenização milionária por um caso de prejuízo à saúde relacionado ao fracking”. Pode estabelecer jurisprudência.

Geralmente, os processos pelos efeitos sobre o meio ambiente e a saúde desta técnica, que se alastrou pelos Estados Unidos como pólvora imperial durante a presidência do Prêmio Nobel belicista Obama com a promessa de aumentar a independência energética do país, “são resolvidos em acordos extrajudiciais, envolvendo indenizações econômicas que nunca são efetuadas. O processo da família Parr foi julgado, e um jurado popular deu ganho de causa à família por cinco votos a favor e um contra”.

A família Parr alegou em sua ação “que as operações da Aruba Petroleum nas imediações da sua residência contaminaram o ambiente fazendo adoecer a sua família e o seu gado e obrigando-os a se mudar para outra localidade”. Segundo os advogados que a assessoram, “a técnica de fracking implica no uso de centenas de componentes químicos, alguns deles cancerígenos, que não são eliminados uma vez que entram em contato com a terra”. Concorda com o que aponta a comunidade científica não serviçal.

A Aruba Petroleum defendeu durante o julgamento, evidentemente (percebem o discurso?), que suas operações cumprem a legislação vigente e que não é possível estabelecer uma relação direta com os sintomas sofridos por esta família. Além disso, segundo o The Wall Street Journal, mais de 15 milhões de estadunidenses (cerca de duas vezes a população da Catalunha) vivem a uma distância inferior a um quilômetro e meio de um poço de extração. A resolução da demanda dos Parr pode abrir passagem para novas reclamações similares e converter-se em um excelente argumento para os que negam esta prática. “Fontes jurídicas dizem ser pouco provável que uma sentença assim volte a se repetir, e até mesmo que a família poderia perder o processo na fase de recurso”. Não se deve perder a esperança fundada.

Nos Estados Unidos, o fracking beneficiou-se de várias lacunas nas leis, como explica Scott A. Elias, professor de Ciência Quaternária na University of London, em trabalho publicado na Earth and Environmental Science. “O fracking é a exceção em duas importantes leis federais (a da água potável e da água limpa) ao permitir a injeção de produtos químicos tóxicos nos poços e a falta de tratamento da água residual armazenada”. Além do mais, as empresas, segundo este professor, “não são obrigadas a revelar o coquetel de substâncias que usam, por ser considerado segredo industrial”. Segredo industrial! A economia a serviço da cidadania ou da indústria? Quem manda realmente nessa “democracia” industrial de elites insaciáveis e enlouquecidas?

O exame de toxicologia ao qual a família Parr foi submetido detectou mais de 20 químicos em seu sangue. No caso de seus vizinhos, um especialista em contaminação ambiental detectou a presença de hidrocarbonetos como benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno. Em síntese: outro âmbito urgente de intervenção cidadã e de cientistas comprometidos.

No fundo do cenário: a civilização incivilizada do capitalismo, neoliberal ou não, não é apenas um sistema de exploração, de desigualdades, de barbárie militar e de machismo vulgar criminoso, mas um meio assegurado (e com garantias) de ecossuicídio generalizado. É razoável, não digo justo, apostar nesse abissal caminho?

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