Papa Francisco e a ONU: o fascínio discreto das guerras culturais. Artigo de Massimo Faggioli

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10 Fevereiro 2014

Do tipo de resposta que vier do Papa Francisco e dos seus homens ao relatório da ONU, se entenderá que tipo de relação a Igreja bergogliana pode e quer ter com a ONU e com o mundo das organizações supranacionais.

A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Saint Paul, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio HuffingtonPost.it, 07-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

O relatório da ONU que acusa a Igreja Católica de continuar tendo doutrinas e práticas que colocam em risco a segurança das crianças é, para além dos próprios méritos e das próprias fraquezas, o primeiro teste público para a Igreja de Francisco. Se, talvez, é inapropriado falar do fim da lua de mel, certamente o púlpito de onde vem a acusação é um púlpito substancialmente diferente do da opinião pública internacional canalizada pela imprensa: e a cultura (em sentido lato), da qual a ONU é expressão, não é o interlocutor privilegiado de um eclesiástico como Bergoglio – muito menos do que para Paulo VI e João Paulo II.

Do tipo de resposta que vier do Papa Francisco e dos seus homens, se entenderá que tipo de relação a Igreja bergogliana pode e quer ter com a ONU e com o mundo das organizações supranacionais. A Igreja, entidade ao mesmo pré-estatal, supraestatal e multinacional, teve uma relação complexa com a ONU nesses últimos 65 anos: nesse âmbito, a "lua de mel" entre Igreja e organizações internacionais acabou há cerca de 20 anos, pelo menos, a partir da conferência do Cairo de 1994 sobre "população e desenvolvimento". Mas o momento atual é importante também por outros motivos.

Em primeiro lugar, é evidente que há em ação dois extremismos opostos: o extremismo dos ativistas, que veem na Igreja Católica e na sua doutrina moral (em sentido lato) a central mundial do sexismo e do obscurantismo contra o extremismo daqueles (basta ler o jornal Il Foglio de Giuliano Ferrara nos últimos dias) que não viam a hora de poder retomar nas mãos a bandeira dos valores inegociáveis.

Exatamente há um ano da renúncia de Bento XVI, estamos diante do risco de que a Igreja do Papa Francisco seja sugada para dentro do buraco negro do confronto sobre o "desafio antropológico": é um risco para o pontificado, porque levaria novamente a uma Igreja dominada por um paradigma cultural ocidental, ou seja, demograficamente minoritário e dominado por aqueles que têm pouco ou nenhum interesse e experiência (tanto a ONU, quanto Giuliano Ferrara) na qualidade cristã do catolicismo sobre a qual o Papa Francisco está tentando chamar a atenção novamente.

Em segundo lugar, uma renovada atenção para as questões da sexualidade (e, em particular, da contracepção) lança uma luz sobre aquilo que, na história do papado contemporâneo, pode ser chamado de o paradoxo de Paulo VI: Montini, o papa da histórica visita à ONU de 1965, entrou para a história como o papa do "não" à contracepção com a encíclica Humanae vitae, de 1968, mas também é o mesmo papa cujo magistério sobre a evangelização no mundo moderno voltou poderosamente à atualidade com o Papa Francisco (basta ler a exortação Evangelii gaudium, publicada em novembro passado). Resta ver se o Papa Francisco será capaz de resgatar Paulo VI da hipoteca cultural (especialmente na Europa e nos Estados Unidos) criada pela Humanae vitae.

Por fim, o confronto entre a Comissão da ONU e a Igreja Católica coloca o dedo em uma ferida, ou seja, no fato de que nenhum bispo, entre aqueles que foram acusados, investigados e condenados por terem encoberto os padres pedófilos, perdeu o posto: em alguns casos (como o famoso do cardeal Law, de Boston), a necessidade do Vaticano de protegê-lo da justiça secular significou uma espécie de "promoção" por parte de João Paulo II, com nomeações a prestigiados postos na Cúria Romana.

Nesse sentido, a Igreja do Papa Francisco ainda não mudou de rota com relação à prática anterior: a remoção dos bispos é uma questão institucionalmente complicada, com poucos precedentes históricos, que traz novamente à tona as dimensões do escândalo da pedofilia na Igreja. Ninguém ainda começou a tirar as consequências desse escândalo e daquilo que ele diz sobre a Igreja como organização complexa.

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