“Uma fé que não se faz solidariedade é uma fé morta”, diz o Papa Francisco

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Por: André | 14 Julho 2015

“A fé nos torna próximos, nos faz próximos da vida dos outros. Aproxima-nos da vida dos outros. A fé desperta o nosso compromisso e desperta a nossa solidariedade”. O último dia da visita latino-americana do Papa Francisco começa com um encontro dedicado aos pobres, aos excluídos, aos que vivem em dificuldades nas periferias das periferias. No Equador, Bergoglio reuniu-se com os idosos da Casa de Repouso das Missionárias da Caridade, em Tumbaco. Na Bolívia, entrou na prisão mais perigosa da América Latina, em Palmasola. E agora, no Paraguai, visita o Bañado Norte, uma zona pobre e pantanosa da cidade de Assunção, regularmente atingida por inundações no período das chuvas. Aqui os projetos de assistência da Igreja e do Estado são muito ativos. A Capela São João Batista, visitada por Francisco, é uma das 13 capelas existentes neste bairro.

A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 12-07-2015. A tradução é de André Langer.

“Aqui está o teu povo – disse o jesuíta Ireneo Valdéz, pároco da Sagrada Família do Bañado Norte –, o teu povo te acolhe do fundo do coração. Te sentimos, pai, irmão e companheiro, um de nós. Irmão da mulher papeleira, do pescador, do carpinteiro, do camponês, do indígena, do limpador de parabrisas. Te sentimos irmão daquele que não consegue viver humanamente, do morador deste bairro. Esta é a tua casa, tu estás conosco. Bem-vindo à tua casa.”

“O Estado não se ocupa conosco – disse ao Papa Maria García, coordenadora das organizações do bairro –, não nos vê com bons olhos. Não nos vê como sujeitos de direitos. Pelo contrário, para os seus responsáveis somos (como nos dizem normalmente) um passivo social. Somos um problema que deve ser resolvido. Para o Estado, o problema não são as nossas necessidades e carências, mas nós, nossa existência. Assim, nós nos opomos a projetos de construção de ruas e casas que ameaçam as nossas raízes e os nossos direitos. Estes projetos não nos favorecem, mas àqueles que já têm abundantes terras e casas... Nós dizemos com convicção que somos parte da solução e sujeitos de direito.”

“Eu não poderia estar no Paraguai sem estar com vocês, sem estar nesta sua terra – disse Bergoglio em seu breve discurso. Encontramo-nos nesta Paróquia chamada Sagrada Família e confesso-lhes que quando, desde que comecei a pensar nesta visita, desde que comecei a caminhar de Roma para cá, vinha pensando na Sagrada Família e quando pensava em vocês me lembrava da Sagrada Família. Ver seus rostos, seus filhos, seus avós. Ouvir suas histórias e tudo o que fizeram para estar aqui, toda a luta para ter uma vida digna, um teto. Tudo o que fazem para superar a inclemência do tempo, as enchentes destas últimas semanas, me traz à memória a pequena família de Belém. Uma luta que não lhes roubava o sorriso, a alegria, a esperança. Uma luta que não lhes tirou a solidariedade; pelo contrário, estimulou-a, fê-la crescer.”

Francisco recordou as dificuldades enfrentadas por José e Maria: “tiveram que deixar seu lugar, os seus, seus amigos. Tiveram que deixar a própria terra e ir para outra terra. Uma terra na qual não conheciam ninguém, não tinham casa, não tinham família. Nesse momento, esse jovem casal teve Jesus. Nesse contexto, em uma manjedoura preparada como podiam, esse jovem casal nos deu Jesus. Estavam sozinhos, em terra estranha, os três. De repente, começou a aparecer gente, pastores. Pessoas iguais a eles que tiveram que deixar a sua terra para conseguir melhores oportunidades familiares. Viviam em função também das inclemências do tempo e de ‘outros tipos’.”

“Quando souberam do nascimento de Jesus – explicou –, se aproximaram, se fizeram próximos, vizinhos. Tornaram-se logo a família de Maria e José. A família de Jesus. É o que acontece quando Jesus aparece em nossa vida. É o que desperta a fé. A fé nos aproxima, nos faz próximos da vida dos outros. Aproxima-nos da vida dos outros. A fé desperta o nosso compromisso e a fé desperta a nossa solidariedade. Uma virtude humana e cristã que vocês têm e que muitos, muitos, têm e temos que aprender. O nascimento de Jesus desperta a nossa vida. Uma fé que não se faz solidariedade, é uma fé morta ou uma fé mentirosa. ‘Não, sou muito católico, sou católica, vou à missa aos domingos’. ‘Mas, diga-me, o que acontece em Bañados?’ ‘Sei que há gente ali, mas não sei’. Por mais que fores à missa aos domingos, se não tens um coração solidário, se não sabes o que acontece no teu bairro, tua fé é muito fraca ou é doente ou está morta. É uma fé sem Cristo. A fé sem solidariedade é uma fé sem Cristo, uma fé sem Deus, uma fé sem irmãos.”

 “‘Um povo, um Deus sem povo, um povo sem irmãos, um povo sem Jesus’ – acrescentou. Essa é a fé sem solidariedade. E Deus se meteu no meio do povo que Ele escolheu e mandou-lhe seu filho para salvá-lo, para ajudá-lo. Deus se fez solidário com esse povo e Jesus não teve nenhum problema de descer, humilhar-se, abaixar-se, até morrer por cada um de nós, por essa solidariedade irmã que nasce do amor que tinha seu Pai. Lembre-se, quando uma fé não é solidária, ou é uma fé fraca ou está doente ou está morta. Não é a fé de Jesus.”

“Vim para dar graças com vocês – recordou –, porque a fé se fez esperança e é esperança que estimula o amor. A fé que desperta Jesus é uma fé com capacidade de sonhar o futuro e de lutar por isso no presente. Precisamente por isso quero estimulá-los a continuar sendo missionários desta fé, a seguir contagiando essa fé por estas ruas, por estes becos. Esta fé que nos torna solidários entre nós, com o nosso irmão maior Jesus e nossa mãe nossa senhora. Tornando-nos próximos especialmente dos mais jovens e dos idosos. Tornando-nos um apoio para as jovens famílias e para todos aqueles que estiverem passando por momentos de dificuldade.”

“Talvez a mensagem mais forte que vocês podem dar para fora – prosseguiu – é essa fé solidária. O diabo quer que vocês briguem entre si, porque assim os divide e os derrota e lhes rouba a fé. Solidariedade de irmãos para defender a fé. Além de que essa fé solidária seja mensagem para toda a cidade.”

Depois do discurso do Papa, tomaram a palavra os alunos das escolas Caacupemí e de Santa Cruz, da Fé e Alegria. Esta última faz parte do projeto da Companhia de Jesus que garante mais de 400 unidades educativas em diferentes zonas pobres do Paraguai.

O Papa visitou duas casas. Entrou na casa de uma idosa, Asunción, que mora há 70 anos no Bañado Norte. Ela ofereceu a Bergoglio uma sopa paraguaia feita com ovo e queijo, além do mate. Depois, o Papa dirigiu-se a uma segunda casa, muito mais pobre. Em poucos metros quadrados estão as camas, uma pequena estufa de gás e um sofá. “Nunca teria imaginado receber o Papa em minha casa”, disse a outra mulher comovida.

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