O desafio de Bonhoeffer ao nazismo. Artigo de Alberto Melloni

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10 Abril 2015

Bonhoeffer não é um homem forçado a viver sob o nazismo: ele poderia ter ficado nos Estados Unidos ou em Londres, onde ele tinha sido levado pelo seu trabalho como teólogo e onde sonhou um concílio de todas as Igrejas para anunciar a paz de Cristo ao mundo em delírio.

A opinião é de Alberto Melloni, historiador da Igreja, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 09-04-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Era dezembro de 1931. Um jovem livre professor evangélico, pároco dos estudantes da escola técnica de Berlim, ávido leitor do livro de capa violeta de Otto DibeliusO século da Igreja, vai escutar uma palestra do admirado teólogo, superintendente geral da Igreja Luterana em Berlim.

E conta a Erwin Sutz a cena hilariante que se revela a ele: "Dibelius nos informou em uma conferência sobre o fato de que a Igreja tem 2.500 estudantes a mais e que, por isso, aos teólogos poderão ser feitos pedidos particulares, incluindo, em primeiro lugar, a disponibilidade ao martírio, em uma luta em que estariam entrelaçados ideais políticos e religiosos! (...). Os ouvintes pisoteavam como loucos: viva a 'Igreja violeta'".

O ouvinte afiado e cortante daquela infantil arrogância era Dietrich Bonhoeffer: jovem teólogo de alta linhagem acadêmica (o bisavô era o historiador da Igreja Karl August von Hase, chamado por Goethe a Jena, o avô era o pregador da corte Karl Alfred), cuja figura e cuja obra marcam um antes e um depois na história do cristianismo.

Bonhoeffer não é um homem forçado a viver sob o nazismo: ele poderia ter ficado nos Estados Unidos ou em Londres, onde ele tinha sido levado pelo seu trabalho como teólogo e onde sonhou um concílio de todas as Igrejas para anunciar a paz de Cristo ao mundo em delírio.

De volta à pátria, trabalhou no seminário clandestino da Igreja Confessante, na que Dibelius também tinha entrado: e aceitou entrar na contraespionagem alemã, posição essencial para uma ação de resistência que visava a matar Hitler.

Preso no dia 5 de abril de 1943, deu-se conta, depois do fracasso do complô de Canaris, que não tinha saída e, da prisão de Tegel, escreveu, em forma de pensamentos, cartas e poesias, textos que cumpriam o percurso teológico iniciado com a tese sobre a Communio sanctorum em 1927 e que continuou nos cursos (o de 1932 saiu em italiano no dia 22 de abril, com o título Tra Dio e il mondo [Entre Deus e o mundo], pela editora Castelvecchi, traduzido por Nicholas Zippel, p. 64 e 69).

Assim, naquela série de textos que seria reunida com o título Resistência e submissão, Bonhoeffer marca uma ruptura no modo de pensar Deus com uma "fé concreta". Em torno dessa interrogação da responsabilidade se desdobrará a sua vida como prisioneiro até o dia 9 de abril de 1945, quando, em uma Alemanha já derrotada, Bonhoeffer foi levado ao castelo de Flossenbürg, submetido a um processo rocambolesco para salvar as formas e enforcado pouco antes da chegada dos Aliados.

Bonhoeffer não vive esse trajeto com a alma febril dos pisoteadores exaltados da "Igreja violeta", mas com a dolorosa ternura de quem viu a dupla "substituição vicária" da Igreja e do mundo, colocada, uma, lá onde deveria estar o outro, em um deslocamento em que o Cristo se revela como tal "para o mundo" e não "para si mesmo".

Ele já tinha escrito isso em uma pregação de 1932: "É possível que o cristianismo, iniciado de modo tão revolucionário, seja agora e para sempre conservador? (...) Se é realmente assim, não devemos nos admirar que até mesmo a nossa Igreja volte ao tempo em que será pedido o sangue dos mártires. Mas esse sangue, admitindo-se que ainda tenhamos a coragem, a honra e a fidelidade para derramá-lo, não será tão inocente e luminoso como o das primeiras testemunhas. Sobre o nosso sangue, haverá o peso de uma nossa grandes culpa: a culpa do servo inútil, que é jogado para fora, nas trevas".

Mas, ao se reconhecer assim, ele descobre a graça cara. E, ao mesmo tempo, descobre que somente "o Christus intercedens nos assegura da graça de Deus".

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